Correio de Carajás

Uma crônica para Dote e, também, para o seu gato

Lá em casa, quem fica com o melhor espaço na cama é Dote. A gata que minha filha Brenda Pompeu garimpou na rua, no primeiro ano da faculdade de Medicina Veterinária, em Araguaína. De lá para cá, a gatinha conquistou todo mundo lá em casa, embora eu ainda esteja esperando a chegada de um cão.

Mas tenho percebido, nos últimos dois anos, que nas redes sociais, dezenas deles reinam em fotos e filmes, postados por orgulhosos e derretidos donos e donas. Eu disse donos e donas? Esquece. Quem manda são eles. Donos dos donos. Se você tem um, certamente já sabe quem é que decide o quê e o quando, lá em casa.

Vai ler aquele livro ou relatório importante, olha quem se deitou mesmo em cima? Vai ao computador para uma reunião no zoom, vê quem aparece para bisbilhotar a câmera? Vai se sentar no sofá, alguém já se aboletou na melhor almofada. E por aí vai. Caprichos e estripulias que vão adestrando o humano nisso de viver com eles. E não o contrário. E nós, diante destes boas-vidas, tornamo-nos meros aduladores.

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Ao olharmos nos olhos de um gato, mergulhamos sem saber aonde vamos. Olhar abissal. Olhar enigmático. Olhar que nos avalia. Que nos julga. Olhar que não responde: “quem és tu?”

E, depois destes confrontos de pupilas onde nada se esclarece, ele vai para o peitoril de uma janela, pensar na vida. Doméstico e livre, ao mesmo tempo. Às vezes um novelo de pelos, fofinho e frágil, no teu colo. Às vezes um tigrezinho, pronto a mostrar as garras. Mas, sempre senhor da sua liberdade e natureza. O que nos interessa aqui é saber que, no fundo, são eles quem nos escolhem para companhia.

Inteligente mesmo é a gata que ficou famosa e podre de rica sem precisar dar um miau. Tem contas no Facebook, Twitter, Instagram, blogues e mais de 60 mil seguidores. Achou pouco? Pois bem. Tem ainda conta bancária polpuda e “herdou” casa e fortuna. Choupette é o nome da milionária que, com os seus olhinhos azuis conquistou para sempre Karl Lagerfeld, o célebre costureiro e diretor criativo da Chanel. Para você ver, só saía com ele devidamente instalada em uma bolsa Louis Vuitton, desenhada pelo mestre da costura especialmente para seu chuchu.

Em 2019, o ícone da moda morreu e deixou tudo para sua protegida – uma governanta de carne e osso gere o dinheiro, já que a lei francesa não permite a transmissão de bens diretamente para um animal. Mas, o futuro da midiatizada gata já estava garantido. Inclusive, com os milhões de euros de lucros de Choupette by Karl Lagerfeld, o livro de fotos com suas caras e bocas. Esgotou em poucas semanas.

Saiba também que a tigrada Delilah foi musa inspiradora para uma canção (com o mesmo nome) de Freddie Mercury. O cantor do grupo britânico Queen era doido por ela, embora a tal não fosse fácil. Irresistível, imprevisível, caprichosa – lista os atributos de Delilah, a letra da música. E o jogo de notas, nas cordas da guitarra, imita o miamento da gata.

Histórias de amores extravagantes entre famosos e seus animais já deram muito o que falar. Mas tanto faz se moramos com Delilah ou Choupette, ou com outros menos famosos que passeiam nas redes sociais, o certo é que estes animais nos descentram, preenchem espaços, são puro afeto. Entre eles a comunicação se faz em silêncio. Ou em disputas. Ou em embates.

Miaummm, é só para pedir coisas a você. “Como é, não vem abrir a porta? Quero sair!”. E você, como um papagaio, repete a mesma coisa, todo derretido: “quer sair, é?”. E ele se vai, sem olhar para trás. E quando falta a ração preferida de Dote, ela faz greve de fome. Depois de comer, vai para o quarto, fazer reforma agrária em nossa cama, que não é king size.

* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira