Correio de Carajás

Marabá é, em si, uma contradição pura e viva

Nesta terça-feira, dia 5, Marabá completou aniversário. Eu preferiria comemorar a data de 7 de junho e não 5 de abril. E explico: essa última foi apenas o dia em que se fez a instalação do município, algo formal que entrou para a história e que temos registrado em uma ata daquele dia, que sobrevive até nossos dias, guardada em uma redoma de vidro no Museu Municipal de Marabá.

E prefiro mesmo a data de 7 de junho para celebrar o aniversário de Marabá. É que em 7 de junho de 1898, o maranhense de Grajaú, Francisco Coelho, mudou-se da Colônia Agrícola comandada pelo coronel Carlos Leitão para a foz do Itacaiunas, onde de fato começou a cidade a partir do Cabelo Seco.

Mas quase tudo nesta cidade é um pouco contraditório, aliás como é a vida de um modo em geral, e uma cidade é, no fim das contas, o resultado das práticas cotidianas e históricas dos seus habitantes.

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Gosto de pensar Marabá pelo que li de alguns autores, ouvi dos mais antigos e perceber como eles dialogam entre si, principalmente em alguns aspectos que realmente nos faz refletir sobre qual tipo de cidade nos marca e atravessa nossas vidas.

Não gosto de chamar os mais velhos de pioneiros, como alguns fazem por aí, porque ninguém que está vivo participou dos primórdios de nossa cidade.

Gosto do relato oral do septuagenário Jorge Bichara, que me apontou em algumas ocasiões que a árvore mais antiga da Marabá Pioneira é um velho Cinzeiro, que sobrevive em nossos dias em plena Praça São Félix de Valois. Já tentaram arrancá-lo pela raiz na gestão de João Salame, mas a árvore acabou ganhando sobrevida e continua de pé.

Embora tenha sido chamada de Capital da Castanha, a Velha Marabá não conseguiu manter viva nenhuma castanheira. Só na Cidade Nova e Nova Marabá elas ainda resistem aqui e acolá.

Gosto de ir ao Cabelo Seco porque ali ainda escuto suavemente o sotaque do passado, da minha história, da minha cidade. Mas percorrer as ruas do Novo Horizonte nos faz ouvir mineiros, goianos, paulistas e outros brasileiros e seus sotaques divergentes.

E no estádio Zinho Oliveira, quando todo mundo se mistura, aparece muito fortemente o falatório uns dos outros como um dos símbolos da nossa existência. E longe de ser um exercício da linguagem própria dos humanos. Marabá fala de forma diferente. Porque somos diferentes. Às vezes, contraditórios.

Um amigo Jaques Coelho, que apreciava o vernáculo brasileiro, me dizia que esse negócio de ser acolhedor em Marabá é uma mentira das grandes. Afirmava que o marabaense odeia ver o sucesso dos outros e seria um magote de invejoso. Para compensar, fala mal de todo mundo a torto e a direito. Dizia ele que cadeiras na calçada não têm nada de inocentes. A calçada seria o lugar mais adequado para a mais pura fofoca e espaço para se cuidar da vida alheia.

Se a Avenida Marechal Deodoro, no passado, era o ponto de encontro de cidade minúscula, as calçadas ampliaram a dimensão catártica às avessas e hoje, os grupos de WhatsApp superaram qualquer estimativa de meu velho amigo Jaques.

Lembro-me de passar dias folheando o Vocabulário Regional de Marabá, de meu amigo Noé von Atzingen, o que eu denomino de “Guia prático, histórico e sentimental de Marabá”. E é tão interessante como o autor, mesmo sendo paulista, passou anos e anos anotando palavras que ouvia aqui e acolá, acrescentando lugares e informações relevantes para ele e que demonstravam tanto amor pela cidade.

Por isso, gosto muito, já presenteei e incentivei meus filhos a lerem esse “Dicionário Amoroso de Marabá”. Não se trata de um guia apaixonado, mas de um passeio pela cidade sob o olhar do escritor que tem uma exímia capacidade de ser bem humorado, com pitadas deliciosas de ironia, sem deixar de lado a memória carinhosa pela Marabá que esquadrinhou por mais de 30 anos.

A cidade que antes tinha nas ruas as tropas de burros carregadas de castanha-do-pará, se transformou na metrópole dos engarrafamentos, Parte dessa cidade quer morar o quanto mais longe da terra possível, em prédios altíssimos. Preferem entrar com o carro em suas garagens com ajuda do controle remoto e estacioná-lo na sala, sem dar bom dia ao vizinho.

Marabá é, em si, uma dissidência. Não apenas nas duas datas de aniversário que tratei aqui. Marabá é contradição pura e viva nas ruas, nas esquinas.

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica às quintas-feiras

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.