Correio de Carajás

Eu desejo (desilusões) na virada de Ano Novo

Natal e Ano Novo poderiam durar mais de um mês. Outubro, novembro e dezembro. Ter luzinhas coloridas piscando por mais semanas nas varandas das casas, dos prédios, das praças. Talvez, se eu me colocasse no lugar dos bichos, retiraria das copas das árvores fartas as lâmpadas miúdas para não empatar o sono dos pássaros e de outros invisíveis. Eles também precisam do breu.

É um desejo, o sentimento exagerado de esperança no corpo de alguns milhares quando o ano cartesiano (e chato) está por um fio. Há desejos em outras festas. Dia das Mães, São João, Aniversário de Marabá, mas no Natal… essa ilusão doce, profana, rogatória e esperançosa de sempre.

Vou começar de novo o texto. Marabá, 30 de dezembro de 2022. O Natal e Ano Novo poderiam, talvez, durar mais tempo. Dois, três meses e mais luzinhas piscando a cidade quando anoitece.

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Talvez, se eu não fosse antropocêntrico, não arrodearia de pisca pisca as copas das árvores dormitórios, pássaros e outros seres também precisam do breu para se aquietar no ocaso de mais um dia.

Natal, sem fazer uma referência direta à religião ou passagem do caminhão da Coca-Cola, é um conto para suspender o juízo, você deseja e fantasia. É bom esperançar mesmo que não aconteça. Se Papai Noel existisse, seria muito chato.

Já desejei muita chuva para o povo (nós) aqui do Norte, já desejei uma bicicleta na infância, desejei um beijo na boca quando nunca tinha sido namorado e desejei morar na Folha 32 (isso nunca aconteceu e acho que esse desejo passou).

Vou terminar o ano, cartesiano (e chato), desejando saúde para quem foi furtado dela, que ninguém seja surpreendido por tocaia alguma. Se for, que se cure.

Doei e vou desejar plaquetas para quem está carecendo, é um presente lindo para se oferecer. Para quem bem-queremos e para quem nem conhecemos. Desejo uma multidão de doadores de sangue, de rins, fígado, olhos, corações… Vou, também, desejar retorno para casa ou conforto para quem está numa UTI.

Neste Ano Novo, desejo reflorestamento para as terras devastadas e rebrotamento da terra queimada.

Vou desejar uma paixão quase sempre e um amor quando for e corpo cheio de borboletas.

São os votos aleatórios, uma carta nunca entregue, de outro dezembro na vida e a sensação estranha de infância. De ressentir o cheiro da tinta nas paredes porque meu tio penteava a casa e a retelhava para o Natal e Ano Novo e para o inverno certo que “Deus” manda todo ano novo.

Minha esposa não gosta de celebrar o Natal. Então, com os 29 anos de casado, aprendi a respeitar esse desejo. Mas quando posso, escapulo e celebro com amigos ou outros parentes.

Este ano, celebramos todos juntos – ela também – porque não foram só as luzinhas, as árvores, os presentes, a ceia dividida com quem amamos. O Natal é uma daquelas datas que parecem ter um script a ser seguido, uma experiência compartilhada e universal. Mas, na realidade, as vivências desse período são únicas. Apesar de termos as mesmas 24 horas de hoje, cada um tem uma expectativa diferente do que deve ser esse dia.

Nos últimos anos, com um vírus incessante, a comemoração tradicional, muitas vezes, não foi sequer possível. Famílias enlutadas, afastamento de parentes e amigos queridos por discordâncias políticas, dificuldades financeiras, isolamento necessário. O período acabou ficando com outras marcas. O que esperar deste ano novo daqui para frente? A volta do tradicional ou um novo olhar?

O meu calendário de 2023 já está pronto. Produzido e impresso em casa mesmo, ainda com todas as casas branquinhas, vazias, pontos de interrogação. Tempo e espaço ainda no plano do possível. Olhando janeiro eu penso: o que nos espera neste ano que vem? De que será feito este porvir que marcará meu calendário?

Ah, e as luzes das árvores, quem vai apagar para que os passarinhos consigam aproveitar mais a noite?

* O autor é jornalista e cronista do Correio há 26 anos e publica crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.