Correio de Carajás

Uma “Bonequinha de Pano” na UTI do Hospital Regional

No último domingo recebi uma ligação de Miguel. A voz aflita desde o primeiro momento anunciava a urgência e gravidade do assunto. Sua esposa estava internada no Hospital Materno Infantil e acabara de ser transferida para o Municipal. Grávida de dois meses, a jovem de apenas 25 anos precisava de cuidados intensivos e especializados.

Mais do que isso, Karoline Coutinho precisava de um milagre.

Sim. Até mesmo os médicos do Municipal entenderam a gravidade da situação e pediram transferência urgente para o Hospital Regional do Sudeste, o que aconteceu no início da noite daquele dia.

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Às 20h14 ele me enviou um vídeo de sua esposa chegando, em uma maca, ao Hospital Regional. Ao lado dela o tempo todo, o jovem de cerca de 1,90 metro de altura não acreditava no que estava acontecendo.

A cada cinco palavras de Miguel naqueles dias, uma era: “apavorado”. E é assim que ele se sente até hoje. Queria notícias da esposa, do bebê. Queria…queria… quer…

Conheci Miguel no início do ano passado. Comecei a construir uma casa e ele era um dos vendedores da loja em que eu mais comprava material de construção. Aos poucos, se tornou amigo, antes mesmo de descobrirmos que ele tinha um lote ao lado do meu, no mesmo condomínio. E quando isso aconteceu, começamos a compartilhar os sonhos da nova casa.

O rapaz é engenheiro civil e planejou a sua casa junto com a mãe, que é arquiteta. Mas o planejamento e os sonhos incluíam Karoline, sua esposa. E sempre que podia, Miguel compartilhava como o casal pretendia construir a casa e começar a morar nela antes do Natal. Eu, que tinha começado a construir em janeiro, achava complicado, porque ele só foi começar a obra lá para junho.

Jogamos vôlei juntos e até arriscamos marcar uma pedalada, mas nunca vingou. Miguel e sua amada Karol conseguiram mudar-se para a nova casa conforme os planos. Ainda lembro dela acompanhando a etapa da montagem dos móveis planejados e de outros acabamentos.

No Natal, fizeram uma festa com poucos convidados e eu os invejei, porque ainda não tinha conseguido mudar (e até agora isso não aconteceu). Mas estava feliz por aqueles vizinhos, pacatos e cordiais.

Na ligação angustiada do último domingo, Miguel revelou que a esposa estava grávida de dois meses, mas o dilema foi um cálculo renal descoberto de repente. Uma pedra que saiu teria entupido o canal do ureter, causando, posteriormente, infecção generalizada. Por isso passou por dois hospitais até chegar ao Regional, onde está entubada.

Karol tem sonhos e merece torná-los realidade. E não era apenas de uma casa nova. Era de viver com tranquilidade ao lado do marido e, também, com o novo rebento. Certamente já fazia planos para a cor do quarto dele/dela e até mesmo para os nomes.

Fazia planos para o enxoval completo, claro, comprando tudo aos pouquinhos, porque não são ricos. Os planos de Karol, que estão em estágio de espera na UTI do Hospital Regional, certamente envolvem saber a cor dos olhos, se vai puxar para o pai em estatura, as indagações sobre o que vai herdar dela mesma – se a voz aveludada ou a candura do olhar.

Sim, um texto desse tamanho não seria suficiente para relatar o tanto que uma mãe sonhou em apenas dois meses de gravidez. Não é capaz de expressar como ela expressou isso para amigas e familiares.

Lá, na UTI onde está, sem conseguir se comunicar, é possível que Karol ainda sonhe, mesmo sem estar acordada.

Aqui, do lado de fora, os amigos oram e clamam aos céus para que faça um milagre na vida dela e do bebê.

Na noite desta quarta-feira, quando escrevia essa crônica, enviei a Miguel o link de uma música que gosto muito e que representa o contexto em que ela (e nós) estamos vivendo: “Bonequinha de Pano”, de Pedro Valença.

Enquanto a corrente de oração se espalha nas redes sociais, também clamamos com essa música:

Deixe ela viver

Pai, Tu tens poder se assim por bem achar

Nossa bonequinha, mesmo remendada, tem valor demais

Deixe ela viver

Não por um capricho egoísta meu

Que ela seja Tua

Seja bem mais Tua que de qualquer um

E se for pra Tua glória, livra ela dessas dores

Pode até deixar as marcas

Elas falam sobre as lutas e o tamanho da vitória

Só se for pra Tua glória, que ela viva em abundância

Pra contar aos quatro ventos

Traduzir a bela história do amor que a salvou.”

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.