Correio de Carajás

Um “novo” amor para Iolanda do Cabelo Seco

Quando a menina nasceu, com os olhos brilhando e um sorriso incomum no rosto, a parteira do Cabelo Seco proclamou em alto som para a mãe ouvir: vai ser pinga-fogo! Tava certa. E foi a parteira mesmo quem sugeriu o nome Iolanda para batizar a menina de pele negra e cabelo pixaim. A garota crescia com duas características de quem mora naquele bairro, aprendendo as músicas folclóricas na porta de casa durante a noite e tomando banho no rio enquanto a avó Tonica colocava roupa dos clientes para quarar nas melhores horas do dia.

Como não tinha um quarto só pra ela, dançava na frente do único espelho da casa, que ficava no quarto da avó. A menina era muito extrovertida e não tinha medo nem vergonha de sair dançando por aí. Ela gostava muito de imitar as coreografias que apareciam na televisão. Dançava de tudo um pouco: samba, axé, hip hop e até dança de salão! Sim, ela dançava junto com sua única boneca, feita de pano por Tonica.

O quarto da avó servia para Iolanda como uma festa, uma discoteca! Ela ligava o rádio pela manhã e ficava lá, rodopiando até ao meio dia. Depois almoçava, dormia um pouquinho, sonhava que estava dançando e já acordava cantando!

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Quando eu ia visitar minha tia Maria Pompeu, ao lado da casa de dona Zenith, percebia que nunca tinha visto antes uma menina que amava tanto dançar! Ela era apaixonada pela música, pela arte, pela dança! Qualquer ruído era um motivo de remelexo do corpo! Ela rodopiava e girava, saltava e cantava!

Ninguém entendia muito bem da onde aquela menina herdou o dom de dançar. Dom não, talento, desejo, vontade mesmo de se deslizar e de se esticar sob o vento, sob a lua, sob a chuva e para as pessoas passantes. Sua mãe era cozinheira, e seu pai pescador. Talvez, as batidas da panela tenham lhe inspirado os primeiros passos de uma bailarina.

Aos oito anos de idade, Iolanda participou pela primeira vez de uma quadrilha, que se apresentou em escolas e lá mesmo na pracinha do Cabelo Seco. E os adultos tinham a consciência de que a neta de dona Tonica tinha talento diferenciado para a dança.

Orgulhosa, a lavadeira dizia que a lua ensinou Iolanda a dançar pulando de estrela em estrela. A grande lua cheia e orgulhosa de tanto brilho levava a princesinha pulando pelas estrelinhas, às vezes ela corria e riscava o céu com seu brilho. Todos pensavam que era uma estrela cadente, mas na verdade era a princesinha correndo feliz pelo lindo jardim de estrelas.

E ela foi crescendo e sua fama extrapolou as fronteiras do bairro. Aos 12, já era conhecida como “Iolanda do Cabelo Seco”. Nova Marabá, Cidade Nova, Belém do Pará e até Brasília conheceram seu talento antes de ela completar 15 anos. Tinha orgulho do nome carinhoso pelo qual ficou conhecida e Iolanda do Cabelo Seco também chamava atenção dos rapazes. Aos 17, ela conheceu Robson, filho de um empresário que a viu dançar em um evento para autoridades e comerciantes.

Encantado, o rapaz tratou logo de conseguir o número de telefone de Iolanda. E ali começou um relacionamento que viria a ser o bem e o mal para a dançarina nos próximos 17 meses.

O rapaz a encheu de presentes e prometeu cuidar dela e lhe ofereceu uma vida melhor, desde que deixasse de usar o nome Cabelo Seco e tratasse de mudar de endereço. Quando a garota completou 18 foi morar na casa dos pais de Robson, na Folha 32, onde havia o metro quadrado mais caro de Marabá naquela época.

Foi o primeiro namorado de Iolanda. E também o primeiro com quem foi para a cama. Já não dançava mais, alisou o cabelo e transformou-se numa esposa-troféu para um jovem herdeiro que frequentava festas da elite da cidade, onde a dançarina não costumava ir.

Passados quase dois anos, ela não aguentou. Devolveu relógios, joias e pegou o orgulho de volta. Retornou para a casa da avó feliz e adotou, de novo, seu apelido de Iolanda do Cabelo Seco. A dança voltou, a autoestima reapareceu e encontrou, três meses depois, um novo amor, da Barão do Rio Branco, na Velha Marabá, que a estimulou a continuar dançando e levando o nome do bairro a outro patamar.

Não sei como a história terminou. Só sei que foi assim…

 

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica às quintas-feiras

 

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.