Correio de Carajás

Resgate de uma crônica a um jornalista solitário

O texto que vem a seguir foi publicado há exatos 47 anos, no exemplar de Número 37 de um jornal local. Eu o garimpei nesta semana junto ao extinto Jornal “Notícias de Marabá”, editado pela família Rocha, que era proprietária da Gráfica e Papelaria Íris, na Rua 5 de Abril, Velha Marabá. Trata-se de uma crônica escrita por uma mulher que assinava como MAJEFE.

Em verdade, se tratava da professora Maria de Jesus Fernandes, que atuou por muitos anos na educação de Marabá e hoje dá nome ao auditório da Escola José Mendonça Vergolino, da qual foi diretora. Ela escreveu o texto observando o trabalho de Antônio Bastos Morbach, editor da também extinta Revista Itatocan, que começou a circular na década de 1950.

Eu tinha 5 anos de idade quando o texto foi publicado e não imaginava que o leria quase meio século depois com o saudosismo de quem estava naquela sala de Redação.

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A seguir, leia a crônica:

EIS QUE CHEGA

Velho mirrado. Coxeando. A pasta debaixo do braço. Entra. Pigarreia. Dá um bom dia ou boa tarde. Procura sempre se a máquina de escrever está desocupada. Em caso afirmativo, senta-se a trabalhar. Vez por outra, um pigarreio.

Eu fico, de onde estou, com os meus pensamentos. E penso, e penso. Quanto vale uma pessoa? Qual o valor que este velho que aí está escrevendo terá para os seus, para os outros, para o mundo?

Nesse momento, quanto valerá para mim? Para mim? Meu pensamento gira, gira…Lembro-me! Ele já teve um lar, esposa e filhos. O conheci ainda novo, sem coxear. Andava ao lado de sua filha, moça meiga e amorosa, que o amparava com seus pileques costumeiros. Conheci sua esposa – alegre, cheia de vida.

Hoje aqui está, velho e sozinho. Sua filha está longe, sua esposa já não existe há anos. Seus irmãos? Cada qual com sua vida, com seus problemas.

Mas ele está vivo, e precisa viver. Viver no sentido de sentir que está vivo. E, para que alguém sinta a vida dentro de si, necessita de algo para fazer, para sentir-se útil. Em primeiro lugar, a si mesmo, depois aos outros.

É por isso que, enquanto ele escreve, eu penso tanto, tanto nele. Nesse homem já envelhecido, pedindo meu consentimento para bater à maquina seus artigos, suas notícias. Meu coração enche de bondade para com ele. E não só de bondade me inflama o coração. Eu o admiro também.

Admiro pelo entusiasmo com que enfrenta seu trabalho, pela coragem de lutar pelos obstáculos, conseguindo por cima de pau e pedra mostrar a todos sua utilidade, com o fruto de seus esforços, a revista ITATOCAN. Um periódico tão modesto, mas elaborado com o sacrifício de um homem de valor, que poderá justificar sua passagem por este “mundo de meu Deus” deixando aos que ficam, um exemplo de heroísmo e abnegação em prol do jornalismo e da Imprensa local”.

Passados 47 anos, a mulher que escreveu essa crônica está aposentada de seu ofício, tão idosa quanto a pessoa que ela mesma descrevera com o coração quase dilacerado.

Agora, sou eu quem está aqui, achando que tem um foca (novato da Redação) que me olha como se estivesse pondo os olhos em Antônio Bastos Morbach e pensando: “qual o sentido da vida desse senhor de cabelos brancos que chega aqui todas as tardes e pensa que manda na turma toda?”

É o ciclo da vida.

 

 

O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira