No passado – faz uns cinco anos – escrevi uma série de três crônicas sobre o alistamento militar em Marabá. Falei de como havia um interesse geral da galera que estava completando 18 anos para vestir o uniforme verde do Exército Brasileiro.
Agora, resolvi voltar ao assunto, depois que Jorlean Guedes, filho de um amigo dos tempos do Pequeno Príncipe, me contou como foi seu dilema para entrar no 52º BIS.
Diferente dos demais de sua idade, ele não queria ir ao quartel – assim como eu. Mesmo que se chorasse menino, teve de ir. Era o jeito, ladainha da mãe, de virar macho. Inchar os músculos, aprender a trocar uma lâmpada, saber pintar uma parede, ter uma profissão.
Leia mais:Raspar o cabelo e virar desejo das empregadas da rua quando aparecia de coturnos, quepe e pano passado.
Naquele tempo, escapava da obrigação quem tinha pai influente ou dava um jeito de se alistar no oco da Taquara do cu do desterrado. Foi o meu caso, que me alistei em Belém de Maria, um negocinho do tamanho do nada, no interior do sertão de Pernambuco. Bem longe, tão cafundó, onde houvesse lá um Tiro de Guerra e juras mentirosas à Bandeira e a Terra amada. Desamor.
Mas os anos não eram de gentilezas por Marabá nas décadas de 1970 e 1980, quando a ditadura militar reinava e a Guerrilha do Araguaia tinha deixado suas marcas entre nós. Por aqui por essas bandas, todo mundo se pelava de medo de militar.
Não passava veloz em frente ao Quartel do Oito (como era chamado o um 52º BIS naquele tempo) nem ousava chamar o mais recruta dos imberbes, que não fosse de “senhor”. Dias que se escondiam dos jipes verdes e os brutos de família usavam uma capanga preta e, nela, um “berro”.
Eu ficava olhando. Quase todo oficial usava óculos Ray-Ban, falava grosseiro e aos gritos. Aparava um bigode imoral e espalhava um cheiro de sabonete Senador pelos corredores e esquinas. Bem barbeado, cabelo na brilhantina Glostora, fivela brilhando no cinto, pente fino Flamengo, “quetes” tinindo e gandola engomada sem vinco.
Mas voltando à história recente de Jorlean Guedes, o rapaz me contou que dos quatro homens, ele foi o único que entrou no quartel. Logo depois de ter reprovado no vestibular e não ter ganhado um fusca do pai, como havia pedido, nem raspado o cabelo no zero.
Fez o Básico e foi marchar, por cinco anos, nos 7 de Setembro. Seu avô já tinha morrido, nem viu o menino batendo continência na Avenida Antônio Maia. Seu pai havia sumido pra bandas de outros afetos no Piauí. E sua mãe via nele, puro instinto, uma chance de ajudar na casa de seis crianças, e ainda ela e uma avó.
Jorlean recebia um salário-mínimo por mês no quartel, dinheiro que ajudava e muito a pagar as despesas de casa. Ele se tornou, praticamente, arrimo de família. Pra diminuir os gastos, ele mesmo comia no quartel, café, almoço e janta, e aos finais de semana queria sempre estar na escala, para deixar a comida de casa para os irmãos. Ia e vinha da Folha 11 para o quartel numa bicicleta Caloi 10 que conseguira comprar de um amigo do ensino médio.
Em casa era assim: um bife pra cada um. Servido no pé do fogão por sua mamãe ou avó. Sem possibilidade de repetir. Também a Coca-Cola família de alguns domingos. Um copo cheio, daqueles de geleia, pra cada bicho de orelha. Quem bebesse ligeiro, miava depois. A briga era dividir um frango assado por todos!
Um dia, Jorlean virou sargento. O salário melhorou, ajudou os irmãos a estudar, se formar e hoje eles ajudam a mãe, que está nos 60 e herdou uma hérnia de disco e dois esporões de galo pelo tempo dedicado aos filhos na cozinha.
A avó já tinha falecido quando ele recebeu o distintivo de sargento, e ele chorou porque queria a mãe da mãe colocando o emblema em sua beca.
A história dele é, também, a de muitos jovens de várias gerações que só tiveram o quartel como opção para aprender uma profissão, ganhar dinheiro e ajudar a família.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.