Correio de Carajás

Por que Soninha fugiu da mãe no Dia das Mães

Aos 23 anos de idade, Soninha mora com o namorado e a sogra numa casa relativamente confortável na Cidade Nova. Ama o pai, mas foge da mãe, mesmo que seja o Dia das Mães, como no último domingo. Já trocou de número de telefone sete vezes em quatro anos, e continuará fazendo isso toda vez que sua genitora descobrir seu contato.

Depois que Soninha nasceu, a mãe foi embora de casa e a deixou, juntamente com o irmão mais velho, apenas com o pai, dizendo que ele que cuidasse dos dois. O casal de filhos passou a ser cuidado pela avó paterna, porque o pai trabalhava como motorista de caminhão e viajava Brasil afora, vindo em casa a cada 20 dias.

Mas o que era ruim, piorou ainda nos anos seguintes. A família começou a ser dizimada pelo câncer. Uma tia de Soninha, irmã de seu pai, morreu em função da doença em 2015. Depois, a avó e mãe também sucumbiu e a garota sofreu muito a perda de uma figura que tanto cuidou dela.

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Na pandemia, o pai dela também foi diagnosticado com um câncer no estômago, mas passou por um longo tratamento e conseguiu se recuperar. No final do ano passado ele vendeu sua casa em Marabá e partiu para Goiânia, onde foi viver com sua nova esposa. A garota chegou a visitá-lo na capital goiana, onde passou alguns dias com o único membro de sua família.

Sim, único membro, porque a mãe ela não considera. Ou a dá como morta. Muitas pessoas conhecidas até tentaram aproximar as duas, mas Soninha não pensa em perdoar o que a mãe fez quando ela era mais frágil.

Segue estudando e trabalhando como professora em uma escola particular lá mesmo na Cidade Nova.

Conversei duas horas com ela e o namorado na noite da última terça-feira, 14 de maio. A jovem estava arrasada. Disse que a mãe, de novo, descobriu seu telefone e até pagou alguém para rastrear o seu número. Por causa disso, passou o Dia das Mães numa roça com amigos e deixou o celular na casa da sogra. Da chácara, conseguiu outro número e ligou para o pai. Passaram duas horas conversando e para ele Soninha deu feliz Dia das Mães.

Mas ao final da conversa, o pai chorou até ter coragem de contar para a filha que o câncer voltou. Voltou mais agressivo e em situação de metástase. Aos 53 anos de idade, ele não se enxerga sem acompanhar o desenvolvimento e o futuro dos dois filhos – o mais novo está cursando direito na Unifesspa, em Marabá.

Carregar as malas sozinho tem um significado importante ao motorista. Em 2022, ele mal andava e não conseguia colocar o tênis, com o inchaço na perna direita.

Na porta, o filho, agora com 25 anos, esperava o pai. A cadela Aretha estava no quintal e só reconheceu o dono depois de uma cheirada e uma lambida.

O câncer de Paulo estava em remissão. Os especialistas precisavam de cinco anos sem indícios da doença para considerar a “cura”.

Embora eu tenha criado uma imagem do pai, frustrado e longe dos filhos, passei a pensar, também, naquela filha, que viu seus parentes mais chegados deixando essa vida por causa da mesma doença: todos antes dos 65 anos.

E agora, quando será a minha vez, ela perguntou. Embora soubesse que eu não tinha a resposta, também sabe que a medicina não tem como responder a essa inquietação, mas aponta para o grande risco de vir a desenvolver a doença no futuro pelo histórico familiar. “Vou viver com esse fantasma me assombrando o tempo todo daqui para frente. Quando ele vai chegar?

A noite de terça me causou preocupações. O namorado, filho de um velho amigo meu, ficou mudo o tempo inteiro em que Soninha contava sua história dramática, e só abriu a boca no final, quando ela chorava sem parar: “calma, amor, eu estou do seu lado e vamos juntos até o fim”.

O fim. Quando ele chega para Soninha? Quando chegará para mim, para você, leitor?

A pergunta é uma incógnita, mas talvez a resposta a ela seja menos importante. Por hora, é preciso focar em fazer nosso melhor a cada dia, viver bem ao lado das pessoas que amamos e perdoar…o que nem sempre é fácil. Não é mesmo, Soninha?

 

* O autor é jornalista há 28 anos e publica crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.