Correio de Carajás

Nossa Senhora original foi quebrada em 200 pedaços e restaurada

Responsável pelo trabalho de restauro, Maria Helena Chartuni relembra o trabalho que fez para ‘salvar’ a imagem de Nossa Senhora Aparecida e diz ter sentido ajuda da Santa.

Restauração da imagem original da Padroeira após ser quebrada em 200 pedaços completa 45 anos — Foto: Thiago Leon/Santuário Nacional de Aparecida

Símbolo de fé, imagem da Padroeira já foi quebrada em mais de 200 pedaços — Foto: Arquivo Pessoal/ Maria Helena Chartuni
Símbolo de fé, imagem da Padroeira já foi quebrada em mais de 200 pedaços — Foto: Arquivo Pessoal/ Maria Helena Chartuni

Hoje protegida em um nicho de ouro blindado a quatro metros do chão no Santuário Nacional de Aparecida (SP), onde fica em exposição, a imagem original de Nossa Senhora precisou ser restaurada há 45 anos, após ser quebrada em mais de 200 pedaços.

O atentado aconteceu no dia 16 de maio de 1978 durante uma missa na Basílica Velha em Aparecida. A imagem, que ficava em um cofre no altar, foi retirada por um jovem de 19 anos, que a derrubou no chão – leia mais detalhes do atentado abaixo.

A imagem, que ficou muito danificada – situação que causou comoção por parte dos devotos na época – foi encaminhada ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) para passar pelo processo de restauro.

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Maria Helena Chartuni durante o restauro da imagem de Nossa Senhora Aparecida — Foto: Arquivo Pessoal/ Maria Helena Chartuni
Maria Helena Chartuni durante o restauro da imagem de Nossa Senhora Aparecida — Foto: Arquivo Pessoal/ Maria Helena Chartuni

Quebrada em 200 pedaços

 

A missão de restaurar a imagem foi delegada à artista plástica e chefe do Departamento de Restauração do museu, Maria Helena Chartuni. Ela, que até então não era devota, teve a vida transformada pelo trabalho, que classifica como o mais marcante e especial da sua vida.

“Assim que me escolheram eu perguntei: ‘Está muito quebrada?’. Responderam que seria tranquilo restaurar, mas quando eu vi foi um choque. A cabeça estava muito danificada. Aí, sim, tive a noção real do estrago. Era muito pesada e por isso quebrou muito, em mais de 200 pedaços”, lembra Chartuni.

 

Apesar de ter sido escolhida para a restauração, a artista conta que não era devota de Nossa Senhora Aparecida e não tinha relação com a Santa. Para ela, era como se fosse mais um trabalho em uma obra normal.

“Caiu no meu colo e foi um choque pela responsabilidade que estavam atribuindo a isso e pela dificuldade enorme do trabalho, mas para mim a imagem em si era indiferente. Eu não tinha ligação”, conta.

Maria Helena Chartuni em lançamento de livro sobre a restauração da imagem no Santuário Nacional de Aparecida, em 2016 — Foto: Divulgação/Thiago Leon
Maria Helena Chartuni em lançamento de livro sobre a restauração da imagem no Santuário Nacional de Aparecida, em 2016 — Foto: Divulgação/Thiago Leon

Conversa com a Santa

 

Mesmo não sendo devota da Padroeira, Maria Helena Chartuni decidiu rezar e ‘conversar’ com a Santa para pedir ajuda, tendo em vista à comoção enorme dos devotos pela situação em que a imagem havia ficado com o atentado em Aparecida.

“Eu então rezei um ‘Pai Nosso’ e uma ‘Ave Maria’. Fui aí que fui apresentada à Nossa Senhora. Ela já me conhecia muito bem. Falei para ela: ‘Agora somos nós. Preciso da sua ajuda. Você me ajuda e eu te ajudo’.”

A partir disso, foi mais de um mês de dedicação intensa e exclusiva ao trabalho ao qual havia sido escolhido para fazer. Apesar da entrega ao serviço e da experiência que já tinha na área, Chartuni afirma que não teria sido capaz se não fosse uma ajuda especial.

“Durante o processo aconteceram várias coisas curiosas. Às vezes eu sentia falta de algumas peças que eram essenciais na restauração, procurava de todas as formas e não encontrava, e no dia seguinte elas apareciam em cima da mesa, em locais muito visíveis, onde era muito difícil eu não ter visto antes.”

“Eu tive certeza da ajuda dela (Nossa Senhora) quando terminei. Fui contar os dias que levei para fazer a restauração e vi que foram 33 dias. 33 anos é a idade de Cristo”, completa.

 

De acordo com Chartuni, a restauração da imagem foi uma transformação completa vida na vida dela. Ela conta que, antes de receber essa missão, vivia um momento ruim.

“A vida é feita de altos e baixos e eu estava em um ‘baixo’. Mas isso me mudou muito. Foi um choque espiritual muito forte. Ao mesmo tempo que eu restaurei a imagem, Nossa Senhora me restaurou, sem que eu soubesse. Já restaurei muitas coisas, mas essa me transformou muito. Guardo as emoções e as lembranças desse trabalho até hoje”, diz a artista plástica.

Após restauro, imagem é levada de volta para Aparecida — Foto: Divulgação/ Portal A12
Após restauro, imagem é levada de volta para Aparecida — Foto: Divulgação/ Portal A12

Entrega do trabalho

 

Após os 33 dias de trabalho, Chartuni entregou a imagem restaurada de Nossa Senhora Aparecida à direção do Masp. A partir disso, foi elaborada uma operação para encaminhar a imagem de volta ao Santuário Nacional, no interior de São Paulo.

Isso aconteceu no dia 19 agosto de 1978. O trajeto começou no vão do Masp e seguiu até Aparecida, em um caminhão do Corpo de Bombeiros em um cortejo acompanhado por milhares de fiéis. Uma multidão de devotos se aglomerava nos locais em que a operação passava.

O episódio também é inesquecível para Maria Helena, que só aí teve real noção da importância do trabalho que havia acabado de fazer.

“A fé das pessoas me chocou. Elas se ajoelhavam. Filas quilométricas na entrada do santuário. Eu estive lá e as pessoas me agradeciam, emocionadas. Beijavam a minha mão”, se recorda, também emocionada.

Imagem de Nossa Senhora Aparecida faz percurso até o Santuário Nacional — Foto: Santuário Nacional/Divulgação
Imagem de Nossa Senhora Aparecida faz percurso até o Santuário Nacional — Foto: Santuário Nacional/Divulgação

“Foi a coisa mais linda que eu vi na minha vida. Foi impactante. Uma multidão acompanhando. Aprendi demais com a fé dos romeiros. É uma coisa muito verdadeira, genuína. Me transformou como pessoa e hoje sou muito devota também.”

O impacto foi tanto, que Chartuni comemora o fato de só ter descoberto a dimensão da importância da restauração da imagem, quando já a havia restaurado. Ela acredita que, se já tivesse essa noção, sentiria uma pressão muito maior durante o processo.

“Ainda bem que eu não tinha a real noção do que aquilo significava. Acho que é a mesma coisa com um médico, por exemplo: a responsabilidade parece muito maior quando precisa fazer uma cirurgia de uma personalidade, do que quando se trata de um paciente normal”, pontua.

12 de outubro na Basílica de Aparecida — Foto: Thiago Leon/Santuário Nacional
12 de outubro na Basílica de Aparecida — Foto: Thiago Leon/Santuário Nacional

(Fonte:G1)