Correio de Carajás

Fabiano e Sofia num spoiler de Gabriel García Marquez

Cuidado, contém spoiler! No livro “O amor nos tempos do cólera”, Gabriel García Marquez, após 400 páginas, termina a obra com uma frase de efeito que encerra a longa espera de 50 anos de Florentino Ariza por Fermina Daza.

O comandante do barco em que o casal de idosos viajava de lua de mel pergunta a Florentino até quando ficariam subindo e descendo o rio com uma bandeira do cólera içada. Ele respondeu de chofre: “Pra toda a vida”.

Da mesma forma, se alguém perguntar a Fabiano Santos até quando ele acha que vai ficar correndo e nadando com a filha Sofia Gonçalves Santos consigo, ele terá a resposta na ponta da língua: “enquanto eu conseguir empurrar o triciclo”. E vai sorrir, com certeza.

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Mais do que o bom o humor, Fabiano tornou-se um símbolo de várias corridas em Marabá, desde que apresentou-se pela primeira vez com a filha Sofia Santos, quando a garota tinha 6 anos de idade. Ele empurrava um triciclo com a menina a bordo, sentada. Dali para frente, os dois não pararam mais. Ano passado, foram à Corrida do Aço, Corrida da Infantaria, Corrida do Fogo (Imperatriz-MA) e Triatlon Semana do Soldado (Imperatriz), entre outras competições.

A prova de fogo foi a temida Maratona “A Muralha”, de Penedo a Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro, numa viagem pela Serra da Cantareira, com 42 Km de pernada empurrando o triciclo com Sofia dentro.

Fabiano confessa que sofreu um baque quando soube do diagnóstico, mas que ele e a esposa encontraram forças para superar o primeiro momento. Uma das diferenças em relação a um filho normal é que, na hora de colocar para dormir, ao invés de cantar uma música, eles dão remédio controlado. “Não posso andar com ela de mãos dadas, não podemos correr juntos lado a lado, entre outras limitações”, diz.

Para o pai, o grande propósito deles é fazer com que Sofia se sinta uma criança amada, independente de como veio ao mundo. Para ele, a missão da filha é, também, ir para as ruas, ajudar a promover a inclusão social e evitar que pessoas com limitações, como ela, sejam jogadas numa prisão domiciliar.

Durante a participação da primeira maratona A Muralha, no Rio, em 2017, Fabiano diz que Sofia ficou tão calma que chegou a dormir em mais de quatro horas de prova. Na segunda, no ano passado, eles fizeram em 5 horas e 11 minutos e a menina ficou tranquila, com pequenas paradas para hidratação, alimentação e troca de fraldas.

O grande foco da dupla, no futuro, é participar do IronMan 70.3, que será realizado em Florianópolis-SC. A prova de resistência consiste em 1,9 km de natação, 90 km de ciclismo e 21 km de corrida. O 70.3 que acompanha o nome representa a distância total em milhas. “Nossa intenção é nos tornamos a primeira dupla mista do mundo a conseguir tal feito. Serão dois anos de treinamentos intensos. Vamos atrás de patrocínio, porque esta é uma modalidade muito cara”, reconhece.

Dentro do rio, o valente Fabiano nada por ele e pela filha: “A Sofia faz parte de mim”

SEGURANÇA É VITAL

Fabiano afirma que sempre prima pela segurança da filha em todas as provas em que participa. Inclusive na água, onde há uma pessoa que acompanha os treinamentos avaliando como está o desempenho de Sofia em cima do bote. “Ela fica sempre de colete e outras pessoas acompanham. Quando há sinal de perigo, paramos tudo, diz”.

No último domingo, 12, além de nadarem mais de 1,2 quilômetro no Rio Tocantins, em frente à orla, os dois fizeram um treino de corrida numa distância de 20 km pelas ruas do Bairro Cidade Jardim. “Eu não consigo mais correr sozinho, porque muda muito a mecânica e não tem mais graça. Falta liga. A Sofia faz parte de mim nas corridas”.

No próximo domingo, dia 19, pai e filha estarão em Palmas-TO, para participar da Travessia do Lago de Palmas.

A Sofia sempre foi mais apegada ao pai, diz a mãe

Ester Gonçalves de Almeida, mãe de Sofia, revela que descobriu que seria mãe de uma criança especial com 11 semanas de gestação, após uma ultrassonografia feita por uma médica, em Imperatriz-MA. “Meu marido me surpreendeu e disse à médica que não queria mais exames e que do jeito que ela viesse, a gente iria amar da mesma forma. E assim foi até hoje”, diz.

Até hoje, Sofia não tem um diagnóstico fechado, embora muitos médicos tenham sido consultados. Só sabem que ela tem uma síndrome genética rara com alteração no cromossomo 5, que por sua vez está associada ao autismo. “Por isso, ela é tratada na APAE de Marabá como criança autista, em função do atraso global de seu desenvolvimento”.

Ester prepara a filha especial com protetor solar para encarar o Rio na companhia do pai

A mãe diz que a participação em corridas começou quando o esposo, assistindo a uma reportagem no Fantástico, da TV Globo, de um pai que fazia triatlon com um filho que tinha paralisia cerebral. “Como o Fabiano já corria sozinho, resolveu incluir a filha no desafio”, lembra.

Ester conta, ainda, que Sofia tinha muita dificuldade em sair de casa para ambientes estranhos, com sons não convencionais para ela. Quando isso acontecia, a menina ficava agitada ao extremo. Porém, com as corridas, ela passou a ficar mais calma e a partir daí não pararam mais.

Para as corridas e atividades na água, o papel de Ester é ficar nos bastidores, passar protetor solar e preparar os lanches e água da filha e trocar fraldas, quando necessário.

Durante a natação, Sofia é colocada em um bote e amarrada para que não caia dele. Ao lado, seu brinquedo favorito – de borracha – é amarrado em sua roupa e colocado na mão dela. Uma caixa de som envolvida em uma sacola plástica também vai para o bote, com músicas gospel preferida da garota. “Isso a deixa mais calma e confiante”, sintetiza a mãe.

(Ulisses Pompeu)