Correio de Carajás

Corpo é um bicho que a gente nunca vai decifrar

Carlos Eduardo amou muitas vezes na vida e em cada relacionamento se entregava completamente. E toda vez que terminava ele ficava com febre 21 dias seguidos. Tomava paracetamol, dipirona, Ibuprofeno, ASS e chás feitos por sua mãe, mas não adiantava, porque precisava cumprir as três semanas de sofrência.

Foi com ele que aprendi, um dia, que o amor é a coisa mais bonita, mas mais perigosa da vida. Passados os 21 dias de isolamento em casa, ele já havia esquecido a mulher amada. E já partia para outra. E é para ele que dedico a crônica de hoje, baseada em conversas que tivemos ora comendo um sanduiche na rodoviária, ora jogando vôlei nas quadras da cidade.

Todo dia é de viver para ser o que for e ser tudo. O poema do Beto Guedes, lindo na voz do Milton e de Maria Bethânia. Queria ter escrito, mas não veio para mim. Uma inveja e ainda bem que nasceu do pessoal do Clube da Esquina. Agradeço e me derramo, há tempos, com cada verso de “Amor de índio”.

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Pior é que derreto toda vez no estio da reouvida. O mais novo arranjo, do Gabriel Sater, foi a mesma história boba. Escutar os versos cantados e mexer bestamente com trezentas mil encruzilhadas. Corpo é um bicho que a gente nunca vai decifrar.

Sim, todos os amores são sagrados. Valem o tempo de cada palavra declamada, feito pão arado para quem se bem quer. No verão sair para pescar, no inverno te proteger, primavera poder gostar e andar juntos.

Narrativa, quando encanta, é algo esquisito. Torce o corpo involuntariamente, o pescoço não para quieto, dos olhos há água meio salgada. Os dedos das mãos se estalam, o tronco dança, os pés bolem e dá uma vontade imensa de se enfiar num abraço beijado.

Tudo que nasce é sagrado e remove as montanhas com todo cuidado, todo dia te ver passar, tudo viver ao teu lado com o arco da promessa do azul pintado. É uma maré inundando e vazando o mangue.

Parece que, quase todos os dias, esperamos o amor noviço ou de costume virar diferente a chave da porta da sala. Entrar para dentro (assim mesmo), trazer outros sóis e muita chuva pras janelas arreganhadas e cheias de ventania.

Sim, todo amor é sagrado e vale o tempo da abelha fazendo mel, o tempo que ela não voou. A estrela caiu do céu, o pedido que se pensou. O destino que se cumpriu de sentir seu calor e ser todo. Texto é desejo.

Meu amigo Tarcísio Matos está no rumo. Tem um tempo que é mais prazeroso o pé encostado no pé do amor do que uma transa sem fôlego. Perna na perna e aconchegos no cheiro da roupa repetida de dormir.

Lembra que o sono é sagrado e alimenta o horizonte dos dias, o tempo acordado, de viver. A massa que faz o pão vale a luz do teu suor.

É porque homem pensa feito um tronco. Um tronco não é a palavra. As florestas são melhores que os varões moços e velhos, há micélios (milhões) vindo por debaixo em composições amorosas diversas.

Tem gente que anda perguntando por que tanto texto (crônica?) derramado na besteira sobre besteiras do amor. Até tenho respostas, mas não quis, hoje, escrever sobre as postagens do fim do mundo.

Um dia, amanhecemos sentindo falta da escova de dentes já com pasta. Detalhes tão miúdos. Até fazer uma tapioca com ovos estrelados na pimenta do reino em vez do café da manhã na padaria.

Ou parar para pensar no que não botar no tucunaré na manteiga para não ofender a diverticulite de quem se quer servir. E ouvir um grato, de sinceramente agradecida, pela receita de improviso e que, por sorte ou amor, deu certo.

Gozar borboletas, bem muito, todas as cores cheirando a mar. Esquecer que foram lagartas (não são nojentas, são só lagartas) e deixar o corpo ser avoado pelas metáforas dos amadores (os que estão sempre aprendendo a amar, segundo a poeta Lara Denise).

Sim, todo amor é sagrado. Sim, todo amor é sagrado e remove as montanhas com todo cuidado… Nem que a gente morra de repente, as Rosas rebrotam.

* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira