Correio de Carajás

Carta para repoemar o velho Rio Itacaiunas

Meu caro Airton Souza, nesta,

 

Resolvi escrever-lhe uma missiva, à antiga, para parabenizá-lo por ser um dos finalistas do Prêmio Oceanos, um dos mais concorridos da Língua Portuguesa. Sim, já nos cumprimentamos e tive a oportunidade de lhe parabenizar nos corredores e na Redação do GRUPO CORREIO, onde nos encontramos na última semana. Dois amigos se beijando numa grande sala na mistura de jornalismo, literaturas e abraços.

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Os machos alfas – e as fêmeas também – ficaram enduvidados! E começaram desde a primeira vez em que divulgamos “Outono de Carne Estranha”, e recebi uma dedicatória questionável: “Esse livro é sobre nós, sobre a nossa história…”

Eles sorriram e alguns deduziram – eu não julgo – que os personagens Manel e Zuza (o casal homossexual do livro) éramos nós dois. Mas deixa estar.

Tenho admiração por você e sua continuança na vida e no que opina, escreve e se refaz feito borboleta. Até pouco tempo atrás, eu ainda dizia que Ademir Braz era o maior poeta/escritor de Marabá em todas as épocas. Mas a qualidade literária e não apenas o sucesso dessa obra, te colocou em outro patamar. Um que Ademir não galgou. Não por falta de oportunidade, mas porque não era determinado para isso como você.

Ademir foi o primeiro jornalista que vi atuando em um jornal. E eu nem sabia bem o que era aquilo. Tinha menos de dez anos de idade e ele já militava nos primeiros anos da década de 1970.

Aquele preto como eu era reconhecido por sua inteligência, mas também porque tinha uma caneta crítica, capaz de entender seu tempo e açodado em transformar tudo aquilo em palavras.

Ele foi também o primeiro que vi defendendo o Itacaiunas com poesia. Com palavras que ganharam os jornais de Marabá e da Capital, mas também os livros. Nem sempre ele anunciava o que os abuelos queriam ouvir ou ler, mas havia também notícias boas e mais ou menos. Não se calou nem mesmo quando a ditadura se instalou entre nós para massacrar o que chamavam de “terroristas”.

Talvez, meu caro Airton Souza, Ademir Braz tenha sido o primeiro jornalista que vi atuar num “jornal”. E eu nem sabia o que era ser um jornalista. Achava diferente essa espécie de operário do capitalismo.

A carta é para lamber Ademir Braz, mesmo, homenageá-lo descaradamente no jornalismo e em sua perenidade. Tive a sorte de conviver com repórteres e poetas de mais batente que nem ele. E agradeço…

Mas hoje eu transfiro a responsabilidade de Ademir Braz a você, amigo! Como escriba que representa a cultura do sudeste do Pará, te desafio a      aceitar o desafio de levar nosso grito Brasil afora, de forma especial com os rios de nossa infância. E por que não ser mais específico, com o velho Itacaiunas, aquele que passa mais tempo dentro do território marabaense, que banha três dos quatro núcleos da nossa cidade.

Em sua poesia e prosa, Ademir defendeu os rios, em especial o Itacaiunas, que era o mais próximo da casa dele, e também aquele que trazia a maior riqueza para a cidade: castanha-do-pará.

Já tenho reportado o Rio Itacaiunas desde os 95 anos de Marabá. Topo o pé no barco do tempo com você, do berço do desmedido à foz, no encontro com o Tocantins. E pode ser um repoema da narrativa do saudoso Pagão com a subversão de seu sangue azul e releituras.

 

 

Enseada dos anos

Ademir Braz

 

O espelho me devolve a barba de vários dias:

umas cerdas brancas, duras, de velho cuandu.

 

Deve ser esse fascínio dos 600 anos… Para onde

fluíram em maciez e furor as antigas manhãs?

Onde as noites nevadas de espuma? Onde

o espanto de fardos e fados rarefeitos, verbo

em sangue no guardanapo dos botequins?

 

O cuandu ri no espelho… Envelhecer é isto?

Esse tumulto com os signos, este enorme,

colossal desapego à posse do supérfluo?

Que é o essencial, quando tudo esvaiu-se?

 

Ainda gosto de árvores, rios, ternura e afagos;

de cães sarnentos e gatos de beco. Trago n’alma

a enseada morna do Itacaiunas que os abriga e aos amigos.

Grandes, por igual, são minhas amarras às coisas

que sejam pássaros, rios, plantas e silêncio.

 

“Trecho do poema Enseada dos anos”

 

 

* O autor é jornalista há 28 anos e publica crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.