Correio de Carajás

A chacina de Sinop não é um caso isolado

“O homem é produto do meio”. A afirmação de Jean-Jacques Rousseau é atemporal e estruturante para compreendermos determinados fenômenos sociais.

A partir dessa premissa, vamos falar um pouco da chacina de Sinop (MT) e sobre como essa tragédia não pode ser analisada como um caso isolado.

A cena final da matança, que mais parecia um filme de Quentin Tarantino, com corpos esparramados no chão, encharcados de sangue, é o resultado mais radical de relações sociais fraturadas pela selvageria da modernidade, dentro de um espaço geográfico onde o capitalismo tardio opera com a crueza de sua essência: sem adornos, sem enfeites. Mas com vários fetiches.

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Os valentões que atiram para matar em homens, mulheres e crianças, há muito tempo já coisificaram seu semelhante e nem se deram conta disso, porque se coisificaram também.

Não passaram por uma educação libertadora e tiveram acesso fácil a armas de fogo, esse objeto de desejo e poder, semelhante ao “Anel de Sauron”.

Aliado a isso, está uma masculinidade frágil, incapaz de suportar o peso de uma derrota, mais ainda a angústia de se tornar motivo de chacota. Afinal, perder e sofrer bullying é para os fracos.

Outro componente nessa mistura explosiva é a ostentação, o fetiche pelo dinheiro, pelo ouro pendurado no pescoço, pelo poder de exibir notas de 100 Reais, de mostrar que têm dinheiro e que o ganharam diminuindo outras pessoas, como mostram as vítimas do massacre minutos antes do fim.

Ainda dentro do machismo estrutural que rege as relações sociais, há também a premissa de se achar imbatível. O homem que é homem não corre, mesmo que o outro tenha ido em casa buscar uma arma.

Tudo isso, abastecido a fartas doses de cerveja, uísque etc.

Não, as vítimas não são culpadas, é óbvio.

Não, ninguém imaginava um desfecho tão sangrento.

Mas, quando se coloca todos esses ingredientes num moedor de gente, como são nossas relações sociais, qualquer coisa pode acontecer, inclusive a morte de uma menina de 12 anos.

Enfim, tragédias como essa não deveriam servir apenas para que odiemos os assassinos e queiramos o seu mal.

Deveriam servir de reflexão sobre que lugar queremos deixar para nossos filhos.

O fetiche pelo dinheiro, pelo poder, pelos carros de luxo, pela vitória a qualquer custo, transforma o semelhante em uma ameaça, ao passo em que a educação, a empatia e a valorização do outro como pessoa transformam o semelhante em uma esperança.

Achar que a chacina de Sinop é um fato isolado, que deve ser resolvido com cadeia e morte, é fechar os olhos para a próxima curva nesse perigoso caminho que estamos trilhando; é cortar o mal pelas folhas; é pagar para ver outra criança morta no meio da rua.

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.