Correio de Carajás

Complicações das feridas operatórias III

A deiscência constitui separação de planos previamente unidos por sutura ou primeira intenção, no início do curso pós-operatório. É classificada como parcial, cursando com eventração, ou total, cursando clinicamente com evisceração na forma mais grave. O paciente pode referir dor e sensação de afastamento das margens cirúrgicas.

Em geral, essa complicação está associada à inadequada técnica cirúrgica, fechamento incompleto dos planos cirúrgicos, infecção do sítio operatório, presença de hematoma, obesidade, idade avançada, desnutrição, tabagismo, diabetes mellitus, imunossupressão e cirurgias emergenciais, além de outras condições que favoreçam aumento da pressão intra-abdominal.

Pode ocorrer em até 3% dos pacientes submetidos a cirurgias abdominais e tem sua maior ocorrência por volta do sétimo ao décimo dia do pós-operatório. Clinicamente a deiscência pode ser visualizada pela eventração ou pela evisceração, o que torna o diagnóstico certeiro.

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Pode ser melhor investigada com o toque de dedo enluvado no local da deiscência, e, uma vez diagnosticada, a equipe cirúrgica deve ser imediatamente notificada para conduta individualizada para o caso.

Quanto à sua prevenção, é importante ressaltar que uma técnica operatória adequada e, principalmente, o controle das condições clínicas modificáveis do paciente podem oferecer menor risco da ocorrência, assim como o controle do tabagismo, diabetes e desnutrição.

Já, a complicação necrose local, ocorre principalmente como consequência de uma inadequada vascularização arterial, ou mesmo venosa, da ferida operatória, geralmente a nível capilar, levando a uma desvitalização do tecido, mas ainda é uma complicação menos frequentemente encontrada.

A literatura mostra que quando relacionada a outros tipos de intervenções além do ato cirúrgico isolado, sua frequência aumenta. No caso, por exemplo, de pacientes submetidos à radioterapia, injeções de substâncias como silicone industrial, polimetilmetacrilato (PMMA), tabagismo, bem como o uso de fármacos pelo paciente como a varfarina.

O tratamento de escolha deve ser a realização de desbridamento químico e/ou mecânico do local necrosado, preservando a máxima quantidade de tecido viável, mas ao mesmo tempo retirando o tecido desvitalizado necessário, para evitar a infecção associada. Medidas de higiene e de melhoria do fluxo sanguíneo por meio de fármacos por via oral ou no local podem evitar um comprometimento maior e facilitar a cicatrização e recuperação do tecido.

Outra condição importante são as feridas crônicas. Feridas crônicas são aquelas onde não há cicatrização completa entre 30 a 90 dias após o procedimento cirúrgico. São mais encontradas nos seguintes grupos de pacientes: uso de corticoide sistêmico em altas doses, tratamento quimioterápico ou radioterápico para neoplasias, desnutridos, obesos mórbidos ou que apresentam deiscência da sutura cirúrgica.

De modo geral, a ferida fica coberta por um tecido de granulação áspero ou excessivo, ou com áreas de exsudação purulenta. Temos altos níveis de fatores inflamatórios como IL-1, IL-6 e TNF-alfa. Acredita-se que há uma degradação proteolítica da matriz extracelular, impedindo a correta cicatrização, caracterizadas por um aumento de metaloproteinases (MMP).

O tratamento das feridas crônicas envolve o desbridamento e a tentativa de acelerar o processo de cicatrização, podendo para isto utilizar enxerto cutâneo fenestrado ou dispositivos à vácuo, próprios para lesões. Outras medidas podem incluir a redução das doses de corticoides e a utilização do fator de crescimento epidérmico.

Como prevenção dessas lesões podemos citar: evitar realizar incisões em locais que já passaram por radioterapia, orientar a perda de peso pré-cirúrgico para pacientes obesos, garantir o aporte nutricional adequado para cada paciente antes da cirurgia e orientar o cessar do tabagismo.

* O autor é médico especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.     

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.