Correio de Carajás

Post engana ao afirmar que preço do gás só não caiu significativamente por causa dos governadores

Enganoso
De fato, não há registro de aumento ou redução de ICMS sobre o gás de cozinha desde o início deste ano, mas não há garantias de que essa alteração provocasse mudança significativa no preço final ao consumidor, como afirma o post verificado. Na composição do preço, mostrada nesta reportagem, o principal motivo para o aumento no preço do botijão é o valor de venda das refinarias, influenciado diretamente pela cotação do petróleo e do dólar.
  • Conteúdo verificado: Post no Instagram afirmando que o governo Bolsonaro zerou impostos sobre o gás de cozinha, mas que o produto não teve uma “redução significativa” porque os governadores não realizaram nenhuma redução no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

É enganosa uma postagem que sugere que o preço do gás de cozinha não caiu depois que o governo federal zerou impostos, em março deste ano, por culpa dos governadores. Na realidade, o corte promovido pela gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desonerou a cadeia em exatos R$ 2,18, o que representa em torno de 2,6% do preço médio do botijão praticado no Brasil.

Dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que o desconto acabou absorvido pelos outros fatores que compõem o preço do gás de cozinha, principalmente pelos reajustes do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) nas refinarias da Petrobras. Por sua vez, a companhia estatal segue uma política de preços que acompanha as cotações do barril de petróleo no mercado internacional.

Como essa commodity é negociada em dólares, outro fator de influência é a taxa de câmbio, ou seja, o quanto o real está valendo em relação à moeda americana. Para fins de comparação, o peso da participação da Petrobras é de cerca de 49,5% no valor do botijão. E a segunda maior participação se deve às margens de distribuição e revenda, com 35,8%.

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Já a carga tributária dos estados equivale a cerca de 14,2% na média brasileira, mas as alíquotas e os referenciais de cálculo diferem entre os entes federativos. Se todos os estados eliminassem o imposto, o impacto ao consumidor poderia chegar a R$ 12,07, que é a média de pagamento de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o produto no Brasil. O tributo, segundo o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, não sofreu alterações da alíquota.

Entretanto, especialistas explicam que não existe garantia de que os cortes de impostos resultem em descontos significativos ao consumidor final. Para isso, a cadeia precisa efetivamente repassar esses valores na ponta. Em 2020, no Maranhão, por exemplo, houve redução de 22% da alíquota de ICMS do gás de cozinha, mas o preço médio do botijão custava apenas 2 reais a menos do que o valor médio nacional.

A postagem checada foi compartilhada primeiramente em 21 de junho, pelo site Terra Brasil Notícias, que já foi alvo de outras verificações do Comprova. A página foi procurada, mas não se manifestou até a publicação do texto.

Como verificamos?

O Comprova fez essa verificação a partir de dados oficiais, consulta a especialistas e notícias sobre o tema.

Para checar o peso de cada componente no gás de cozinha, a reportagem acessou uma tabela de evolução dos “Preços de GLP ao consumidor consolidados” e o “Sistema de Levantamento de Preços” por semana da ANP, além de uma página de informações públicas da Petrobras.

Também foram consultadas informações do Confaz, da Receita Federal, da União e do Comsefaz para entender o histórico dos impostos cobrados e a situação atual da arrecadação pelos estados e pelo governo federal em cima do produto.

Para aprofundar o assunto, o Comprova entrou em contato com dois especialistas do mercado de energia: o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Adilson de Oliveira e o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) Pedro Rodrigues.

Por fim, notícias de diferentes veículos de comunicação também foram usadas para entender o contexto da questão, que envolve disputas políticas no Brasil.

Verificação

Composição do preço do gás de cozinha

De acordo com a Petrobras – estatal de economia mista, cujo principal acionista é a União –, existem quatro impostos que incidem diretamente sobre o gás de cozinha no Brasil — termo que é entendido como o botijão de 13 quilos do GLP para uso doméstico, também chamado de P13.

Desses, três são federais: a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o Programa Integração Social (PIS/Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Nenhum deles afeta o gás de cozinha atualmente. Também incide o ICMS, recolhido pelos estados, que é o único imposto hoje em vigor.

Entretanto, a elevação do preço do gás neste ano é impactada principalmente pelas altas sucessivas no “Preço de realização do produtor”. Na média do Brasil, uma tabela consolidada da ANP mostra a seguinte composição:

Os dados da agência governamental mostram que, de janeiro a abril deste ano, o preço do gás de cozinha aumentou de R$ 76,86 para R$ 85,01 na média do País, ou seja, R$ 8,15. Considerando a desoneração dos impostos federais, essa alta, na prática, chega a R$ 10,33.

Desse número, R$ 6,58 são referentes aos reajustes no valor do produto vendido pelas refinarias. As margens de revenda foram responsáveis por tornar o produto R$ 2,25 mais caro, e os impostos estaduais, R$ 1,20. O menor impacto ocorreu nas distribuidoras, com R$ 0,31. Essa soma acaba se sobrepondo ao corte de imposto federal a partir de março, o que explica porque não houve barateamento do produto aos consumidores.

A Petrobras mantém uma página de informações públicas sobre a composição de preços do GLP e confirma que a participação do ICMS no valor final ao consumidor é de 14,5%, ou seja, não é a maior fatia. A Petrobras responde por 50,7% do preço do botijão, as margens de distribuição e revenda, por 34,8%. O cálculo foi feito com base em dados coletados entre os dias 30 de maio e 5 de junho.

A tabela da ANP, cuja atualização mais recente é abril de 2021, mostra um cenário parecido. O percentual que cabia à Petrobras era de 49,5% do preço do botijão naquele momento, as margens de distribuição e revenda somavam 36,3%, e o ICMS contribuía com 14,2% no peso do produto.

Os impostos

A Cide foi instituída em 2001, quando previa a cobrança de R$ 136,70 por tonelada de GLP. No ano seguinte, a taxa mudou para R$ 250,00 por tonelada. Em valores não corrigidos pela inflação, o imposto seria de R$ 3,25 para o botijão naquela época. Desde 2004, no entanto, a alíquota é zero para esse e outros combustíveis, como o querosene e o álcool etílico.

Já o PIS/Pasep e o Cofins ainda incidiam sobre o GLP no começo deste ano, mas foram zerados, por meio de decreto, pelo presidente Jair Bolsonaro, em 1º de março de 2021. De acordo com o levantamento de preços da ANP, esses impostos representavam R$ 2,18 para o preço do botijão antes da desoneração do imposto.

Em relação ao ICMS, os estados têm liberdade para estabelecer as suas alíquotas sobre o GLP, inclusive para o produto de uso doméstico. Por isso, de acordo com documento da ANP relativo a abril deste ano, os percentuais de imposto variam entre 12% e 18% entre os entes federativos.

Essa cobrança também segue uma peculiaridade: como o imposto sobre os combustíveis é embutido no preço de venda de refinaria para as distribuidoras, antes de chegar ao consumidor, em um mecanismo conhecido como substituição tributária, é preciso fazer uma espécie de estimativa sobre o preço final de venda.

Essa base de cálculo é chamada de Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF), que também varia entre os estados e pode ser consultado no site do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A atualização é feita a cada 15 dias, seguindo o movimento dos preços praticados na ponta da cadeia e os critérios definidos pelas autoridades de cada estado.

Na prática, em todo o Brasil, o ICMS custou em média R$ 12,07 em abril deste ano, com um preço médio de R$ 85,01 para o gás de cozinha naquele mês, novamente segundo os números consolidados da ANP relativos a abril. Esse valor equivale a 14,2% do gasto médio do consumidor brasileiro com o botijão, como citado anteriormente.

A carga tributária variava de R$ 8,86, no Mato Grosso do Sul, a R$ 17,86, no Acre — lembrando que a cotação do produto também difere entre os estados. A Região Norte, por exemplo, costuma praticar preços acima da média brasileira.

A ANP também informa os preços médios semanais, com base em pesquisas feitas em mais de 3 mil postos pelo país. O Sistema de Levantamento de Preços informa a cotação média de R$ 88,94 na semana de 20 a 26 de junho, com uma amplitude de R$ 58 a R$ 130 em todo o território nacional.

O que dizem os estados

O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) divulgou nota, em março, ressaltando que não houve alteração da alíquota do ICMS sobre combustíveis, nem aumento do tributo cobrado pelos estados. O Comprova também não encontrou registro de cortes nos impostos desde o começo do ano.

Os preços dos combustíveis, diz um trecho da nota da entidade, têm se elevado devido à alteração na política de preços da Petrobras, que passou a se alinhar pela cotação do petróleo no mercado internacional. A política de preços anterior, argumenta o Comsefaz, considerava mais a ponderação dos custos de produção dos combustíveis, resultando em valores de comercialização mais competitivos.

Procurado para se manifestar sobre as alegações desta verificação, o comitê mantém o posicionamento apresentado na nota divulgada em março, sustentando que o preço final ao consumidor, que é base de cálculo do ICMS, não teria relação com a vontade dos estados.

O que dizem especialistas

Adilson de Oliveira, professor da cátedra de Energia do Colégio Brasileiro de Altos Estudos CBAE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que, na composição do custo do preço do gás de cozinha, a tributação estadual tem uma das menores fatias. A maior participação é o percentual que cabe à Petrobras.

A cotação do gás, explica o professor, sofre influência do valor do barril de petróleo no mercado internacional e do dólar, o que foge do controle das autoridades. Além disso, Adilson de Oliveira diz que há uma variação atrelada à distribuição do produto. Nas Regiões Sul e Sudeste, o preço médio é de R$ 85, enquanto no Norte pode chegar a R$ 105.

O professor ressalta, porém, que o governo federal é o único que pode estabelecer medidas de proteção no mercado doméstico para conter os aumentos sucessivos de preço do gás de cozinha, ainda que a eliminação do imposto restante na cadeia dependa dos estados.

“O GLP deveria ter um tratamento diferenciado”, argumenta. “Hoje, o leite, que é um produto essencial, tem isenção de impostos. O GLP, diferente dos demais derivados do petróleo, é também um bem essencial para a vida das famílias e precisa ter uma política um pouco diferente, algum mecanismo de proteção para não deixar o preço tão elevado. Primeiro, a remoção total de impostos, inclusive do ICMS, mas outros mecanismos de proteção que caberiam ao governo federal para que o valor do produto não continue a representar quase 10% do salário mínimo.”

Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria especializada em inteligência, regulação e assuntos estratégicos para o setor de energia, do Rio de Janeiro, explica que a produção brasileira do gás de cozinha é dominada pela Petrobras, mas ressalta que cerca de 35% do produto hoje é importado pela companhia.

Ele afirma que, durante 13 anos, de 2003 a 2015, o preço do P13 ficou “congelado”. A situação mudou quando a companhia passou a se orientar pelos preços praticados no mercado internacional e repassar esses valores para as distribuidoras e, consequentemente, para o consumidor final.

Rodrigues entende que essa política é acertada, pois a interferência do Estado traz prejuízos para a estatal no longo prazo, que precisa vender o produto que vem do exterior mais barato do que compra, e desmotiva a concorrência no mercado. Com preços em linha com o mercado internacional, existe a possibilidade de uma importadora entrar no mercado sem ter uma concorrente no Brasil, no caso a Petrobras, vendendo mais barato.

“O GLP é uma commodity mundial, como a gasolina, o diesel e o açúcar. O preço dele é dado pelo mercado internacional”, explica Rodrigues. “Toda a vez que há o aumento no preço do petróleo ou o aumento do câmbio, que foi o que aconteceu nos últimos tempos, há necessariamente o aumento no preço do GLP.”

Rodrigues aponta que a alta recente no gás de cozinha está relacionada aos 50% referentes a Petrobras, que reflete o câmbio e o preço do barril de petróleo. Ele lembra que o petróleo ficou mais barato no início da pandemia, por conta de uma guerra comercial entre Arábia Saudita e Rússia. Houve aumento da oferta em um momento em que a demanda estava menor, com a redução de mobilidade das pessoas.

“Neste momento, a produção cortada de alguns países ainda não foi retomada. Só que a demanda por óleo está aumentando, porque as pessoas estão voltando a sair de casa. Quando a oferta continua a mesma e a demanda aumenta, o preço sobe. E a tendência é de aumento desse preço ainda mais, dependendo da vacinação e da retomada econômica do mundo, em paralelo à retomada da produção de petróleo.”

Somado a isso, destaca Rodrigues, existem as questões ambientais, com as empresas reduzindo investimentos e explorando novos ativos, além do câmbio, que depende de fatores externos e internos. “Tivemos nos últimos tempos, em relação ao preço do GLP e de outros derivados, uma tempestade perfeita: preço do petróleo e câmbio altos. Quando uma dessas variáveis começar a ceder um pouco, veremos preços mais baratos.”

Efeitos da desoneração

Com a menor participação na composição do preço do gás de cozinha, o corte de impostos promovido pelo governo federal em março não teve o efeito propagado pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados. “O impacto é relativo, porque o piso do Pis/Cofins é baixo em relação aos outros componentes do preço”, aponta Rodrigues.

“Com relação a impostos, o ICMS é mais alto. E, além disso, existe uma rearrumação do próprio mercado. Quando diminui uma variável dessas, não necessariamente 100% é repassado ao consumidor, porque o mercado é uma cadeia, e as várias partes dela podem se apropriar de um pedaço dessa margem”, alerta.

Na visão do consultor, esse modelo de política é ineficiente. “Ao mesmo tempo que as famílias que recebem um salário mínimo e têm dificuldades em comprar um botijão de gás são beneficiadas, o sujeito de alta renda também está sendo. Qual a política correta na minha visão: é o vale-gás. Atende a pessoa de maior vulnerabilidade e dá um incentivo para que tenha um desconto. O subsídio é direcionado para aquela pessoa.”

Bolsonaro, nesta segunda-feira (28), voltou a reclamar do ICMS e do preço do gás de cozinha junto a apoiadores, se eximindo de culpa pelo custo do GLP e atribuindo responsabilidade exclusiva aos estados. De fato, o governo determinou que o imposto federal sobre gás de cozinha fosse zerado no começo de março, mas o repasse do desconto ao consumidor depende de distribuidoras e empresas revendedoras. Elas são livres para repassar ou não o desconto, e na proporção que desejarem.

Em 2020, o governo do Maranhão diminuiu a alíquota do ICMS sobre o gás de cozinha em 22%, passando de 18% para 14%. A redução, na prática, foi de R$2,73 no preço final, considerando o preço de referência do gás de cozinha no estado, que não necessariamente corresponde ao valor cobrado pelas distribuidoras. Ao longo do ano, o menor preço de referência registrado pela ANP foi de R$70,897. Antes da redução do imposto, em dezembro de 2019, o botijão de 13 kg custava R$72,099.

Entre o final de março e o começo de abril, o Procon estadual fez um levantamento de preços no Maranhão, e constatou que o botijão custava, em média, R$71,74, enquanto a média nacional – considerando também os outros estados, onde não houve redução da alíquota do ICMS – era de R$73,35.

Distribuição e revenda

Os revendedores ficam com a segunda maior fatia dessa composição de preços, em torno de 24,8%, enquanto os distribuidores têm uma participação de cerca de 11,5%. Essa parcela é conhecida como “margens de distribuição e revenda”, mas isso não significa que todo esse montante representa lucro para os negócios do segmento.

No caso do gás de cozinha, depois que a distribuidora compra a molécula de GLP da Petrobras, ela envasa em cilindros e faz a entrega do produto aos postos de revenda. O dono da revenda é o responsável por comercializar diretamente com o consumidor, com um caminhão circulando no bairro, por exemplo.

E o mercado de GLP ainda tem uma característica, que é a logística reversa: o botijão que está na casa do consumidor volta para a distribuidora para ser usado novamente. O botijão ainda precisa ser requalificado, para garantir a segurança do consumidor ao manusear aquele produto. O lucro da operação é representado pelo faturamento menos os custos todos envolvidos nesse processo.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova, em sua quarta fase, investiga conteúdos suspeitos sobre pandemia e políticas públicas do governo federal que circulam na internet. A postagem em questão, publicada no Instagram, teve mais de 3,8 mil interações, segundo a plataforma CrowdTangle, e engana quanto aos motivos para o atual custo do gás de cozinha e quanto à política de combustíveis adotada pelo governo Bolsonaro.

Por não explicar corretamente como funciona a precificação do GLP, o post dá a entender, de forma equivocada, que os únicos fatores que contribuem para os preços atuais são os impostos estaduais, enquanto amplia a percepção do benefício provocado pela desoneração adotada pelo governo federal — tudo em meio aos sucessivos aumentos do preço do gás de cozinha no país.

O Comprova já verificou, recentemente, uma postagem que exagerava os efeitos de máquinas doadas por Israel para exaltar o presidente Jair Bolsonaro, bem como um vídeo que atribuía ao atual governo, de forma equivocada, obras feitas por gestões anteriores.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, bem como aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 28 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.