Correio de Carajás

SP recebeu R$ 5,7 bi do governo federal para combater pandemia, e não R$ 135 bi

Enganoso
É enganosa a postagem no Facebook em que uma deputada afirma que o governo federal enviou cerca de R$ 135 bilhões ao estado de São Paulo para o combate à covid-19. Dentre os valores, há repasses diretos para cidadãos, suspensão de dívidas e transferências de rotina para a saúde. Na verdade, foram destinados à saúde R$ 17,7 bilhões. Desse valor, R$ 5,7 bilhões foram recursos para o combate à pandemia.
  • Conteúdo verificado: Em postagem no Facebook, Valéria Bolsonaro afirma que o governo federal enviou cerca de R$ 135 bilhões ao estado de São Paulo e alega que o governador João Doria deixou pessoas morrerem por falta de leito de UTI. Critica, ainda, programa de auxílio de renda a famílias que perderam entes para a covid-19.

São enganosas as informações contidas em um post feito no Facebook pela deputada estadual Valéria Bolsonaro (sem partido), no qual a parlamentar afirma que o governo federal enviou R$ 135 bilhões ao governo do estado de São Paulo e, ainda assim, o governador João Doria (PSDB) deixou “morrer gente por falta de leito de UTI”. Ao fazer essa relação, a parlamentar dá a entender que os R$ 135 bilhões teriam sido destinados ao governo paulista somente para o combate à pandemia, o que não é verdade.

Esse mesmo valor, de R$ 135 bilhões, consta em uma publicação do dia 28 de fevereiro de do governo federal, na qual se afirma que foram feitos repasses de R$ 420 bilhões aos estados e municípios ao longo de 2020. Estes dados já foram verificados pelo Comprova.

Na publicação oficial foram incluídas imagens com o detalhamento dos repasses para cada estado e, segundo o material feito para o estado de São Paulo, os valores destinados à saúde foram de R$ 17,7 bilhões (incluindo repasses de rotina para a saúde e outros especiais para o combate à pandemia).

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Os outros R$ 117,3 bilhões incluem suspensão da dívida (R$ 18,8 bilhões), recursos transferidos para o estado e os municípios de aplicação livre (R$ 55,3 bilhões) e, por fim, benefícios ao cidadão (R$ 43,5 bilhões), como o auxílio emergencial, que são geridos por bancos federais e repassados aos beneficiários sem passar pelos cofres estaduais e municipais, não podendo ser considerados repasses aos estados e municípios. Estes valores, segundo a publicação da União, teriam sido pagos em 2020 e até o dia 15 de janeiro de 2021.

No Portal Localiza SUS, os valores são distintos, mas não é possível fazer um recorte entre março do ano passado, quando começou a pandemia, até o dia 15 de janeiro. Deste modo, segundo dados do portal, em todo o ano de 2020, o governo de São Paulo recebeu R$ 21,2 bilhões destinados à saúde, sendo R$ 15,35 bilhões (73,2%) em repasses de rotina e R$ 5,7 bilhões (26,8%) para o combate à pandemia.

O Comprova não localizou dados oficiais sobre a morte de pessoas aguardando por leito de UTI em São Paulo. Um levantamento do G1 em março deste ano, contudo, mostrou que 496 pessoas morreram no estado à espera de um leito de UTI só naquele mês.

A deputada foi procurada pelo Comprova, via e-mail, mas não retornou até a tarde do dia 5 de julho.

Como verificamos?

Buscamos informações sobre quais foram os valores repassados pelo governo federal ao estado de São Paulo para combate à pandemia no Localiza SUS e no Portal da Transparência. Também consultamos uma publicação feita pelo governo federal em que são divulgados valores e detalhada a finalidade dos recursos.

Também questionamos, por meio da assessoria de imprensa, os governos federal e de São Paulo sobre os valores citados no post.

Consultamos, ainda, outra verificação do Comprova, do início de junho, que esclareceu que a União não tinha repassado R$ 420 bilhões para estados combaterem a pandemia.

Por fim, enviamos e-mail para a deputada Valéria Bolsonaro para saber em que fontes ela baseou as afirmações, mas não tivemos retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de julho de 2021.

Verificação

Valor é quase 8 vezes menor do que o divulgado em post

Ao sustentar terem sido realizados repasses de R$ 135 bilhões do governo federal para o estado de São Paulo, a deputada dá a entender que todo o valor foi destinado ao combate da covid-19, o que não é verdade.

O valor global desses repasses, a todos os estados e municípios, já foi tema de verificação do Comprova, demonstrando que o valor repassado pela União, de R$ 420 bilhões, não foi totalmente destinado ao combate à pandemia pelos órgãos de saúde dos governos estaduais e municipais.

O fato é que nem todo o montante é destinado à finalidade apresentada no post e nem todo o valor vai parar nos cofres dos estados e municípios. Há repasses diretos ao cidadão, suspensão de dívidas e transferências de rotina para a saúde.

Em fevereiro deste ano, ao afirmar que havia feito repasses de R$ 420 bilhões para todos os estados, o governo federal divulgou cards em que o valor destinado a cada unidade da federação era destrinchado em quatro partes: suspensão da dívida; benefícios ao cidadão; recursos transferidos para o estado e seus municípios; e saúde.

Se considerados os valores indicados pelo governo federal ao estado de São Paulo, dos R$ 135 bilhões anunciados, apenas R$ 17,7 bilhões seriam, de fato, recursos para a saúde, somados os valores de rotina e aqueles destinados especificamente ao combate à pandemia, ou seja, pouco mais de um oitavo do divulgado no post da deputada.

O Portal Localiza SUS indica valores diferentes, mas não é possível fazer uma consulta recortando apenas o período entre março de 2020, quando começou a pandemia, e o dia 15 de janeiro de 2021, data indicada pelo governo federal como marco final da contagem dos recursos repassados.

Os dados do portal indicam que, ao longo de 2020, foram repassados R$ 21,2 bilhões pelo governo federal ao estado de São Paulo, em recursos destinados à saúde. Deste valor, 73,2% eram repasses de rotina, ou seja, R$ 15,51 bilhões. O valor destinado à covid, segundo consta na plataforma, foi de R$ 5,7 bilhões.

Procurada pelo Comprova, a assessoria de comunicação do governo de São Paulo afirmou por e-mail que as informações apresentadas no post vêm sendo distorcidas desde o início de março de 2021. “O assunto já foi rebatido à época pelo próprio governador João Doria, em suas redes sociais, e também em nota conjunta assinada por outros 18 chefes de executivos estaduais”, afirma o órgão.

nota citada foi publicada no dia 1º de março e os governadores afirmaram, na ocasião, que o governo federal produziu informação distorcida e gerou interpretações equivocadas, esclarecendo estarem sendo contabilizados majoritariamente os valores pertencentes por obrigação constitucional aos estados e municípios e tratando-os como uma concessão política.

Os governadores destacaram, também, terem sido mencionados valores repassados aos brasileiros para o auxílio emergencial, iniciativa do Congresso Nacional.

A assessoria de comunicação do governo de São Paulo afirma que o estado seguiu normativas para a aplicação dos recursos federais estabelecidos na legislação.

“A lei complementar 173/2020 – Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus – prevê aplicação de parte dos recursos para ações de combate à pandemia e outra parte para compensar as perdas orçamentárias decorrentes da queda de arrecadação – para ser possível, por exemplo, pagar salários de policiais e professores e cumprir seus contratos com fornecedores”, diz o texto.

Sobre os recursos específicos para a pandemia, a assessoria de comunicação afirma que a Secretaria de Estado da Saúde recebeu R$ 2,23 bilhões entre março de 2020 e abril de 2021. “Deste valor, foi executado 98,5%, sendo 100% dos recursos de 2020. Mais de 90% foi destinado ao fortalecimento da rede assistencial, para ampliação de 3,6 mil leitos para dez mil em hospitais estaduais, municipais, Santas Casas e entidades filantrópicas conveniadas ao SUS. O restante do valor foi destinado especificamente a compra de insumos, medicamentos e EPIs (Equipamentos de Proteção Individual)”.

Além disso, informa que foram encaminhados R$ 9,8 bilhões em repasses nas rubricas 00S7 (Auxílio Financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios relacionado ao Programa Federativo de Enfrentamento à covid-19) e 21C0 (Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus).

Segundo o governo paulista, dos valores referentes ao programa 00S7, R$ 998 milhões tiveram destinação obrigatória para ações de combate à pandemia e R$ 6,6 bilhões sem uso específico foram utilizados para “mitigar dificuldades financeiras e também financiar ações de enfrentamento à covid-19”. Por fim, informa que os valores das rubricas 21C0 são os repasses do Ministério da Saúde para o Fundo Estadual de Saúde em ações de combate à pandemia.

O Comprova pediu as mesmas informações ao governo federal, mas não houve retorno.

O que dizem os especialistas

No início de junho, o economista e professor de ciências públicas da UnB Roberto Piscitelli explicou ao Comprova que gastos como o pagamento do auxílio emergencial não podem estar na soma de repasses aos estados, pois são considerados transferências diretas para pessoas físicas.

O mesmo foi sustentado pelo economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo Freitas, ao afirmar que o auxílio emergencial não é considerado um repasse para os estados.

Neste sentido, segundo o Tesouro Transparente, dos R$ 524 bilhões transferidos aos estados para combate à covid em 2020, a maior fatia – R$ 293,11 bilhões – é referente ao auxílio emergencial para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Mortes por falta de UTI

Em relação à afirmação da deputada de que João Doria deixou pessoas morrerem por falta de UTIs, o Comprova identificou que não existe um levantamento oficial realizado por órgãos públicos contabilizando pacientes da covid-19 que morreram esperando por leitos.

Um levantamento feito pelo G1 em março deste ano, entretanto, mostrou que 496 pessoas morreram na fila de espera por um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em São Paulo apenas naquele mês, o mais letal da pandemia. Também em março, o estado chegou a ter 1.500 pessoas na fila de espera, segundo noticiou o veículo.

Em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, o Comprova foi informado, apenas, que todos os municípios e o estado podem incluir novos pacientes no sistema de regulação de transferências, o que dificulta saber a quantidade total de pacientes que morrem enquanto ainda estão na lista.

Entre julho de 2020 e junho deste ano, em pelo menos três meses a taxa de ocupação das UTIs chegou a níveis acima de 80%, segundo o Boletim Observatório Covid-19, da Fiocruz.

Neste momento, de acordo com boletim epidemiológico do estado de São Paulo, em 5 de julho, a ocupação dos leitos de UTI destinados à covid-19 no estado era de 72,2% na capital e de 66,4% na região metropolitana.

A situação se reflete em outros estados e não se limita a São Paulo. Em março, todos os estados chegaram a ter mais de 80% dos leitos de UTIs ocupados. No último boletim da Fiocruz, de 30 de junho, são sete estados e o DF que estão com este nível de ocupação.

Programa SP Acolhe

O programa SP Acolhe, criticado pela deputada no post, foi anunciado no dia 29 de junho por Doria com o objetivo de oferecer auxílio mensal de R$ 300 a famílias vulneráveis que perderam ao menos um integrante do núcleo familiar por covid desde o início da pandemia.

O benefício está inserido no programa de proteção social Bolsa do Povo e no site já consta uma aba atualizada na qual o usuário pode consultar se a família é elegível ao benefício. Basta fornecer o Número de Identificação Social (NIS).

Serão beneficiadas famílias inscritas no CadÚnico com renda mensal de até três salários mínimos e que tenham perdido pai, mãe, avô, avó, filho, filha ou outro parente, desde que a morte tenha ocorrido no núcleo familiar.

O governo afirma que o programa pretende beneficiar 11.026 famílias em todo o estado e fazer o repasse de R$ 20 milhões. Ao todo, serão seis parcelas, totalizando 1,8 mil em benefício por família beneficiada, entre os meses de julho e dezembro de 2021.

Conforme a lei que cria o Bolsa do Povo, as despesas do programa serão bancadas pelas verbas já alocadas aos programas estaduais de transferência de renda, bem como de outras dotações do Orçamento do Estado.

Quem é Valéria Bolsonaro

Valéria Muller Ramos Bolsonaro é professora da rede pública e foi eleita deputada estadual em São Paulo, em 2018, pelo PSL (Partido Social Liberal), pelo qual também se elegeu o presidente Jair Bolsonaro.

Em 2020, Valéria foi expulsa da sigla por “infidelidade partidária”, como alegou documento enviado pelo então senador Major Olímpio (1962-2021), do mesmo partido, ao presidente do PSL, Luciano Bivar.

A expulsão da deputada se deu após acusações de que a parlamentar teria divulgado um áudio que pedia a “pulverização” de uma campanha contra o senador em Americana (SP) – base eleitoral da deputada -, após a nomeação de dirigentes da sigla por Olímpio na cidade.

Apoiadora de Bolsonaro – que deixou o mesmo partido em 2019 -, Valéria é parente distante do presidente. O avô do marido dela é irmão de Angelo Bolsonaro, avô paterno do presidente.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Neste caso, a deputada publicou post enganoso sobre os dois assuntos.

Verificações sobre a covid-19 são importantes porque podem levar as pessoas a adotarem medidas que impactam na saúde e segurança. Já as divergências políticas entre o governo federal e os estados podem causar confusão na população, levando-a a questionar a orientação de autoridades de saúde.

O post aqui verificado segue a linha do presidente Bolsonaro, que critica frequentemente a gestão Doria. A publicação da deputada atingiu 3,1 mil reações, 663 comentários e 1,7 mil compartilhamentos no Facebook até o dia 5 de julho.

Conteúdo semelhante, mas em âmbito nacional, foi verificado em junho pelo Comprova, que identificou ser enganoso que a União repassou R$ 420 bilhões para os estados combaterem a pandemia. Em fevereiro, o projeto também esclareceu que Doria não havia recebido R$ 19 bilhões da União para o combate à covid-19.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.