Correio de Carajás

Saudades do circo no campo do Poeirinha

O cheiro de lona encardida hora e outra volta à minha memória afetiva dos anos dourados do circo em Marabá. A gente sabia que ia ter espetáculo no Poeirinha quando passavam os carros pelas ruas da cidade com as carrocerias abarrotadas de palhaços, dançarinas, lutadores e até animais. A meninada ficava encantada e os pais enlouquecidos com os pedidos frenéticos dos filhos: “deixa eu ir pro circo hoje?”

Era década de 1970 e vários circos, de médio porte, encontravam em Marabá uma praça que tinha empatia com a arte circense. Com poucas opções culturais (o cinema era uma delas) os números de solo e aéreos – acrobacia, contorção, trapézio e tom cômico dos palhaços encantavam crianças, jovens e adultos.

Eu, que nunca tinha saído de Marabá, achava que estava em outro país quando entrava naquele circo de lona velha e furada, com arquibancadas de madeira e que vendia pipocas e algodão-doce.

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De todos os que passaram por aqui naquela época, um dos mais prestigiados era o Real Circo, que se instalava no campo de futebol conhecido, à época, como Poeirinha. Ficava ali, ao lado da estradinha que ligava a Avenida Getúlio Vargas com o Porto das Canoinhas para atravessar ao Bairro Amapá. Hoje, ao lado da Vila do Rato.

Eu era muito pequeno para jogar futebol por lá e, por isso, meu Maracanã era o Granito, mais democrático e que recebia moleques com menos de 10 anos como eu e, também, adolescentes e adultos. Todos tinham horários definidos por lá.

No Real Circo, como relembra meu amigo Wilsão, a marabaense Elzimara, filha do famoso Chapéu de Couro, fazia um bico como dançarina, mas a principal estrela da dança desse grupo era a famosa Tremendona.

Era também no circo que a gente assistia às lutas de Sales (o homem mais forte de Marabá), que tinha vários adversários, mas um dos mais famosos era Souza Macumbeiro.

Mas o circo trazia animais que a gente não tinha em nossas florestas, como leões. Naquele tempo, não havia uma discussão sobre maus-tratos a animais em circos e praticamente todos os circos do Brasil utilizavam desse recurso, trazendo bichos da fauna asiática.

Também No Real Circo, havia trapezistas, malabaristas, domadores de animais selvagens! Ah, e os mágicos? Cada truque! E a gente tentava até fazer em casa. Mas os mais esperados eram os palhaços. “Hoje tem marmelada? Tem sim, senhor”! “Hoje tem goiabada? Tem sim, senhor”! “E o palhaço, que é? É ladrão de mulher”! Ah, e como ríamos das palhaçadas, tão engraçadas e inocentes. Não havia apelação. Só alegria!

Minha irmã Raquel era apaixonada pelos acrobatas e os contorcionistas, aqueles animais cartilaginosos que hoje, nas pequenas cidades, batem numa estéril e melancólica retirada.

Acho que há anos que eu não ouvia falar de circos. Em compensação, na última semana, me falaram deles mais de cinco pessoas, em circunstâncias diferentes. E resolvi escrever esta crônica, que talvez não diga nada de novo, mas que, em compensação, servirá para que eu me livre da perigosa tentação de me tornar filósofo.

No dia 27 de março (daqui a 10 dias) se comemora o Dia do Circo. Perto da minha casa, no Belo Horizonte, há um pequeno e velho circo que chegou em 2019 e não saiu mais por causa da pandemia. Não havia para onde ir. As famílias que sobreviviam da bilheteria agora buscam outras fontes de renda. Passaram a receber cestas básicas de uma igreja ao lado e ajuda de vizinhos também.

É amargamente dolorida a condição atual de lástima dos circos. A pandemia aposentou palhaços e nos deixou sem graça!

* O autor é jornalista do CORREIO há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira