Não obstante, mesmo nos dias de hoje, a avaliação do estado nutricional vem sendo muitas vezes negligenciada em pacientes hospitalizados. Studley, em 1936, foi quem primeiro relacionou índices de mortalidade e de complicações pós-operatórias com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos.
Alberto Bicudo – Salomão afirma que em nosso meio, o estudo Ibanutri identificou que aproximadamente 50% dos pacientes da rede pública de saúde (SUS) encontravam-se desnutridos de forma moderada a grave. E destes pouquíssimos possuíam em seus prontuários sequer algum registro de avaliação nutricional ou terapia nutricional especializada.
Define-se desnutrição como o estado em que há deficiência, excesso ou desequilíbrio de energia, proteínas e outros nutrientes que causem efeitos adversos mensuráveis na estrutura tecidual ou corporal, na função orgânica e na evolução clínica. Trata-se de uma conceituação ampla, que inclui tanto desnutrição proteico-energética como desequilíbrio de micronutrientes, encontrado frequentemente em idosos, obesos e portadores de doenças crônicas debilitantes.
Leia mais:A desnutrição é um problema estatisticamente apreciável em pacientes cirúrgicos e predispõe ao aumento da incidência de complicações e mortalidade pós-operatórias em comparação com doentes eutróficos, culminando em maiores custos hospitalares e maior tempo de internação. Muitos estudos comprovaram essa relação, demonstrando impacto significativo da avaliação e da terapia nutricional na melhoria de resultados operatórios.
A prevalência da desnutrição em pacientes cirúrgicos varia de 22 a 58% dos casos, que parecem ocorrer igualmente em países desenvolvidos e em desenvolvimento. A prevalência da desnutrição ao longo das últimas décadas continua alta, principalmente em pacientes portadores de doenças do aparelho digestório, mesmo com o advento e a larga utilização de técnicas de avaliação e de terapia para a recuperação do estado nutricional hoje disponíveis.
Portanto, conhecer a importante influência da avaliação nutricional, a fisiopatologia da desnutrição e do jejum prolongado e suas repercussões clínicas, assim como o manejo adequado para cada paciente, tornou-se imprescindível na formação dos cirurgiões. Assim sendo, a desnutrição é um grave problema entre pacientes cirúrgicos no Brasil, mesmo em pacientes candidatos a cirurgias de médio porte.
Dos pacientes candidatos a herniorrafias e cirurgia do aparelho digestório, 55% estão desnutridos. Embora as internações em razão de traumas sejam predominantes em jovens saudáveis, sem desnutrição prévia, uma avaliação em pacientes internados em hospitais brasileiros constatou desnutrição em 60% deles, sendo 14,7% de desnutridos graves.
A desnutrição no paciente cirúrgico pode ainda decorrer da evolução de complicações pós-operatórias graves, especialmente em enfermo previamente desnutrido e submetido a intervenções cirúrgicas de grande porte. De maneira geral, a desnutrição é mais prevalente em portadores de neoplasia maligna e em idosos.
Durante o jejum, ocorrem alterações metabólicas e hormonais para adaptação do organismo à situação imposta, as quais contribuem para uma resposta majorada ao trauma cirúrgico. Após algumas horas de jejum, os índices de insulina diminuem e os de glucagon se elevam, determinando a utilização dos moderados recursos de glicogênio armazenados no organismo, especialmente o estoque hepático.
Notam-se de modo mais evidente as manifestações de desnutrição quando a perda involuntária de peso ultrapassa 10%. Entre elas, encontra-se perda da massa muscular, levando a diminuição de funções respiratórias e cardíacas, diminuição dos processos digestivos e absortivos, maior permeabilidade intestinal favorecendo a translocação bacteriana, além de evidentes apatia e astenia.
Há retardo de cicatrização de feridas, facilitando a ocorrência de deiscência e posterior fistulização de anastomoses, além da má cicatrização da ferida operatória. Além disso, ocorre diminuição da função imunológica, particularmente a resposta tipo tardia ou celular, promovendo maior suscetibilidade a infecções.
* O autor é especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.