Correio de Carajás

Réquiem para a castanheira que morreu com depressão

Acordei às 6 horas desta sexta-feira, 21, com um barulho alto. Eu havia me programado para estar de pé às 5 horas para ir pedalar, à academia, nadar e estar em casa às 8 em ponto para iniciar outras atividades. O sono me levou até as 6, quando o grande barulho soou e boa parte da vizinhança também percebeu. No mesmo instante, a energia faltou. Todos pensaram que se tratava de um transformador explodindo ali por perto.

Depois de pedalar por cerca de meia hora, um vigilante da portaria do condomínio me informou que a falta de energia tinha como motivação a queda de um galho de uma castanheira, do lado de fora, no loteamento homônimo (Castanheira). Lembrei, imediatamente, da velha castanheira que fora vítima de dois raios e um incêndio.

Peguei a bicicleta e corri para lá. Não gastei três minutos para chegar ao local. De longe eu já percebia que não havia sido um galho, mas a castanheira inteira foi ao chão, mas antes tocou na fiação elétrica e causou a falta de energia para dezenas de residências.

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Desci da bicicleta, fiquei estático por cerca de cinco minutos, até começar a andar em círculos em volta dela. Não era uma castanheira comum (se é que há castanheiras comuns). Aquela era a Bertholletia excelsa que eu mais admirava na área urbana de Marabá. E olhe que já contei mais de 100 espécimes dela dentro da cidade.

Há mais de 20 anos começamos um relacionamento que depois se tornou íntimo. Desde que comecei a ir e vir para a casa de minha amiga Vitória Barros, passava embaixo dela, admirava, fazia fotos e, vez por outra, catava um ouriço para levar para casa. Jordão Nunes é testemunha de quase tudo que está aqui.

Muitos já sabem que estou escrevendo um livro – desde 2016 – intitulado “Castanheiras do Asfalto”, em que visitei, fotografei e contei a história de todas as árvores dessa espécie existentes dentro da cidade de Marabá. Então, sei exatamente onde estão todas, inclusive com QR Code que direciona para seus “endereços” virtuais.

Mas aquela eu havia dado até mesmo um nome, de tanto carinho que tinha por ela. Chamava-se “Resiliente”. Sim, porque, segundo a própria Vitória Barros, ela fora vítima de dois raios em ocasiões distintas (embora haja provérbio que diga que um raio não caia no mesmo lugar duas vezes).

Ficou ferida, perdeu a metade do tronco, mas continuou em pé. Uma queimada – não se sabe se criminosa – também tratara de piorar sua situação. Mas permaneceu rija. Despachos já foram encontrados (e fotografados) várias vezes por mim, porque ali seria uma encruzilhada. Membros de várias denominações religiosas também oravam embaixo dela. E a Resiliente continuou inflexível.

Mais do que firme no chão, ela era a castanheira que mais dava fruto no raio de 2 km. Há outras mais frondosas e exuberantes ali por perto e poderiam bem se tornar meu xodó. Mas eu gostava mesmo era daquela maltratada.

Mas um fato me chamou a atenção no início desta manhã. No grupo de WhatsApp de moradores do meu condomínio, várias pessoas se manifestaram para saber o motivo da falta de energia. Depois de um tempo, postei uma foto da castanheira caída e disse que um galho acabou tocando na fiação elétrica.

Mas, a morte da Resiliente não causou comoção a nenhum deles. Talvez estivessem preocupados com o ar condicionado que não funcionava.

Hoje pela manhã enviei fotos de Resiliente para Vitória Barros. Lamentamos o episódio em vários áudios e relembramos sua trajetória de vida. Vitória disse que a conhecia desde criança e que, talvez o fato de ter ficado no meio de uma avenida de mão dupla, chamasse a atenção das pessoas.

Vitória chegou à conclusão que ela se tornou uma árvore “depressiva” de 15 anos para cá, depois que raios, fogo e despachos tentaram lhe derrubar. Mesmo assim, dava seus frutos no devido tempo.

Enquanto eu estava por lá, em seu velório solitário, dois moradores da redondeza passaram e pararam. Não estavam incomodados com sua queda, mas queriam apenas recolher alguns ouriços e levar para casa para mostrar aos filhos. Os despojos da Resiliente serviam para alguma coisa.

No dia em que Resiliente escolheu para cair de vez, meus vizinhos estavam mais preocupados com a falta de energia.

*O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica às quintas-feiras. Esta é excepcional, em função da perda de uma grande amiga

“Ele será como uma árvore plantada junto às boas águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Uma árvore que não se afligirá quando chega o calor, porque as suas folhas estão sempre viçosas; não sofre de ansiedade durante o ano da seca nem deixará de dar seu fruto!” – Jeremias 17: 8

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.