Correio de Carajás

Que amor é esse, dona Francisca Montalvani?

Será que Freud explicaria, hoje em dia, o amor desmedido de dona Francisca Montalvani? Eu a conheci na tarde de uma sexta-feira, quando fui ao abrigo de idosos antes do início da pandemia para uma visita a um velho amigo.

Passei 40 minutos conversando com Clésio e, curiosamente, dediquei 1h45 num bate papo de descobertas com dona Francisca, uma nova amiga. Confesso que, às vezes, eu a chamava de Dona Chiquinha e ela retrucava, mas com tom de aprovação.

Sentada em uma cadeira de balanço, ela me contava sua história, de quando era criança no interior do Piauí, da dureza do pai, da enormidade de tarefas da mãe e o fuxico que os irmãos traziam e levavam da escola, da vizinhança e dos namorados que as outras arranjavam às escondidas.

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Aí não interrompi sua narrativa de uma mente dos altos dos 78 anos de idade que estava despejando um passado sofrido e, ao mesmo tempo, nostálgico para ela.

Dona Francisca continuou relatando suas andanças antes de chegar em Marabá. Foi ao Maranhão, voltou ao Piauí por outras duas vezes, até vim parar em Rondon do Pará, onde soube que tinha muita gente rica e que contratava para levar cozinheiras para as fazendas.

Ela não recordava quando, exatamente, pulou da carroceria da camionete pela primeira vez em Rondon, mas destaca que foram anos de sofrimento, apesar de ter muita comida à disposição.

Em 1991 foi o ano em que se mudou para Marabá. Veio atraída pelo boom das serrarias que se instalaram na Avenida Sororó e que movimentavam muita grana. Foi ali que conheceu o primeiro marido, que morreria sete anos depois com uma febre terçã que depois que faleceu se suspeitava de malária. Mas nunca quis ir ao médico.

Depois casou-se com Amarildo, a paixão de sua vida, até 2016, quando vítima de um acidente de trânsito no cruzamento da Avenida Cuiabá com a Afro Sampaio, na manhã de um domingo chuvoso.

Mas Francisca não parou de amar. A idade não lhe tirou o apetite de relacionamentos furtivos, mesmo que ela reconheça que era uma mulher difícil, porque também se sentia ciumenta ao extremo. “O homem que é meu ninguém bole, meu filho”.

E foi com esse perfil de mulher de amores acabados pela morte ou pelo ciúme que ela deu entrada no Lar de Idosos. E foi logo que chegou que ela já ficou de olho em um outro velhinho assanhado – como ela mesma.

Falavam-se, pegavam na mão um do outro meio escondido, e ela estava esperançosa de sair dali com um novo amor de sua vida – ou pelo menos do final dela.

Eduardo, o nome dele, era seis anos mais novo e não tinha casa, trabalho, apenas uma aposentadoria que mal daria para o aluguel.

Sai do abrigo com a promessa de que voltaria depois para saber como continuou o amor ou começou um novo na vida de dona Francisca.

Quando voltei, soube que Dona Chiquinha fora internada com covid-19, estava se recuperando e não poderia receber visita naqueles dias. E de fato custei a retornar ao local, embora passasse ali em frente vez ou outra.

Quando voltei, alguns meses depois, quando a doença já tinha arrefecido, ela estava lá, não me reconheceu de chofre e precisou contar toda a sua história de novo. Tentei ataiar os causos perguntando por seu Eduardo, mas ela manteve a cronologia dos fatos igual da primeira vez.

Quando veio falar do namorado que conhecera no abrigo, disse que ele teria ido embora com um filho que o reconhecera. Foi uma faca no coração da velhinha faladeira e coração sempre disposto a amar.

Mas não desanimou. Uma outra vaga foi aberta no abrigo e um cidadão boa pinta surgiu por lá, deu mole e ela o agarrou. Foi um amor à primeira vista, meu filho. Eu pensei que isso não existia, mas a gente descobre cada coisa!

Esse novo amor escravizou, mais uma vez, a senhorinha que saiu do Piauí com vontade de formar uma família, teve maridos, amantes passageiros e já estava boa de se aposentar de tantas traquinagens.

Estava fazendo planos novamente. E guardando dinheiro para o chá de casa nova. Pretendia mandar fazer um vestido branco para o casamente e não se importava se o pretendente não tinha aposentadoria ainda. “O que eu ganho dá pra nós dois”, disse-me, com tom de quem botava a mão em seis mil reais todo mês.

Fui embora com vontade de voltar. E voltei. Mas ela já tinha ido embora carregando na bagagem o amor. Seu novo amor. Até que a morte os separe…

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.