Correio de Carajás

Quando a gente flana e se encontra com o amor

Tenho algumas coisas estranhas quando estou eguando pelas ruas ou flanando a pé em praça pública ou numa rua do comércio. De olhar para a cara, o jeito, das pessoas e tentar furtar o que está passando no mais íntimo da vida. Fico só imaginando!

Falo assim, porque fiquei meio decepcionado com um casal de amigos que postou fotos no Insta debaixo da Torre Eiffel, mostrando alianças e taças de vinho. Roupas bonitas e minha inveja supurando.

Achei aquilo uma história digna de Ouriço Cheio e me senti meio fela-da-gaita porque nunca fiz isso com meu amor, em Paris, ou em cima da ponte do rio Tocantins, durante o verão.

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Mas eram tão felizes nas fotografias, em Paris? Sorrisos rasgados, podia sentir até o cheiro da vontade de transar depois dali, em alguma “chambre”, na França ilusória.

Um mês depois, no regresso deles a Marabá, e para o meu desengano, o casal se apartou. Tão desilusório o desencanto que veio a sofreguidão. Parece que eu estava a me separar.

Esposa e marido pertinho da Torre Eiffel, que fica no Champs de Mars, no “nimerrô” 5 da avenida Anatole de France, no sétimo arrondissement de Paris. Desejei ser ele ou ela.

Não era verdade aquele bafejo idílico. Tinha sido nos começos, lá nas paixões. De vero, uma tentativa ainda de romantismo no retrato enganoso do Instagram.

Esquadrinhado no coração parisiense, a torre podia ser avistada no fundo da foto. Era uma coadjuvante luxuosa. Para mim, caetaneei, a data mais eterna para não deslembrar jamais. A efeméride mais feliz da vida dos dois, apesar das ratazanas no gramado francês.

Pois! Não era verdade aquele bafejo idílico. Tinha sido nos começos, lá nas paixões. De vero, havia uma missão em andamento. Uma tentativa ainda de romantismo no retrato enganoso do Instagram.

Fiquei dias roendo aquele desenlace. Não era meu, mas era como se fosse. Há amigos que namoramos e nos casamos com eles. Há construções no amor ao redor dos outros, beijinhos públicos, almoços, fofoquinhas, notícias dos dois.

Sei que a vida dos outros é dos outros, mas é somente uma investigação sobre a paixão, a amorosidade e as suspirações que me encantam.

Por causa deles – o rapaz se apaixonou por um rapaz e a moça se casou novamente – voltei a fabular sobre os outros durante o meu bater pernas por aí.

Na maioria das vezes, não sei como lidar com a ausência delas nas relações que me seduzem. O amor, né, “nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor. Embora seja dor jubilosa e, pensando bem, não há nada de ruim nisso”. Eduardo Galeano…

Fico imaginando assim, quando vejo uma moça solteira ou uma mulher de aliança no dedo… Um homem de pasta e pressa ou um casal que dorme em um colchão encardido na esquina perto da Rodoviária da Folha 32.

Será que têm um amor? De qual tipo? Em que fase? Haverá ainda um lancinante arrebatamento? Trepadas sem fim ou pegações raras? Ainda dizem ou escrevem recadinhos um para o outro? Poeminhas malfeitos haverá?

E a calcinha de vestir em casa? Veste alguma história dos dois? Ele tem vontade de um fleur-de-rose feito por ela? E as cuecas dele? Já são desleixo? Ele arrota depois da Coca-Cola? Lê Florbela e Neruda pra ela? Ainda botam pasta um na escova do outro? Se agradecem?

Flano, também, porque tenho curiosidade sobre amar. Lembrei do Drummond no “Necrológio dos desiludidos do amor”

Fico olhando, tentando imaginar o que são na intimidade mais íntima. Se ainda se rasgam um pelo outro com o exagero da admiração jurada. Riem de besteiras, brincam?

Os desiludidos do amor estão desfechando tiros no peito. Do meu quarto ouço a fuzilaria. As amadas torcem-se de gozo. Quanta matéria para os jornais!

Pá, pá, pá, adeus, enjoada. Eu vou, tu ficas, mas nos veremos. Seja no claro céu ou turvo inferno.

Os desiludidos seguem iludidos. Sem coração, sem tripas, sem amor. Única fortuna, os seus dentes de ouro não servirão de lastro financeiro. E cobertos de terra perderão o brilho. Enquanto as amadas dançarão um samba. Bravo, violento, sobre a tumba deles”.

É sobre flanar e se encontrar com o amor.

 

 

* O autor é jornalista do CORREIO há 26 anos e escreve crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.