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Protocolo italiano para atendimento domiciliar contra covid-19 não tem relação com “tratamento precoce”

 

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O Senado italiano decidiu em 8 de abril pela criação de um protocolo único para atendimentos domiciliares de pessoas infectadas pela covid-19. Uma postagem do deputado Eduardo Bolsonaro no Facebook celebra a aprovação na Itália do uso de medicamentos para um “tratamento imediato” para a covid-19, o que aproximaria a decisão italiana do “tratamento precoce” defendido por alguns médicos e políticos no Brasil. Mas os protocolos são diferentes.

  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook do deputado federal Eduardo Bolsonaro diz que “o Senado da Itália aprova uso de medicamentos para tratamento imediato contra a COVID-19, através de protocolo único”.

O Senado italiano aprovou uma moção no dia 8 de abril que obriga o governo a definir um protocolo único para atendimentos domiciliares de pessoas infectadas pela covid-19. O protocolo libera aos profissionais de saúde a possibilidade de “prescrição de remédios considerados mais adequados ao indivíduo, dentro das indicações da comunidade científica validadas pelos órgãos competentes”. O documento inclui ainda a criação de um comitê de ministros para monitorar o setor, o aumento do fornecimento de aparelhos para a execução da telemedicina e melhorias na rede de cuidados familiares.

Uma postagem feita no Facebook pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) celebra a aprovação na Itália do uso de medicamentos para um “tratamento imediato” para a covid-19. Essa definição não é usada no protocolo italiano e nem a Itália faz indicação de qualquer medicação.

O post de Bolsonaro, até o momento da publicação desta verificação, foi compartilhado 11 mil vezes e já tem 1,4 mil comentários. Nessas manifestações, usuários têm relacionado o “tratamento imediato”, expressão usada pelo autor do post, como se fosse uma versão italiana para o “tratamento precoce” e um aval para uso de remédios que não têm comprovada a sua eficácia contra o coronavírus. E por isso o Comprova assinalou o post como enganoso.

Procurada pelo Comprova por WhatsApp, a assessoria do deputado informou que ele não iria se manifestar e depois bloqueou a repórter no aplicativo.

Como verificamos?

O Comprova acessou a página oficial do Senado italiano e, com a ajuda da extensão Google Tradutor (que traduz toda a página), leu o relatório da sessão pública realizada no dia 8 de abril. Lemos também a cobertura do Corriere della Sera, principal jornal da Itália, sobre o assunto, além da reportagem da publicação Avvenire, outro veículo de importância no país europeu.

O Comprova entrou em contato com a assessoria de comunicação de Eduardo Bolsonaro pelo WhatsApp através de mensagens. Sem obter resposta, a repórter do Comprova ligou para o assessor usando o mesmo aplicativo. O assessor ignorou a ligação e, em seguida, bloqueou o número utilizado pelo Comprova na apuração. Em seguida, a repórter acionou outro membro da equipe de Eduardo Bolsonaro e relatou o bloqueio. Não mais do que um minuto depois, o assessor efetuou o desbloqueio, respondeu que o deputado não comentaria o caso e voltou a bloquear a repórter.

Verificação

O texto do Senado afirma “dar aos profissionais de saúde a possibilidade de prescrição de remédios considerados mais adequados ao indivíduo, dentro das indicações da comunidade científica validadas pelos órgãos competentes”. O documento inclui ainda a criação de um comitê de ministros para monitorar o setor, o aumento do fornecimento de aparelhos para a execução da telemedicina e melhorias na rede de cuidados familiares.

Nem o Senado, nem a imprensa italiana usam termos como “tratamento precoce” ou “imediato”. Trata-se de um novo protocolo de atendimento domiciliar que vigorará em todo o território do país com o fim de desafogar as UTIs e demais leitos italianos. De acordo com a publicação Avvenire, há atualmente mais de 493 mil italianos em isolamento domiciliar por estarem infectados. Os hospitais do país encontram-se “dramaticamente lotados”. O novo protocolo permite que as unidades de saúde retomem gradativamente as intervenções em outras patologias.

Não são mencionadas as substâncias comumente associadas ao “tratamento precoce”, como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, na moção do senado italiano. Nenhum desses remédios consta na lista oficial de medicamentos aprovados e recomendados para o tratamento da covid-19 no país, criada pela Aifa (Agência Italiana de Medicamentos). O antibiótico azitromicina figura em um documento que afirma que a falta de comprovação científica impede o uso do remédio sozinho ou associado a outros no tratamento de infecções não bacterianas.

O denominado “tratamento precoce”, defendido no Brasil por grupos de médicos e por apoiadores do governo Bolsonaro, tem como escopo o uso de hidroxicloroquina, ivermectina e/ou azitromicina ao se experienciar os primeiros sintomas do Covid-19. Não há evidências científicas que demonstrem que esses medicamentos sejam eficazes contra a covid-19 como já manifestaram entidades de referência globais em saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia da covid-19 que tenham obtido grande alcance nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. A publicação do deputado Eduardo Bolsonaro foi ao ar em 17 de abril e, até o fechamento desta reportagem, contava com mais de 11 mil compartilhamentos. Diversas pessoas nos comentários interpretaram erroneamente que a Itália havia adotado o protocolo de tratamento defendido por Jair Bolsonaro e seus seguidores.

Agência Lupa, o Aos Fatos, o Fato ou Fake, o Estadão e a Gaúcha ZH verificaram um conteúdo desinformativo cujo teor é semelhante ao aqui verificado.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que use dados imprecisos ou que induza a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 28 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.