Correio de Carajás

Pesquisadora da Unifesspa afirma que não há casos de doença da urina preta na bacia Araguaia-Tocantins

Nas últimas semanas, cidades do Pará têm registrado casos suspeitos da Síndrome de Haff, popularmente conhecida como doença da “urina preta”. A doença, que já teve casos confirmados no Amazonas, incluindo um óbito, vem preocupando autoridades, produtores e consumidores na região, gerando incertezas e prejuízos.

A Síndrome de Haff é uma enfermidade que promove a destruição das fibras musculares de seres humanos, liberando substâncias na corrente sanguínea que acometem principalmente os rins, em um processo chamado rabdomiólise, que altera a cor da urina. Em casos mais graves, pode levar a morte.

A professora e pesquisadora da Unifesspa, Cristiane Vieira, explica que ainda não se sabe ao certo os fatores que desencadeiam essa toxina nos peixes. No entanto, duas hipóteses estão sendo levantadas. Uma delas, é que pode haver relação com o consumo de alguma planta tóxica pelos animais, mas que ainda não é conhecida.

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A segunda hipótese pode estar relacionada ao consumo de algas tóxicas. “As algas têm seus picos nos anos de “La Niña”, um fenômeno climático. Os picos de proliferação de algas têm sido relacionados ao acúmulo de toxina na musculatura de algumas espécies de peixes”, afirma a pesquisadora.

Estudos apontam que três grupos de peixes da região Amazônica foram relacionados ao possível acúmulo da toxina: Pacu, Pirapitinga (também conhecida como caranha) e Tambaqui.  Por essa razão, Secretarias de Vigilância Sanitária de Amazonas e, mais recentemente, do Pará têm recomendado as pessoas a não consumirem estes grupos de peixes.

Peixe tambaqui, o mais popular entre os comercializados em Marabá, tem sido rejeitado, mesmo sem nenhum caso da doença

Dados mais atualizados, mostram que em todo o estado nove casos estão sob análise, nenhum deles na Região Sul e Sudeste do Pará. Para a professora Cristiane, é importante ficar alerta, mas ainda não há motivos para pânico. “Na bacia Tocantins-Araguaia não há nenhum caso relatado, nem antigo e nem atual. Mas, com o aumento de casos no estado do Pará, em outras bacias hidrográficas, é bom estar atento aos sintomas”, diz.

A bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia é formada por dois grandes rios de águas claras, o Tocantins e o Araguaia, e não está interligada à bacia do Amazonas, em virtude de eventos geológicos complexos, tornando-se independente e com características próprias.

De acordo com dados do monitoramento da pesca, realizado entre 2019 a 2021, pela Embrapa e Unifesspa, as principais categorias de peixes capturadas por pescadores de pequena escala na região são avoador, curimatá, mapará, pescada, barbado, branquinha, entre outros. Ou seja, são muitos tipos de peixes que não estão relacionados a doença da urina preta.

Prejuízos para produtores – Mesmo ainda sem casos suspeitos na região, a venda de pescados vem caindo expressivamente em Marabá e cidades vizinhas. Por medo e também devido à desinformação, a população tem evitado o consumo de todos os tipos de peixes, inclusive os criados em cativeiros. Isso tem gerado prejuízos ao setor e prejudicado especialmente aqueles que vivem da pesca.

“O entendimento das pessoas é que está sendo proibido o consumo de todos os tipos de pescados provenientes de ambientes naturais, ou seja, aqueles que são capturados por pescadores artesanais. Este entendimento coletivo tem afetado a pesca local de forma significativa, pois a população não está adquirindo pescados provenientes da pesca artesanal por medo de contaminação”, pontua a pesquisadora da Unifesspa.

Ela alerta, ainda, para o impacto ocasionado pela paralisação do consumo de peixes, que traz enormes prejuízos à pesca de pequena escala local. “Em Marabá e região a pesca de pequena escala é um importante setor que garante renda e sustento a muitas famílias”, diz.

Cristiane Cunha desenvolve ações de monitoramento da pesca de pequena escala nos municípios de Marabá, Itupiranga, São João do Araguaia e São Geraldo do Araguaia.

Apesar de não analisar a qualidade do peixe, a pesquisa acompanha desde o processo de planejamento das pescarias, a quantidade de peixes capturados, os processos de abate e armazenamento, etc. “Neste sentido posso dizer que os pescadores de pequena escala da região fazem o abate e acondicionamento adequado do peixe”.

Cuidados do consumidor – A pesquisadora destaca, ainda, que em relação à Síndrome de Haff, a toxina não tem cor, cheiro e nem odor. Portanto, a identificação sensorial não é possível. “Sobre os cuidados necessários, de modo geral, é sempre bom observar as características do peixe, se está devidamente gelado, se as brânquias estão rosadas, observar os olhos, escamas e odor. Isto evita possíveis eventos de intoxicação alimentar diversa”.

Mais sobre a Síndrome de Haff – Trata-se de uma doença com sintomas conhecidos e registrados desde 1924, mas ainda não se sabe a causa. Os primeiros casos no Brasil foram registrados entre 2008 e 2009, mas ainda são considerados raros e os surtos localizados. Em agosto deste ano, um surto da doença foi registrado em Itacoatiara, na região metropolitana de Manaus (AM). No Pará, há casos em investigação na capital Belém e nas cidades de Santarém, Trairão e Almeirim.

De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa), os sintomas da doença costumam aparecer entre duas e 24 horas após o consumo de pescado ou crustáceos e se manifestam por meio de rigidez muscular repentina, dores musculares, dor torácica, dificuldade para respirar, dormência, perda de força em todo o corpo e urina cor de café – resultado da necrose dos músculos.

Com o aparecimento desses sintomas, a Sespa recomenda que a população deve procurar imediatamente uma unidade de saúde.