Correio de Carajás

Paciente Cirúrgico III

Dando continuidade ao tema paciente cirúrgico, existe uma clara consciência mundial que o paciente desfavorecido por desnutrição responde de forma pior à doença, à lesão e à cirurgia. A desnutrição poderá não ser óbvia ao exame físico e deverá ser investigada. Por isso na revisão da história pregressa, é importante considerar o passado nutricional do paciente cirúrgico.

      Deficiências nutricionais agudas, particularmente perdas de fluidos e eletrólitos, poderão ser determinadas apenas à luz da história completa (incluindo a nutricional). Por exemplo, o baixo nível sérico de sódio poderá ser devido ao uso de diuréticos ou a uma dieta restrita em sódio, e não devido a uma perda aguda. Nesse aspecto, o uso de quaisquer medicamentos deverá ser cuidadosamente registrado e interpretado.

      Uma história detalhada de perdas agudas por vômito e diarreia e da natureza das perdas auxilia a estimar as prováveis tendências dos eletrólitos séricos. Portanto, o paciente que tem vomitado persistentemente sem evidências de bile no vômito provavelmente apresenta uma estenose pilórica aguda associada a uma úlcera benigna, e a alcalose hipoclorêmica deverá ser prevista.

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      Para o cirurgião, é essencial pensar em termos de equilíbrio nutricional. O vômito crônico sem bile e, sobretudo, com evidências de alimentos alterados e previamente digeridos é sugestivo de obstrução crônica, e a possibilidade de carcinoma (câncer) deverá ser considerada.

      Em geral, é possível iniciar um tratamento antes que os resultados dos exames laboratoriais tenham sido obtidos, pois a natureza específica e a provável extensão das perdas de fluidos e eletrólitos podem, frequentemente, ser estimadas com base na história e na experiência clínica do médico.

      Os dados laboratoriais deverão ser obtidos assim que possível, porém, o conhecimento do provável nível de obstrução e da concentração de eletrólitos nos fluidos gastrintestinais fornecerá elementos suficientes para a instituição do tratamento imediato adequado.

      Na história emocional do paciente, a consulta psiquiátrica raramente é pedida na abordagem de pacientes cirúrgicos, porém, existem situações nas quais ela é de grande ajuda. Pacientes emocional e mentalmente perturbados necessitam de cirurgia com a mesma frequência de outros, e a total cooperação entre psiquiatra e cirurgião é essencial.

      Além disso, antes ou após uma cirurgia, um paciente poderá desenvolver um distúrbio psicótico importante que esteja além da habilidade de avaliação ou gerenciamento do cirurgião. O prognóstico, o tratamento farmacológico e o manejo geral requerem a participação de um psiquiatra.

      Por outro lado, existem muitas situações nas quais o cirurgião pode e deve lidar com os aspectos emocionais da doença do paciente em vez de recorrer à assistência psiquiátrica. A maioria dos psiquiatras prefere não ter de lidar com estados de ansiedade menores. Contanto que o cirurgião aceite a responsabilidade do tratamento do paciente como um todo, esses serviços passam a ser supérfluos.

      Esse fato é particularmente verdadeiro no tratamento de pacientes com doença maligna ou aqueles que deverão ser submetidos a cirurgias mutiladoras como a amputação de um membro, ileostomia ou colostomia. Nessas situações, o paciente poderá ser assistido com muito mais eficiência pelo cirurgião e sua equipe do que por um psiquiatra assistente.

      Os cirurgiões estão cada vez mais conscientes da importância de fatores psicossociais na convalescência da cirurgia. A recuperação de uma cirurgia importante será muito melhor se o paciente não for desgastado por problemas emocionais, sociais e econômicos que não tenham relação com a doença propriamente dita. A incorporação desses fatores no registro contribui para um melhor tratamento completo do paciente cirúrgico.

      É má prática tanto insistir no rigor desnecessário quanto negligenciar procedimentos que possam contribuir para o diagnóstico. Procedimentos dolorosos, inconvenientes e dispendiosos não deverão ser pedidos a menos que exista uma chance racional de a informação obtida ser útil para a tomada de decisões clínicas. O tema prossegue na próxima edição de terça-feira.

* O autor é especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.