Em meu pequeno grande país, onde quase tudo acontecia, não havia um dia igual ao outro no quintal lá de casa, fosse na Velha Marabá na década de 1970 ou na Folha 17, pra lá dos 80.
Nos anos rurais de minha infância, nesta bucólica Marabá, havia desenhos de convivências assim: um mesmo terreiro dava na porta da cozinha de três ou quatro casas de alpendre e banheiro. Casa de banhos com luz balançante no fio, tina, sabonete no combogó, descarga no balde e ralo alagado.
Mesmo não querendo, víamos ou éramos avistados escovando os dentes cedinho. Canequinho de alumínio na mão e remelas nos olhos. E era permitido aos meninos miúdos botar a pintinha pra fora do calção de elástico, sem cueca, e mijar o primeiro mijo depois de se levantar da rede.
Leia mais:Perto dali, na beira do Itacaiunas, também nos assistíamos, vizinhos, lavar e colocar para quarar as roupas íntimas nas folhagens. As cores que cobriam as intimidades alheias, os corpetes bicudos e os forros puídos dos dias de acidez nas virilhas.
Por causa do cheiro, por volta das 11h30min, se sabia quem (raro) comeria carne vermelha como mistura no almoço. Bem antes, se podia ouvir as batidas na tábua de amaciar bife (um pra cada um). Quem não podia se entregava com o estalado dos ovos na banha ou as latas de sardinha denunciavam a pindaíba. O quintal era de todos.
Pois no terreiro de todos havia também um monturo. Toda sorte de porcaria, até mijo dos penicos noturnos. Pé de guarda-louça, saco de leite cortado, catita morta na chinelada (havia feito ninho no forno do fogão), paninhos das regras… Um dia por semana, vinha uma sei-lá-quem e tocava fogo no querosene. Fumaça no mundo e folhas das bananeiras esturricadas. Azar.
Foi que um dia, um pênis apareceu jogado no buraco do monturo. Pequeno, mas se via que era de um adulto. Testículos ainda ali e cortados cirurgicamente no tronco do infeliz. Sem fimose. Suspendeu-se a fogueira e se fez roda em torno do desdito.
E quem de tamanha vileza tinha cometido tal crueldade e por qual móvel? Que brio teria sido vingado, ferido de traição?. Ou não, talvez desgosto por ter uma pintinha tão ínfima. Cada vizinho das casas do quintal de todos não disse uma palavra sobre o achado incomum. Mas fervilhavam.
Não seria de um preto. Não havia negrões resumidos, encasquetava a vizinha de frente, que mantinha umas meninas em sua casa para ganhar dinheiro. O penduricalho, que ainda não fedia, era encarnado. Cheio de veias a mostra e ainda sangrando.
A vizinha da esquina, por vezes, enxugava o canto dos lábios com o avental. Babava, embora a peça não fosse lá esses balaios. Mas há muito que não sabia o que era ser percorrida pelo marido. Miava orgasmos falsos, à noite, três vezes por semana para não dar margem às línguas. O esposo a obrigava porque não tinha coragem de ir ao médico. Porém, as caixas de remédios jogadas no lixo denunciavam. Mesmo que as bocas dos sacos fossem amarradas. Todo mundo tinha cachorro solto.
O casal ativo, via-se pela simpatia dos dois, só cochichava. Não tinham filhos para atrapalhar a fornicação nem viviam, às tontas, com febre de meninos e narizes escorrendo. Porque não havia gravidez, a barriga e os peitos ainda estavam no lugar.
E um que estava ausente entre os vizinhos do mesmo quintal, a mulher se adiantou em avisar que o marido estava em casa tratando de contratempos. Não que a velha fosse de ouvir pelas paredes, dizia-se quase surda, mas receitou Erva de Bicho para o prostrado. Um selante proctológico, comercializado somente por dona Maria Esperantina, a benzedeira. Além do banho morno de acento, passe em redor. Gesticulou.
É um furúnculo! Contestou aborrecida a esposa. Então basilicão. O carnegão sairá em dois dias. Pode comprar, insistiu a velha.
Fez-se o silêncio novamente em redor do pênis achado (perdido) no monturo. Que vidinha! Foi que um gato, desses ladinos de furtar carnes penduradas ao sol, abocanhou o bicho e saltou levando-o ao olho da goiabeira.
Bicho nojento! Cuspiu a vizinha da esquina. Toca fogo, menina!
* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira