Correio de Carajás

O homem de meia-idade e o prêmio da Mega Cap

Ainda sentado na barraca, o homem de meia-idade, tentando conter a revolta de ter-se deixado enganar pelas aparências, protestava contra si mesmo. Se tivesse observado atentamente que, por trás dos músculos e da blusa de marca colada ao corpo definido, estava um bandido segurando uma arma oculta em um capacete, não teria dados os 10 passos entre o meio-fio de uma rua à outra. Quem mesmo duvidaria que o casalzinho – ele parecendo ator de novela, ela carregando uma barriga de 5 meses – fosse ladrão?

“E ladrão lá tem cara”, tornava a repetir o homem de meia-idade, em mistura de inconformismo, indignação e revolta, depois do assalto ocorrido ao meio-dia na Feira da Folha 28.

Tudo se deu quando olhou para a barraca de cartazes brilhosos. O prêmio da semana oferecido pelo Mega Cap, 3 carros e uma boa bolada…. Para ele, era pouco. Mas dinheiro é sonho… Nem que o nome saísse no jornal ao lado de gente necessitada de grana. Sorteio é sorteio e não escolhe classe social. Que mania tola de exclusão! Ora, essa! Se não quisesse a bufunfa sorrindo para comprar o que quisesse ou o veículo para transformar em real, que fosse jogar na loteria! Lá ninguém enxerga cara de ganhador!

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Antes de entrar na barraca, estrategicamente esparramada na entrada da Feira da Folha 28, viu a velha moto. Ligadinha! É cada louco no mundo. Quem diabos deixou essa moto ligada com chave no contato e tudo. Louco! De longe, viu o barrigão da mulher. Jovem de cabelos encaracolados de prender os olhos. A proximidade trouxe o cheiro da extravagância. Cheiro de shampoo de motel. Uns 20 anos. O marombeiro com jeito de ator inchava-se de vaidade. Até parecia segurança da barraca. De pé, ele e a jovem bela, cujo braço se prendia ao do rapaz.

A cena fixava-se bem no fundo do olho. Ele, de pé, capacete no braço, uma das mãos no interior do objeto. Ela, as mãos levemente repousando no ombro do companheiro, a outra lhe acariciando o dorso. Quem desconfiaria?

O ambicioso homem de meia-idade cruzou a barraca. No interior, um silêncio de velório. Três pessoas sentadas nas cadeiras à direita. A mulher do canto, de olhos esbugalhados, foi logo alertando:

– Tem cartela não! Não! Não!

O homem viu a mesa cheia delas, prontinhas a se preencher.

– E essas daqui? Me empreste a caneta ai!

A vendedora, de olhos esbugalhados que não paravam de rodar na caixa ocular, mãos trêmulas, pescoço virando de um lado a outro, repetiu com rispidez:

– Tem caneta não! Não! Não!

O homem viu-se recebendo a grana. A viagem que faria com o montante. A poupança recebendo o dinheiro inesperado. Ia tirar uma parte para fazer um pequeno reparo em casa. O resto, todinho no banco. Já tinha decidido, quando voltou a falar para a vendedora:

– A senhora tem troco para 50 reais? Dá pra tirar os 5 reais de 50?

Não, aqui não tem nada! Tenho não! Troco não, não, não, respondeu a mulher. Naquele instante, a voz trêmula, as mãos inquietas, o pescoço girando denunciavam alguma anormalidade. Virou-se de lado e um rapaz acenou negativamente como se quisesse avisar de algo que não conseguiu interpretar. Nem tempo mais para pensar teve. O marombeiro calmamente tratou de avisar:

Põe a grana na pasta das cartelas! Isso aqui é um assalto e vai sentando aí no banco, vagabundo. Baixa a cabeça e deixa de me encarar se não quiser torar chumbo nos peitos.

O homem de meia-idade olhou para o capacete em um dos braços do moço. A arma engatilhada, devidamente ocultada no objeto, suspenso pela força jovem. O ambicioso pelos prêmios da cartela fez de conta que nada de anormal acontecia. Tratou de obedecer.

Ninguém se levanta, que é chumbo nos peitos, disse o marombeiro já sentado na moto, que percorreu ainda o entorno da barraca em círculos. Para afugentar qualquer tentativa de reação. Rumou para destino ignorado. Um dia cairão nas garras da justiça…

Poucas semanas depois, um jovem e uma mulher grávida foram presos em bairro vizinho. Depois de perseguição de populares.

O homem de meia-idade esqueceu o prêmio do bilhete. Soube pela tevê. O desejo agora era ver a foto dos dois na web. Colheu a metade da noite, depois da lida diária, fuçando portais de notícias e já ia recolher-se, preparando para desligar o computador, fechando janelas, os olhos pararam na notícia. Reconheceu neles o comercial do bilhete de prêmios e os próprios prêmios. Viu ali a cédula de 50 reais. E ainda ficou com pena!

 

* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.