Correio de Carajás

O fim do fim da era dos mecânicos de Archimedes

Com quase um ano de atraso, informo a morte do Mestre Getúlio. Semana passada eu mandei uma mensagem para ele, porque tentava recuperar meu motor de popa Archimedes de 12 hp, uma relíquia dos tempos dos Castanhais que acabou afundando com o Barco Plínio há dois anos e precisa fazer o motor novamente.

Conheci Mestre Getúlio após a famosa viagem da Balsa de Buriti, em 2013, quando eu encontrei um Archimedes que pertencera a meu pai, Chico Pompeu, na década de 1970. Trouxe aquela relíquia de Itaguatins-TO, onde o comprei de Ednon Souza, que me confessara que havia adquirido o motor de seu amigo Trisca, aqui em Marabá, que por sua vez o comprara do velho Chico Pompeu.

Por mais de três décadas – entre 1940 e 1970, meu pai e muitos barqueiros que subiam e desciam o Itacaiunas trazendo castanha usava um Archimedes, que parou de ser fabricado depois de perder espaço nas águas para os motores de centro (década de 70), movidos a óleo diesel, combustível sempre mais barato.

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Pois bem, o Archimedes era a rabeta daqueles tempos. Muita gente tinha e muita gente consertava. Mas nos últimos anos, eu só conhecia Mestre Getúlio, que residia no Bairro Amapá e mantinha, ao lado de sua casa, uma velha oficina de motores de popa, com várias peças e carcaças de Archimedes.

Foi ele quem colocou o meu para funcionar e me ajudou a pilotá-lo no Rio Tocantins, em 2017. Mestre Getúlio tinha uma voz mansa e também havia consertado motores para meu pai no passado.

Getúlio Filho herdou a profissão do pai e me enviou uma mensagem, também de áudio, informando sobre a morte do patriarca, ocorrida em 22 de janeiro deste ano. Nos anos anteriores ele lutava contra um câncer na próstata, que acabou por vencê-lo. “Ainda estou trabalhando aqui em alguns motores, mas não mexo com Archimedes”, confessou.

Uma pena. Claro, também não daria dinheiro, porque são raros os motores dessa estirpe em Marabá, atualmente.

Terei de me contentar em mandar reformar a carcaça, pintar e guardar em um lugar especial em minha casa e relembrar de meu Archimedes funcionando apenas em vídeo e fotografias.

Archimedes eram motores utilizados principalmente no Itacaiunas para “baixar” castanha-do-pará dos igarapés. Tinham muita força e empurravam barcos grandes que transportavam até 12 toneladas da amêndoa.

Quantas vezes, eu acompanhava papai subindo o Itacaiunas de Penta até mesmo durante a noite, ele guiado apenas pela experiência, intuição e excessiva carga horária de transposição das cachoeiras. Batia um frio, mas era bom. Melhor ainda era sentir o cheirinho de comida que mamãe fazia dentro do barco mesmo. Eram três dias de subida até a foz do Tapirapé e de lá para o Rio Branco.

Se fosse hoje, com o preço da gasolina nas alturas, viajar tanto tempo de Penta quebraria a firma.

Então, se o último mecânico de Archimedes já descansou, é melhor mesmo eu aposentar meu motorzinho.

* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

Ulisses e Mestre Getúlio pilotando o Archimedes no Rio Tocantins em 2017