Correio de Carajás

Na pindaíba, a gente comia até farofa de ovo

“Quando aparecia uma grana, mamãe fazia questão de comprar o peixe na porta da rua, para que os vizinhos soubessem que o almoço, naquele dia, não ia ser ovo”.

Lá em casa, na Travessa Lauro Sodré, Velha Marabá, íamos mais a botequim comprar ovo do que ao açougue. Naquele tempo, bife não era pra todo lascado. A gente não podia reclamar do cardápio e quando o dinheiro dava para comprar um cambo de peixe dos filhos do Seu Michel, que passavam até duas vezes por semana, era motivo de alegria (e ostentação).

Sim, leitor, quando aparecia uma graninha, a gente fazia questão de comprar o peixe na porta da rua, para que todos os vizinhos soubessem que o almoço, naqueles dias, não ia ser ovo. Desde pequenino tive de aprender, com os primos mais velhos, como escamar o peixe e titicar bem fininho para que as espinhas não aparecessem na hora de comer.

Das coisas simples da memória, tenho o prazer de buscar o gosto da farofa de ovos e achar bom ver minha mãe chegar, vinda do Mercador Botafogo ou do Soraya com duas sacolas de compras para passar a semana toda, tendo dentro de uma delas uma cartela de ovos.

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A farofa era sinal de que a pindaíba campeava o fim de mês. Mas quando o dinheiro ficava mais rareado ainda, eu, menino de sete, oito anos, ia comprar ovos na mercearia do Cabelo Duro, às vezes acompanhado de minha irmã Raquel Pompeu, e trazíamos meia dúzia embrulhada num papel que antes empacotava um maço de Hollywood.

A enchente de 1980 nos expulsou para a Nova Marabá e fomos nos espremer em uma casinha da Cohab de 8×6 metros na última quadra da Folha 17 – lá embaixo – onde a melhor parte era ter um quintal grandioso, onde podíamos fazer de quase tudo: plantar, correr, e até jogar futebol em um campinho improvisado. E ali, onde também passamos momentos de pobreza, mamãe conseguia amenizar o sofrimento dos três filhos que ainda moravam com ela junto com os dois sobrinhos que teve de adotar pela morte da mãe.

Com mais espaço, finalmente, ela conseguiu criar algumas galinhas poedeiras. Era outra versão para nossa escapatória, porque de repente nossa alegria também era catar no quintal os ovos que as galinhas haviam botado. Aperreadas e alarmentas. Tinha tempo de encontrar muitos em ninhos menos prováveis e até guardar uns, em lata vazia de Ninho, para deitá-los quando fosse lua grande. Vida de criança sem poedeiras e esses achados não tinha muita graça.

Pois, por causa disso, penso que nenhum restaurante ou cozinheiro metido a chef pode se dar ao pecado de não ter no cardápio: farofa de eggs.

Humm! Não tenho grandes memórias para as carnes de vaca. Principalmente as guisadas. Talvez porque não fosse uma constante e a lembrança não guardou. Uma ou outra. Um cozido com coentro, batata inglesa, couve e tutano feito por mamãe e pirão. Dava na fraqueza.

Mas não consigo encher a boca d´água, não me apetecem as paneladas, sarabulhos, buchadas, dobradinhas, tripas e testículos do boi. Acho bonito quem aprecia as limpinhas. Os que se “estoporam”, enchem o rabo até o pescoço e passam mal porque têm mais olhos do que a barriga.

Foi ali que nos reinventamos para não passar fome porque papai ficava várias semanas enfurnado no garimpo de Serra Pelada atrás de ouro. Plantamos de quase tudo. Jambeiro, cana caiana, uma horta que quebrava muito o galho e que regávamos logo cedinho, antes de ir para a escola, e também à tardinha.

Suco pra gente, naquele tempo, era só quando o pé de vinagreira florava ou dava seu fruto. A gente retirava as pétalas vermelhas, colocava dezenas delas em um litro de 51 limpinho – com água – e deixava passar 48 horas. Depois, era só pôr todo o líquido na jarra, adoçar, deixar algumas horas na geladeira e estava prontinho. Uma delícia!

Hoje, com frango de granja e costela disputando lugar na geladeira, reconheço que o quintal de casa perdeu o encanto de outrora porque o cimento não deixou nenhum cantinho para plantar ou criar galinhas.

 

* O autor é jornalista do CORREIO há 25 anos e escreve crônica às quintas-feiras