Correio de Carajás

Meu pai, minha mãe, eu e o machismo sem-fim

Dia desses, em setembro, em uma revista de moda, li um texto sobre comportamento abusivo em um relacionamento afetivo e fiquei com uns pensamentos pra lá e pra cá. Não imagino como uma mulher ou um homem se deixam, no caso, apanhar ou ser tirado da vida por quem diz que os ama. Falo da violação física para me referir sobre o extremado. Mas antes do tabefe, da pisa, do empurrão, do pontapé, do murro, do acocho no braço, há um caminho tão perfurocortante quanto um segadeira.

É o constrangimento por atitudes e repertório de lugar comum que se perpetuam entre gerações de meninos e meninas. Principalmente, e gritante, entre meninos. Mesmo tendo sido criados por mulheres. Nessa cadeia violenta, penso, não há uma ordem linear das coisas. Pode haver um padrão. Mesmo viva, alguma moça ou senhora pode estar morta há tempos pelos maus tratos do palavrório sem nunca ter levado um beliscão ou ter puxado fio de cabelo. Fiquei pensando em minha mãe. E acho que poderá ficar chateada com o que estou escrevendo. Ou talvez compreenda o lado didático.

Há anos, reclama de uma queimação supostamente nas costas ou região da digestão. E já fomos (minhas irmãs e ela) a mais de uma dezena de médicos de várias especialidades. Foram feitos exames diversos, repetidos, e ainda bem que nunca deu nada. No máximo, alguma coisa próxima a uma gastrite besta ou uma dessas intolerâncias.

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Mas a queimação e o desassossego insistem nos dias dela. Tenho a impressão que, aos 79 anos, minha mãe sofra de ter sido de uma geração em que poucas mulheres deram um basta na ordem machista das convivências. Separada há mais de 30 anos, minha mãe não quis mais nenhum companheiro. A experiência, mais ruim do que boa com meu pai, a tirou do prumo e hoje esses sapos suas costas que nenhum médico descobre a causa ou atribui ao emocional. Pode ser.

Não irei demonizar meu pai, não carece e muita roupa já foi lavada até quase desbotar. Mas vi cenas que talvez justificassem, ainda hoje, os desconfortos dela, inclusive com tiros de espingarda que quase tiraram sua vida. Também não a coloco apenas como vítima. Mas no que toca o machismo e o comportamento abusivo, meu pai não foi exemplo para nenhum dos filhos. E basta de culpar o tempo ou o tal espectro histórico. Se a história diz que nossos arquétipos são atávicos no mandonismo masculino, então mudemos de agora para frente.

Não rasgaria um vestido de Maria José porque parte dos seios dela estaria à mostra. Nunca o fiz, mas testemunhei como menino. Talvez ali, fosse a hora da virada de quem era constrangida há tempos e se contentava com momentos de arroubos de afetos e, depois, lições de morais, crenças escrotas, e padrões perpétuos de um macho heterossexual.

Falei da mamãe e de meu pai, mas passa por mim também. Passa por adolescentes e moços com os mesmos comportamentos de achar que existe uma roupa de puta e uma roupa de mulher. Um batom que não se pode usar. Uma garota que é pra casar e outra “para se comer”.

É também a história de um empresário marabaense, muito macho, rico e provedor, que se vangloriava nos bastidores de uma entrevista por ter trazido uma filha que teve fora do casamento para a esposa criar. Constrangimento. Às vezes, o que nos orgulha afeta o outro, dói.

Comportamento abusivo em um relacionamento passa pelo machismo. Mas atravessa, mais ainda, a desrespeitosa falta de noção de que não há posse nos encontros. Duradouros ou fugazes e para qualquer gênero. Estou mapeando os meus. Sem querer ser fofo com as mulheres, com amigos e amigas gays nem com quem pode se achar constrangido. Não estou impune. Não mesmo. No WhatsApp não respondo mais, já disse aqui, nem compartilho o que pode perpetuar um preconceito. Pode ser noia antes da compreensão, mas estou achando melhor.

 

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica às quintas-feiras

 

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.