Correio de Carajás

Mãe sempre foi entidade sagrada para a molecada

Podíamos desejar as irmãs uns dos outros, chamar de cunhado. Comer com os olhos as tias jeitosas… E, também, se enxerir para as primas que apareciam nas férias ou em festas. Mas com a mãe do outro, não!

Carlos Alberto, um colega da adolescência, hoje mora em Goiânia, para onde foi ser cobrador de ônibus. Vive feliz na capital e vez ou outra volta a Marabá para mergulhar no passado feliz na Folha 17, onde até hoje a parentada dele reside.

Mas o Carlinhos, que era apaixonado por vôlei como eu, tinha outra paixão que não andava revelando para todo mundo. Ele tinha querência pelas mães dos outros. Gostava de ir na casa da gente só pra trocar alguns bolos e tapiocas de conversas com a mãe dos amigos. Ou até mais coisas. Olhar como era a mãe dos outros sempre lhe interessou.

Leia mais:

Lembrei da mãe de outro amigo da Folha 16. Para Carlinhos, tão apaixonante que se atrevia de esperá-la na parada de ônibus, quando ela retornava dos plantões no antigo Hospital do Sesp. E toda vida, inventava que também tinha chegado um pouco antes e que havia (sempre) uma coincidência.

Uma desculpa para acompanhá-la, se oferecer para levar seus pacotes. Trocar algumas palavras e, encabulado de paixão, ficar mudo durante quase todo o percurso até a casa dela. Cinco minutos ou um pouco mais. Era vizinha da casa de sua avó, na mesmo na Folha 16.

Mãe era uma entidade meio sagrada entre os moleques de rua. Podíamos desejar as irmãs uns dos outros, chamar de cunhado. Comer com os olhos as tias jeitosas, que vestiam shorts curtíssimos, tamancos, e decotes cruéis. E, também, se enxerir para as primas que apareciam nas férias ou em festas.

Mas com a mãe do outro, não. Era intocável. Não havia acordo e poderia dar numa intriga de tabefes e nunca mais se falar. Era quase um ser assexuado ou bibelô precioso posto em cima da geladeira.

Tão assim que uma briga entre pivetes papocava justo quando o nome da mãe era dito em vão. “Minha mãe, não! Não meta o nome dela no mei, não, fi-duma-égua!”. E o pau cantava no corredor da escola ou no meio da rua, jogando peteca.

Quanto à mãe de nosso amigo em comum (não vou falar o nome porque a veia ainda está viva), Carlinhos pensava que tinha feito tudo para não dar na vista. Mas estava na cara, ele babava a mulher. Fazia tudo para ficar perto ou ser notado.

Quando não estava no Pequeno Príncipe, pela manhã, ia para a casa da avó à tarde e, às vezes, até dispensa as peladas de vôlei que a gente jogava na rua da casa dele. Aos domingos, até carregava as sacolas dela da feirinha até a cozinha da mulher. Ciscava as ervas daninhas do jardim, ensinava o dever pra filha mais nova, ajudava ela a estender as calcinhas e os sutiãs que cheiravam a Giovanna Baby…

Um dia, ele criou coragem e disse que estava apaixonado pelo cheiro dela, por sua presença. Carinhosamente, a mulher beijou seus 14 anos de idade. Nos olhos e, demorado, na ponta de seu nariz. Só não voou porque ela o segurou.

Durante duas semanas nem dava as caras no vôlei e no videogame na casa do Rudinei, que era selado toda quinta à noitinha.

Mas o problema não demorou a aparecer. O outro amigo e o pai dele descobriram. Uma fofoca tomou conta das folhas 16 e 17 e a acusaram de seduzir Carlinhos. Não era verdade. O garoto jura, até hoje, aos 50, que ficou apaixonado porque ela era apaixonante.

Apanhou do filho da mulher, que era nosso amigo, e da própria mamãe, mas não negou a paixão. Sei que a família da mulher se mudou da 16 para a 19, que ficava mais perto do hospital (mas também de outro campinho onde a gente jogava futebol, na rotatória do Hotel Vale do Tocantins.

E quando Carlinhos tinha febre muito alta – uma vez comeu manga com leite e outra porque pegou papeira – delirava o nome da mãe do nosso amigo…

O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira