Correio de Carajás

Inventário do imaginário da Patópolis marabaense

HOJE É DIA de apresentar ao leitor de Ouriço Cheio uma espécie de inventário do imaginário que povoava a mente dos marabaenses. Em especial, a mente das crianças e dos adolescentes que cresceram ao longo das décadas de 70 e 80. Quando a televisão era escassa, quando não era hora de jogar futebol no Granito, ou quando a aula terminava mais cedo na Escola Plínio Pinheiro, era hora de ir para a Maradisco ou uma banca qualquer da Velha Marabá.

COMO EU, DIVERSOS MENINOS e adolescentes daquela época faziam de tudo para ter acesso a um exemplar do Tio Patinhas. Eu lia boa parte na loja mesmo (de graça), mas às vezes engraxava sapatos, vendia chopp ou peixe do Seu Michel Athie para conseguir comprar uma revistinha que julgava não poderia ficar sem.

POR TEMPOS FREQUENTEI Patópolis. Ficava em qualquer esquina onde tivesse uma banca. Entrava por lá e me perdia, tardes e tardes, perambulando por suas praças coloridas e ruas de calçamento. Patópolis recendiaa páginas novas de revistinha recém-chegada. Um aroma de pão quente com manteiga desfazendo-se no café preto ao mergulhar o pão no copo.

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CHEIRAVA TAMBÉM A TORTA de maçã da vovó Donalda, esfriando na janela. Pensava eu, que janelas e parapeitos existiam pra esfriar tortas. Porém, maçãs não nasciam lá em casa. Goiabeiras. A não ser que padecêssemos da garganta e nos atacassem com Bezetacil pra desinflamar as amídalas de sorvete. As argentinas vinham como remédio e desejo canelau. Enroladas em seda roxa de encomenda e infância.

VOVÓ DONALDA NÃO ERA minha avó, mas desejava ir nas férias ao sítio dela e topar com algum urso na Nova Marabá. Acreditava que lá existiam macieiras, pés de amoras doces e morangos. Tudo verdinho, e no inverno nevava. Bom pra brincar de fazer boneco de neve quando chegasse o Natal e encontrar Huguinho, Zezinho e Luizinho com um gorro de Noel.

EM PATÓPOLIS, COMECEI a encafifar, só havia sobrinhos, tios, avós. Nem pai, nem mãe. Patos órfãos e psicologicamente perturbados. Um unha-de-fome, outro esquizofrênico, um que se achava sortudo. Cachorros patetas, rato metido a herói e dono de um Pluto, cavalos mal resolvidos, papagaios malandros e um periquito inventor.

AS FEMININAS, COITADAS, eram chatas e titias. Namorados que nunca se decidiam e o tempo passando em almanaque. Toda moça que virava coroa, pra mim, era Margarida. Minnie, Clarabela. E, engraçado, geralmente tinham uma bundona, eram gulosas e combinavam o laço vermelho do cabelo com a calçola de bolinha.

MINTO. OS IRMÃOS METRALHAS [gostava deles] tinham mãe. Malvada e boa. Mas o Mancha, o João Bafo-de-Onça, o Ranulfo, a Madame Mim, a Maga Patalógica e o Patacôncio, não. Nem o Morcego Vermelho, o Super-Pateta [e o super-amendoim], o Super-Pato ou o Lampadinha. Nem uns meninos da minha rua.

 

ANDEI COM ESSE PESSOAL por muito tempo. Brinquei. Foram eles que me ensinaram a ler. Depois fui apresentado a uma boneca de pano que falava, um sabugo de milho que decorava a tabuada e um vidro azul que pensava. Vez ou outra, volto a Patópolis. E nunca achei que o Pato Donald é gay (se fosse não teria problema) ou que o capitalismo é a melhor coisa da infância.

 

 

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.