Quatro entidades marabaenses tiveram suas prestações de contas reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA), e devem devolver R$ 1.901.706,88 aos cofres públicos, conforme determina os acórdãos constantes na lista das contas irregulares. Tratam-se de casos antigos, onde supostamente houve uma má aplicação do dinheiro público ou uma falha na hora de apresentar os gastos pelas instituições, sendo que, entre as quatro, há uma Igreja.
A lista é elaborada pelo TCE, atendendo à Resolução nº 23.627/20, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que instituiu o “Calendário Eleitoral das Eleições 2020”, onde contém o prazo para entrega do levantamento, que neste ano caiu em um sábado (26), sendo entregue no dia 25 de setembro. A lista, com cerca 1.200 registros, contém a relação daqueles que tiveram suas contas julgadas irregulares no período determinado pela legislação.
O prefeito Tião Miranda conseguiu sair ileso do crivo do TCE, o que o possibilitou se candidatar novamente ao cargo que já ocupa. Segundo o secretário de Representação do TCE em Marabá, Rafael Larêdo, não houve constatações de irregularidades nas contas de Marabá durante a gestão de Tião.
Leia mais:Acontece que para concorrer a uma reeleição, o candidato precisa estar com suas prestações de contas “ok”, o que não ocorreu em outros municípios, como Tailândia, por exemplo, onde Paulo Liberte Jasper, o prefeito Macarrão, ficou inelegível devido às irregularidades em suas contas.
A IGREJA
A casa cristã que teve suas contas julgadas irregulares é a Paróquia São João Batista, da Diocese de Marabá, que utilizou recursos da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE) em 2011 para viabilizar alimentação aos presos de Justiça de Jacundá, responsabilizando o pároco Gilmar Fornasier, que estava à frente da igreja na época.
Além do padre, o superintendente, à época, Francisco Mota Bernardes, também foi responsabilizado, tendo que pagar multa “pela falta do laudo conclusivo, em claro descumprimento a resolução nº 13.989/95”, conforme o acórdão, que não informa o valor da penalidade.
Com isso, R$ 9.308,32 deverão ser devolvidos ao Estado, além de multa ao padre Gilmar, por ser o responsável pelas contas irregulares, no valor de R$ 847,00.
OBRAS?
A segunda entidade que sangrou os cofres públicos, segundo o TCE, foi a, hoje extinta, Associação para Desenvolvimento do Município De Marabá (ASDEMA), que levou R$ 1.110.000,00 da Secretaria de Estado de Transportes (SETRAN) para realizar obras na zona rural do município. Porém, as obras nunca tiveram suas contas regularizadas e talvez não tenham sequer sido entregues.
A primeira obra foi requisitada por convênio em 2004, com a reabertura e recuperação de ramais vicinais, no valor de R$ 250.000,00. A SETRAN apresentou um laudo conclusivo e relatório de acompanhamento que atestava o cumprimento da obra, porém, foram verificadas irregularidades apontadas no relatório preliminar elaborado pelo Departamento de Controle Externo (DCE) do tribunal, responsabilizando o ex-presidente da ASDEMA, Marciano Vidal Monteiro, e o ex-secretário da SETRAN, Pedro Abílio Torres do Carmo.
Com isso, foi solicitada a devolução do valor total repassado pela SETRAN, além de multa pelo dano causado ao erário estadual, possivelmente pela não realização da obra, que estava tida como realizada por Pedro Abílio.
Em 2005, um novo convênio com a SETRAN foi realizado, desta vez para construção de pontes metálicas na vicinal que liga a Vila Itainópolis à Vila Canaã, na zona rural de Marabá, no valor de R$ 300.000,00, sendo repassado pelo Estado em duas parcelas iguais, sem previsão de contrapartida. As falhas começaram quando o prazo regimental foi descumprido, pois a vigência do convênio foi de 30/06/2005 à 30/12/2005, mas a remessa das contas ocorreu apenas em 14/04/2006.
Apesar do Relatório de Acompanhamento e Fiscalização Técnico e Conclusivo de Convênio ter atestado a execução do convênio de forma sucinta e genérica, o Ministério Público de Contas do Estado do Pará (MPC-PA) observou que constavam impropriedades no documento, como: a utilização de mililitros como medida das pontes; e ausência de fotos da obra.
E não para por aí, pois também foi constatada a ausência de processo licitatório, nota fiscal sem data, e a falta de documentos necessários para a instrução processual, apontados pela Controladoria da Corte de Contas. Com os lapsos identificados, foi sugerida a devolução do valor total do convênio, além da aplicação de multas aos envolvidos.
As falhas formais, como a ausência de cláusulas essenciais ao instrumento do convênio e, também as graves irregularidades como notas fiscais e recibos sem datas, ausência de processo licitatório e inexistência de conta específica, deu forças para o MPC opinar pela devolução dos recursos.
Para se defender, o ex-presidente da ASDEMA, Marciano Vidal, apresentou documentos para comprovar a efetiva aplicação dos recursos obtidos – recibos de quitação em original e declaração da empresa que emitiu as notas fiscais, com Carta de Correção correspondente – e, quanto a não realização do processo licitatório, justificou no fato de que a associação não dispõe de recursos financeiros e humanos para a realização do certame e defende que entidades privadas não são atingidas pela Lei de Licitação.
Mas, para o MPC, a Carta de Correção apresentada é ilegal, pois o procedimento é vedado para corrigir erros relacionados à data de emissão ou de saída. O sócio da gráfica que supostamente teria emitido a referida nota fiscal declarou que ela “sofreu falsificação e que não havia sido impressa em sua gráfica”.
Diante de tantas irregularidades, o MPC citou todas as partes envolvidas, porém o ex-secretário, Pedro Abílio, defendeu-se alegando que o relatório de acompanhamento e fiscalização apresentado se trata de um modelo criado e utilizado pela secretaria, há décadas, com o fim de facilitar a elaboração do relatório exigido e, anexa à sua defesa, fotografias das pontes construídas.
Em contrapartida, o MPC argumentou que as fotos anexadas na defesa mostram pontes construídas de madeira, e não metálicas conforme o convênio determinava, além de não ser possível identificar seu local exato. Em janeiro de 2019, o Ministério Público do Estado (MPPA) ingressou com uma Ação Cível Público contra Marciano Vidal, Pedro Abílio Torres, e Francisco Carlos Domingues Cidon, que atuava como engenheiro da SETRAN em Marabá e região.
Na época, Pedro Abílio se defendeu dizendo que efetuou o repasse a mando do governador do Estado, e que os valores foram liberados após apresentação de um plano de trabalho da obra, que foi verificado pelo setor técnico do órgão. Francisco Cidon disse que na época fez-se presente ao local antes de emitir o laudo acerca da conclusão dos trabalhos. Já Marciano Vidal, negou-se a prestar declarações acerca das denúncias.
Em 2006, a ASDEMA firmou novo convênio com a SETRAN, no valor de R$ 450.000,00, com a finalidade de recuperar a estrada vicinal que liga o assentamento três poderes à Vila Capistrano de Abreu, na região do Rio Preto, também na zona rural de Marabá. Ao que parece, a obra não foi realizada, tendo em vista que a 4ª Controladoria de Conta de Gestão (CCG) opinou pela devolução total do valor repassado e mais multas.
Foi constatado a ausência de Laudo Conclusivo, mais uma nota fiscal sem data, sem atesto, e emitida à SETRAN ao invés da Associação recebedora dos recursos, além de já ter sido emitida ao Departamento de Trânsito do Estado (DETRAN) em data anterior, conforme consta no acórdão.
Marciano defendeu-se dizendo ter carecido de assessoria que o instruísse acerca da documentação correta para prestação de contas, sem, entretanto, refutar os achados sobre a ilegalidade da nota fiscal e sobre o aspecto material da obra, a qual, ressalta-se, a dois dias do encerramento da vigência do Convênio, em 04/12/2006, não havia sido iniciada, conforme atesta os documentos, juntado aos autos por Pedro Abílio.
Abílio alegou que a vigência de convênio encerrou após o fim de sua gestão à frente da SETRAN, o que não justificava exigir providências no momento da fiscalização que contatou em 04/12/2006 a não realização da obra. As defesas não foram suficientes e os conselheiros do TCE julgaram irregulares as contas, condenando-os a devolver o valor repassado pelo Estado com as devidas multas.
SAÚDE NADA ECONÔMICA
A terceira entidade julgada com contas irregulares foi a Pró-Saúde, condenada pelo TCE a devolver R$ 762.398,56 ao Estado por ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; sonegação de processo, documento ou informação para o controle externo; e descumprimento de prazos estabelecidos pelo TCE, conforme a Lei Complementar n° 81/2012.
A entidade filantrópica realiza a gestão de serviços de saúde e administração do Hospital Regional do Sudeste, em Marabá, e também foi condenada a pagar multa de R$ 1.500,00 pelo dano ao erário, R$ 650,00 pela grave infração à norma legal, R$ 650,00 pelo não atendimento à diligência do TCE, e R$ 650,00 pela instauração de tomada de contas.
O gestor à frente da entidade na época, em 2008, era Paulo Roberto Mergulhão, que recorreu alegando que não poderia ser condenado à devolução dos recursos, “pois a Pró-Saúde não descumpriu determinação prevista no art. 16 do Decreto Estadual n° 3.876”, segundo o acórdão.
Ainda em sua defesa, Paulo argumentou que o dinheiro público foi utilizado para contratação de obras e serviços, bem como para compras, e que o interesse público foi atendido, “ainda que a escolha adotada para seu atingimento não tenha sido aquela mais econômica ao ente público”, conforme o acórdão.
A 6ª CCG, em manifestação técnica, ratificou na íntegra o seu relatório técnico e o acórdão recorrido, para que seja mantida a irregularidade das contas, com devolução e aplicação das multas. Já o MPC, destacou que “o desfalque de verba pública é incontestável, e a irregularidade das contas é inequívoca”, diz no acórdão.
Com isso, os conselheiros do TCE julgaram que Paulo não foi capaz de sanar as falhas que lhe foram imputadas e a economicidade foi claramente desrespeitada, como foi constatada no parecer técnico elaborado pela 6ª CCG e reiterado pelo MPC. O provimento foi negado e a devolução do recurso ficou mantida, bem como a aplicação das multas.
APAE MARABÁ
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Marabá (APAE) foi a quarta entidade constante no levantamento do TCE, que julgou irregulares as contas referentes ao convênio com a Ação Social Integrada do Palácio do Governo (Asipag), firmado em 2004, para a construção da cozinha da sede da entidade em Marabá, no valor de R$ 20.000,00. Na época, o gestor responsável pela Associação era Leonildo Borges Rocha, o falecido Léo da Leolar.
Várias falhas foram identificadas pela 6ª CCG na instrução processual, tais como: pagamento de despesas antes do repasse dos recursos; utilização de recursos estranhos ao convênio; transferência de recursos para conta corrente diversa da conta convênio; ausência de pagamento de mão de obra relacionada com a mesma e ausência de planilha de quantitativo de serviços e de custo de forma a ser demonstrada a dimensão da obra e seu custo.
Foi apresentada defesa, porém a Secretaria de Controle Externo do TCE manteve seu parecer sobre a irregularidade. O MPC deu o mesmo parecer e ainda opinou pela devolução total do valor da verba, porém, com isenção de multas devido à pessoalidade da pena.
A gestora da Asipag, Sônia Lúcia Bastos Maranhão, foi citada para apresentar o laudo conclusivo do objeto conveniado e após muitas tentativas de defesa, ela compareceu ao plenário do TCE para apresentar defesa oral, onde reforçou que o órgão zela pela responsabilidade da prestação de contas e orientação ao conveniado sobre a importância de fazê-la.
Ela também destacou que devido às limitações do orçamento, e da capacidade operativa que era disponibilizada para gerir a ação social, não havia quantidade de pessoal técnico e recursos orçamentários financeiros que garantissem o deslocamento e as diárias para que pudessem ser feitas as fiscalizações do uso dos recursos repassados.
“Então, diante disso, eu não considero, desculpem discordar, isso como um dolo criminal ou uma falta de zelo pelo recurso que me foi confiado. Apenas justifico a inexistência, a minha incapacidade operacional em atender em tempo hábil tudo o que era exigido ao se assinar um convênio”, explicou-se, Sônia, ao TCE.
Sendo assim, os conselheiros do tribunal decidiram deixar de atribuir a responsabilidade também à Asipag. Porém, a dívida deste convênio não foi esquecida, ainda constando como irregular no levantamento do TCE.
POSICIONAMENTOS
O Portal Correio procurou as entidades mencionadas na lista do tribunal para se manifestarem, caso queiram, de forma atualizada, sobre as contas irregulares constantes na lista.
Duas mulheres, membros da Pastoral da Comunicação (Pascom) da Diocese de Marabá, foram procuradas, e o contato do padre Gilmar Fornasier foi solicitado, porém, nenhuma soube informar, complementando que a Paróquia não existe, sendo que a mesma foi localizada no GPS com endereço no Bairro Laranjeiras.
A atual gestora da APAE, Socorro Cavalcante, foi procurada e informou que o caso é antigo, porém, que a Associação em breve se manifestará. O Portal Correio fica no aguardo.
A Pró-Saúde informou em nota que “a condenação citada, referente ao ano de 2008, recai sobre a pessoa física de um antigo gestor que não faz mais parte do quadro da entidade desde 2013. A entidade recebeu apenas recomendações que, conforme diretrizes institucionais, são cumpridas rigorosamente”.
Ainda em nota a Pró-Saúde reafirmou seu compromisso com ações de aprimoramento de suas práticas de governança e transparência, conforme preconiza o seu Código de Ética e de Conduta, e reiterou que permanece à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas dos órgãos de controle.
A instituição destacou ainda, na nota, que cumpre rigorosamente os contratos de gestão e realiza prestação de contas regulares às instâncias competentes.
A Reportagem não conseguiu localizar Paulo Roberto Mergulhão, Pedro Abílio Torres, Marciano Vidal e Francisco Cidon, porém, fica aberto o espaço, caso pretendam se manifestar. (Zeus Bandeira)