Correio de Carajás

Fora o antropocentrismo; é a vez dos bichos e rios

Em pelo menos 90% das crônicas que tenho escrito aqui neste espaço, desde 2015 – portanto há quase oito anos – o ser humano tem sido o protagonista: relacionamentos, memórias, tragédias e, claro, amores.

Há algum tempo venho tentando me desfazer da escrita antropocêntrica. Mentalidade e rotina caduca, jeito enviesado de olhar ao redor. Pode ser besteira, pode, mas no detalhe me faz bem quando, dificilmente, consigo. E hoje é um desses dias, em que o bicho homem não é o foco principal.

Prefiro, nesta fase, tratar tudo que nasce na Terra por “ser vivo”. Uma obviedade. Deixar a soberba de “ser humano” sobre os viventes e morrentes que por aqui vão findando e rebrotando.

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Deixar dessa besteira de que o “homem” é a história mais importante do universo. Fosse assim, não teria inventado tanto lixo. Não vi, até hoje, nenhum bando de pássaros asfaltar a floresta ou alagar a cidade.

Nenhum rio tocou tanto fogo em coivaras e nem na mata que nos cerca nessa cidade cada vez mais marcada pelo cimento. Nem os sapos extinguiram os vagalumes. Na Velha Marabá, quando fui menino por lá, existiam sapos e vagalumes.

Existia também revoada de morcegos das 17h30min até 18 e pouco. Eles atravessavam a cidade do Tocantins para o Itacaiunas.

Não foram castanheiras que desapareceram com os vagalumes, com as mariposas bem-vestidas no “veludo”. Nem foram as galinhas-d’água, de voo rasos, que passaram o trator na última mata do bairro onde moro atualmente.

Nunca vi calangos aterrarem lagoas nem córregos. E conta a história, não terem sido as cobras as sufocadoras da Grota Criminosa no concreto.

Ela ainda nasce por ali, no Km 7, logo atrás do conjunto de concessionárias do Grupo Revemar. Está lá embaixo, encanado, a gente ainda conversa com ela.

Sintomático, pouquíssimas são as ruas com nomes de bichos. Talvez porque, de verdade, nunca foram importantes para os responsáveis pela nominação das vias públicas nos quatro cantos da cidade.

É porque um vereador não sabe dos grandes feitos de um cardeal-da-amazônia. De quão importante é um pica-pau. E qual a linhagem de um curió.

Nunca trafeguei por um beco que se chamasse Rua dos Caburés. Uma avenida então, nem pensar. Imagine a Antônio Maia passar a se chamar Avenida Periquito da Amazônia?

Poderia ensinar assim, siga pela Rua dos Botos. Quando chegar na esquina dos Curica, a moça dobra à esquerda e se atravessa toda pela Alameda dos Beija-Flores-Vermelhos.

Mais adiante é o cruzamento dos Guriatãs. Chegando lá, a distinta senhorinha estará perto de seu destinatário ou destinatária.

Nos condomínios do Grupo Mirante, há ruas e alamedas com nomes de árvores, mas são exceção. Acho mais bonito dizer “estou nas Alamedas das Acácias” do que na Avenida Duque de Caxias.

O duque deve ter sido muito importante para alguns. Mas nenhum pássaro? Nenhuma raposa? Nenhuma paca foi “relevante” pra cidade?

São importantes, sim. Sem ter apenas pendor de mercadoria. Existem ou existiram na casa, nalguma rua onde já fomos quintal. E ainda insistem, generosamente, em não ser extinto.

Achei bonito um amigo, chamado Carlos Almeida, berrar que as pessoas nunca deixaram de existir em quatro anos, mesmo que Bolsonaro tenha tentado contra o “existirmos”. E nem nas quase quatro décadas do PT.

Como marabaense raiz, nascido e criado aqui, nunca fui contra o projeto da Prefeitura de Marabá em alterar os nomes de Folhas e Ruas do núcleo Nova Marabá para os de pássaros e frutas. Deu polêmica, a prefeitura recuou, mas seria um bom começo.

É óbvio, todos os animais têm o mesmo direito que tenho de ser livre e não ser morto.

As borboletas, as tartarugas que desovam na Praia do Tucunaré, os preás, os guaxinins, os periquitos-do-papo-amarelo, os rouxinóis…

As nascentes, os olhos d’água, os rios generosos… As plantinhas miúdas que dão flores nas coxias e os pés de alecrim… vocês existem.

Existem. Não porque o “homem” quer ou porque “categorizou” a “importância”. É porque Deus os criou, são existência, simplesmente assim.

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.