Correio de Carajás

Escândalo na Secretaria de Saúde

Com base em denúncias anônimas (mas bastante detalhadas), o órgão do Ministério Público Estadual em Marabá abriu uma “Notícia de fato”, que é um procedimento inicial para investigar possíveis irregularidades na Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Entre as denúncias está o pagamento irregular de plantões, diárias e sobreavisos para profissionais da Saúde, notadamente médicos e enfermeiros; há também investigação em relação à aquisição de materiais e insumos para a secretaria. Para se ter uma ideia dos absurdos que estariam acontecendo, um único médico teria trabalhado 96 horas seguidas, o que é humanamente impossível.

Nos últimos dias não se fala em outra coisa no meio político local, inclusive, há menos de um mês o prefeito Tião Miranda mudou seu gabinete para a SMS e nomeou como secretário municipal de Saúde o advogado Luciano Lopes Dias para tentar pôr ordem na casa.

Embora as denúncias que chegaram ao MP tenham sido anônimas, os indícios são robustos. A reportagem do jornal CORREIO teve acesso à escala de plantão do Hospital Municipal de Marabá (HMM) do mês de janeiro e início de fevereiro. Segundo a escala oficial, um médico entrou de serviço às 7h da manhã da sexta-feira, dia 28 de janeiro, e trabalhou direto até às 7h da manhã da terça-feira, dia 1º deste mês, perfazendo um total de 96 horas ininterruptas. Há fortes indícios de que essa pessoa não trabalhou isso tudo, apenas recebeu como se tivesse trabalhado.

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Há um caso mais inusitado ainda na Clínica Médica do HMM: na escala de visita médica, um único profissional está escalado para trabalhar do dia 1º até o dia 31 de dezembro. Ou seja, 31 dias seguidos escalado para fazer visitas médicas.

TONI CUNHA

A situação é tão descabida que até mesmo ex-membros do governo já denunciaram a situação publicamente. Foi o caso do ex-vice-prefeito e atual deputado estadual, Toni Cunha Sá. Em seu perfil na rede social Facebook, ele não poupou críticas à fiscalização falha na SMS. “Os sistemas de controle, os pouquíssimos que existem são muito ruins, suscetíveis a fraudes e a manipulação. Acho até incrível que sejam aceitos. O sistema de contabilidade é péssimo, de controle de pessoal terrível, de combustível não existe senão em folha de papel. Não há controle preciso usando a tecnologia sobre as máquinas, suas horas trabalhadas”, denuncia.

O ex-vice-prefeito vai mais longe na mesma publicação: “Se tivéssemos sistemas de qualidade, como exigi e cheguei a ter duros embates e não consegui, talvez esses possíveis absurdos não ocorressem em Marabá. A Controladoria, fundamental para fiscalizar, coibir fraudes em licitações e serviços públicos, não possui sequer como se deslocar com facilidade. Isso precisa melhorar. Não há pq não dar melhores condições para que se fiscalize.”

EX-VEREADOR

Outro político que soltou o verbo em um vídeo que está viralizando em grupos de WhatsApp é o ex-vereador Orlando Elias. Ele chama a situação de “farra com dinheiro público”, acrescentando que a Saúde passa por momentos difíceis em todo o País e, mesmo assim, ainda há servidores curtindo com o dinheiro público. “Isso é uma verdadeira falta de vergonha… Cadê o prefeito que não fiscaliza isso? Prefeito não é só pra fazer praça e coletar lixo, não”, critica.

O ex-vereaodr foi mais longe e disse que há médicos que receberam até 30 plantões em um mês, ganhando R$ 1 mil por plantão. Ainda segundo Orlando, há casos de enfermeiro que recebeu pagamento de 10 plantões a R$ 465 cada um. Mas obviamente esses serviços não foram realizados porque não há ser humano que dê conta.

Orlando Elias conclama a Justiça Federal a investigar o caso porque há recursos da União bancando toda essa farra. Aliás, segundo ele, houve até mesmo pagamento de festinhas particulares e viagens para funcionários da SMS custeadas com dinheiro público, via empresas terceirizadas, inclusive superfaturando valores de produtos.

O ex-vereador denuncia também o pagamento de plantões no final de semana na zona rural, onde os profissionais designados simplesmente não iam, mas apenas recebiam o dinheiro. Tudo isso é feito, segundo Orlando, porque não há fiscalização. Para ele, trata-se de uma associação criminosa (popularmente conhecida como formação de quadrilha). “A Polícia Federal tem que verificar o que está acontecendo. O que nós estamos sabendo é só a pontinha do iceberg”.

“Esses vagabundos que estão tirando dinheiro das pessoas pobres de Marabá precisam ser presos”, vociferou o ex-vereador, explicando que são os menos favorecidos os mais prejudicados porque eles é que dependem diretamente do SUS.

O QUE DIZ O MP

Também ouvido pelo jornal, o promotor Júlio Cesar Sousa Costa, que investiga os casos ligados a improbidade administrativa, disse ter recebido apenas denúncias anônimas por e-mail e pelo WhatsApp, citando nomes de servidores. “Quando (a denúncia) vem anônima, exige mais um trabalho para aprofundar”, observa o promotor de Justiça, acrescentando que identificou um viés político na denúncia.

Promotor Júlio César Costa confirma recebimento de denúncias anônimas

Independentemente disso, o Ministério Público abriu um procedimento chamado “Notícia de fato” para apurar a procedências dessas denúncias e, segundo Júlio Cesar, a partir da semana que vem o MP vai solicitar documentos sobre o ponto dos servidores e outras informações à SMS para entender melhor o funcionamento desse mecanismo e elencar as possíveis irregularidades.

CONSELHO VAI ESPERAR

Sobre o assunto, a presidente do Conselho Municipal de Saúde, Monalisa Miranda, disse que quando assumiu a presidência da entidade, ela já havia pedido a escala de plantões para verificar se tudo estava correndo bem, mas houve mudanças de secretários, de modo que agora ela disse ter sido pega de surpresa com todas essas denúncias.

Explicou também que não tem poder de investigar diretamente essas denúncias, mas, ao final dessa verdadeira devassa que está sendo feita na SMS, o Conselho irá cobrar os resultados à Secretaria. Todavia, por enquanto, ela diz que não tem como provar que existam fraudes nos pagamentos desses plantões ou pagamento de produtos e serviços. “Mas tem um ditado popular que diz que ‘onde há fumaça há fogo’”, ponderou Monalisa.

Monalisa Miranda, do Conselho de Saúde: “Onde há fumaça há fogo”

Enquanto isso, pacientes continuam sofrendo nas filas do HMM e gestantes e bebês perdem a vida no Hospital Materno Infantil (HMI). É possível que parte desse sofrimento fosse evitada, caso o dinheiro pago para serviços que não são feitos fossem direcionados para quem precisa. (Colaborou Karine Sued)

Portarias podem conter sangria

Não foi à toa que o prefeito Tião Miranda colocou como secretário municipal de Saúde o advogado Luciano Lopes Dias. Ao que tudo indica a situação lá é caótica no que diz respeito ao controle dos gastos, seja na compra de material, seja no pagamento dos famosos plantões e sobreavisos.

Para quem não conhece, Luciano já advogou para Tião, depois foi indicado pelo prefeito (quando era deputado) para assumir a presidência da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa). Quando reeleito prefeito, Tião trouxe Luciano de volta a Marabá e o colocou na Secretaria Municipal de Educação (Semed), para pôr a casa em ordem; e agora lançou o jovem advogado naquela que talvez seja a pasta mais complexa do município, a Saúde.

Resta saber se Luciano terá autonomia e condições materiais de produção para labutar com os mecanismos de controle da Saúde Municipal, que “são muito ruins, suscetíveis a fraudes e a manipulação”, como declarou o deputado estadual Toni Cunha Sá, que até um dia desses era vice-prefeito, eleito junto com Tião Miranda.

A prefeitura não fala com a Imprensa sobre o caso, mas o secretário já emitiu duas portarias, datadas do dia 5 deste mês. Na primeira ele determina um recadastramento de cada um e todos os servidores da SMS, exigindo que compareçam ao local onde são lotados, munidos de 12 documentos, inclusive o Termo de Posse.

Na segunda portaria, ele manda vedar, com efeito retroativo a partir do dia 20 do mês passado, a realização de plantões e sobreavisos, salvo em exceções que serão analisadas pela Diretoria de Média e Alta Complexidade, em consonância com os Recursos Humanos. Além disso, Luciano Lopes limita a concessão de horas extras. Informações ainda não confirmadas dizem que o novo secretário de Saúde já ordenou mais de 50 exonerações. (Chagas Filho)