Correio de Carajás

Entre dores, conjuntivite e a mulher (quase) estranha

Andei maldizendo o vento na semana que está se indo. Bodejando da claridade do amanhecer, da noite que não quis me dormir por quatro dias. Das tardes que tive de ficar chocando o tempo, óculos escuros, e uma sensação incômoda de enxergar por remelas de “dordói”. Resultado de uma conjuntivite e, súbito, dores na planta do pé.

Fui e vim aos unguentos. Recorri às compressas frias, solução de calêndula e chá de hidraste, porque me disseram no trabalho que são ótimas opções naturais para aliviar os sintomas da conjuntivite, como vermelhidão, coceira, inchaço ou irritação do olho.

O problema da dor na planta do pé esquerdo parece crônico, venho sentindo há alguns meses e é sempre recorrente depois que jogo vôlei ou tênis, por exemplo. Senti saudade do Dr. Nicomedes, que no passado cuidou de um problema crônico nos meus olhos que levou meses em tratamento.

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Uma ocasião, ele me pedia para ir ao consultório de manhã e à tarde. Vi que ficou preocupado com o que investigava por meio daquele aparelho que encaixamos o queixo, a testa e uma luz nos invade as janelas mareadas. Vamos pingar isso, vamos fazer lágrimas, vamos passar esse gel…

Minha reclamação também tinha a ver com a maré de enfermidades que aportaram em menos de um mês lá em casa. Primeiro uma dengue, depois uma “virose” e por último a tal infecção nos olhos além da conta. Talvez imunidade baixa, sedentarismo, tempo encruado de chuva, mosquitinhos cu de cachorro nos olhos ou cidade adoentada. Sei lá.

Na terça, ainda muito impaciente e aborrecido, voltei ao médico. E de lá, dei um pulo no Silvano para aparar os cabelos. A exemplo de minha mãe, talvez ela e eu tenhamos toque, quando fico enfermo (ou acabrunhado) penso que algumas coisas nos fazem enganar os germes e achar que estamos sarando. Lavar os cabelos, passar um batom, cortar as unhas dos pés e das mãos, repetir o banho pelos menos três vezes ao dia.

Fui cortar o cabelo, mesmo afogueado com tanta luz do sol e tendo que dirigir com os olhos na ponta dos dedos. Já na rua, dentro do carro de vidros abertos, fui surpreendido na janela por uma senhora, aparentemente, bem mais velha do que eu. Desejava saber onde ficava a Secretaria de Saúde do Município.

Do local onde estávamos eram pelos menos doze quarteirões de sol no juízo e calçadas sem árvores. Esquadrinhei pra ela, mas fiquei com pena dos olhos da estranha. Alguma coisa me dizia que não seria assaltado pela senhora alva, roupas simples e um ar de abandono. Se ela não tivesse medo de mim, entrasse que eu a levaria até a porta da SMS, pertinho do Samu e do Ministério Público e do Fórum. Aceitou admirada da oferta. Perguntou se minha casa era para lá. Disse que na direção oposta.

Venho do postinho de saúde do Belo Horizonte (perto da casa dela), mas lá estava lotado. Muita gente desesperada. Começou contando. É que preciso de um tratamento/medicamento e só o governo pode pagar. Tem o que, a senhora? Sou paciente de CA. Câncer? Nos seios, no pulmão e uma suspeita no intestino. Verdade? Duvidei.

É sim. Diz o médico que é hereditário. Uma tia minha teve mesmo destino. Não se arranja explicação para tanta manifestação no meu corpo. Já tirei um seio e me vi careca por vários meses. Nem era eu me olhando, uma outra. Mas desse, fiquei boa. Venho pelejando. Mostrou-me uma pasta cheia de requisição de exames, laudos e receitas.

E fomos conversando entre verbos faltantes e admirações. Vinha do Posto de Saúde, a senhora de 41 anos, três filhas moças e uma aparência de ser muito mais velha do que eu (tenho 53). Depois de passar pela Câmara Municipal e Hemocentro, cheguei ao destino dela, fui para o acostamento e parei o carro em frente à Secretaria. Há gente boa ainda nesses caminhos. Agradecida de eu sentir, me pagou com palavras e quase nenhum riso.

Não há moral da história, nem lições mediúnicas, talvez um recado dos céus. Foi um encontro possível na cidade que um dia se encruzilha. Sim, esqueci de perguntar-lhe o nome e ela o meu.

* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.