Sales era um homem forte, símbolo da virilidade nas décadas de 1970 e 1980, em Marabá. Exibia seus músculos em circos, nos desfiles de 7 de Setembro, nos bares da cidade (onde fazia apostas para vencer cana de braço). Entrou na Polícia Civil como bate pau (uma espécie de investigador) numa época em que não era necessário ingressar no cargo via concurso público.
Lá, prendeu bandidos, se tornou herói de si mesmo, até o dia em que virou alvo de uma espingarda enquanto tomava banho no quintal de sua casa. Tombou sem ter levado um murro ou tapa, embora fosse valentão. Ficou na história, virou lenda e aprendemos que os valentões podem descer para o andar de baixo muito cedo.
Semana passada, Luciana Marschall, uma jornalista perspicaz que temos na Redação do CORREIO DE CARAJÁS, fez uma reportagem sobre um grupo de adolescentes que fez reforma agrária na Praça São Francisco para usar o espaço “deles” para um ringue de luta. Os vídeos que caíram nas redes mostram meninos – adolescentes para ser mais específico – se digladiando com direito a torcida e até mesmo uma “casa de apostas informal”.
Leia mais:Eu mesmo já tinha visto aquela cena perigosa algumas vezes, quando precisei ir à agência do Banco do Brasil para alguma operação no início da noite. Eram mais de 30 rapazes e algumas meninas que “fechavam” um espaço e até mesmo causavam certo temor em quem passava por perto.
Depois da reportagem de Luciana publicada, com base em vídeo, um professor de lutas marciais também gravou um vídeo para alertar sobre os riscos de luta sem um corpo técnico e até médico por perto, já que os praticantes podem sofrer uma lesão com um soco ou queda.
Mas o que mais me espantou foi como a aba de comentários da reportagem chegou a ser “invadida” por defensores dos garotos e repúdio à publicação da notícia. Eram eles mesmos tentando transformar o ringue em praça pública um fato absolutamente normal e que o CORREIO DE CARAJÁS deveria procurar algo mais interessante para falar (reportar).
Foi só depois que a Reportagem alcançou repercussão que as autoridades resolveram frear aquela trupe violenta na praça, com jovens se esmurrando ao vivo, com transmissão por redes sociais. Não podemos fazer de conta que o errado está certo e permitir, de braços cruzados, que a futura geração de adultos seja mais violenta do que a atual e se mate em praça pública antes de completar 21 anos.
Essa violência que macula as novas gerações não está restrita à Praça São Francisco. Assim como as redes sociais, ela está nos bairros periféricos e alcançou, também, a zona rural.
Na mesma semana em que o ringue da praça foi noticiado, divulgamos, também, uma tragédia na Vila Capistrano de Abreu, tomou conta dos noticiários local, estadual e nacional. O corpo de um menino de 5 anos foi encontrado na quinta-feira passada (17), em um lago daquela comunidade. De acordo com a polícia, duas crianças e um adolescente, de 9, 11 e 13 anos de idade, relataram que agrediram o garoto e o jogaram, sem roupa, em uma área alagada.
Inconformado com a situação, o vereador Alecio Stringari, que é morador da Vila Capistrano há mais de 20 anos, desabafou na tribuna da Câmara esta semana: “É triste demais quando acontece de uma vida ser ceifada, e quando se trata de criança ainda fica pior. Como explicar, principalmente, quando outras três crianças tiram a vida de um infante?
O caso da praça não é isolado. A morte na Vila Capistrano de Abreu também não. É preciso ouvir as vozes que pedem socorro, que clamam por ajuda nas escolas, igrejas e em casa. Ou vamos assistir a uma hecatombe social sem fazer nada – ou quase nada? Vamos deixar morrer mais cedo que Sales?