Correio de Carajás

De amante de pôsteres para acumulador digital

Sou réu confesso. Na adolescência, na porta do guarda-roupa, pela parte de dentro, eu pregava pôsteres de super-heróis do meu gosto. Com cola branca tenaz ou grude feito de maisena, a mesma que a gente usava para colocar papel manteiga para fazer pipa.

Morcego Vermelho, Superpateta, Scooby doo, Ligeirinho, El Cabong e Muthey quando sonhava ser Robin Wood e se revoltar contra Dick Vigarista.

Mulher Maravilha também. Emília, Tia Anastácia, Zé Carneiro e a Cuca. A Feiticeira, Jeannie (é o Gênio), o Robô do doutor Smith…e sonhava em arranjar pôster do Homem do Fundo do Mar, minha série favorita das décadas de 1970 e 1980.

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Depois, comecei a colar as capas e páginas centrais da Playboy. Minha mãe ia lá, rasgava, puxava minhas orelhas, esfregava no nariz (talvez por isso tenha ficado tão achatado) e emendava um sermão cristão numa lição de moral contra a imoralidade. Inesquecíveis…

Magda Cotrofe de noiva. Isadora Ribeiro saindo da água do Fantástico. Tássia Camargo de Elisa de Tiêta. Cláudia Ohana e a Floresta Amazônica. Lucinha Lins, Andréa Veiga, Vera Fischer, Marina Lima, Sônia Braga… Ahh!!!

Pra comprar tanta revista, eu engraxava sapatos na Antônio Maia e comprava na Banca do Mudo as preferidas, inclusive do Tex, de leitura prazerosa.

Depois fui deixando pra lá. Nem nas paredes nem no oitão da casa nem nas portas da estante. E nas andanças pela zona rural, em muitas ocasiões, dei com a foto de algum artista, do Michael Jackson ou do pôster do Flamengo estampado na sala de receber visitas.

Minto. Emoldurado, cercado em tábuas de cor berrantes e paparicado por flores de plásticos e bostinhas de mosca.

Mas foram desaparecendo com o fim das grandes novelas. Com a derrocada do rubro-negro carioca nas décadas passadas e do futebol da Seleção, que miou também. Agora, que o Mengão está por cima, quase não se vê mais pôster, porque o mundo digital tratou de ressignificar essa paixão pelo impresso.

Restou só Papa Francisco. O líder máximo da Igreja Católica nunca deixou de fazer sucesso numa parede azul ou verde de qualquer sala simples da zona rural. Muito mais cortejado do que o quadro do Sagrado Coração de Jesus (loiro e de olhos azuis) e a lembrança da Virgem Santíssima.

Encontrei também, em algumas casas de gente que gosta de servir um cafezinho e, se fosse a hora do almoço, fazer você comer, a fotografia de Lula. Rindo e mostrando os nove dedos.

Lula não é santo, foi preso porque se deslumbrou com os ricos e levou uma rasteira merecida. Mas não é mentira, ele mudou pra melhor a vida de um bocado de miseráveis.

Favoreceu um bando de empreiteiros e também fez a alegria de um magote de batedor de panela que vivia a comprar coisas em Miami.

Bolsonaro entraria (ou vai entrar) na sala desse povo?

Pregado na parede, ladeado de santos? Perto do retrato pintado do avô e da vó?

Dilma e Temer não entraram.. Vamos esperar para ver se Bolsonaro entrará.

Em minha casa não tem mais os calendários do Armazém Paraíba ou de político, que fazia questão de enviar para o endereço de papai no final de ano. Hoje em dia, a gente acompanha as datas futuras no celular ou no computador. Com um clique, dá pra saber, rapidinho, os dias vindouros e passar o mouse sobre meses e anos, sem precisar virar a página.

Mas essa viagem virtual e fria pelo calendário da tela não tem a magia do calendário de papel, com fotos ou desenhos mágicos.

É no computador, também, que guardo as fotos que fui fazendo nos últimos vinte anos. Algumas perdi porque os Hds pararam de funcionar. Outras, subi na nuvem na tentativa de guardar para a posteridade. Tenho 4 teras guardadas no Google Drive, mas preferia os álbuns com folhas de plásticos do passado.

* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira