Há cerca de 25 anos, o tema Cuidados Paliativos era uma raridade no cotidiano médico. Hoje, segundo Marcelo Corassa, o conceito estabelecido inicialmente apresentou importante mudança de paradigma, com ampliação dos critérios para inclusão em cuidados e nas modalidades aplicáveis de conforto.
Dizer que se deve conversar sobre paliação na primeira consulta não quer dizer que uma sentença de morte deve ser transmitida logo no início. Uma abordagem multidisciplinar que visa a promover a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares na vigência de doenças que ameacem a continuidade da vida, mediante a prevenção e o alivio do sofrimento. Requer identificação precoce, avaliação e tratamento sobretudo da dor, além de outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.
A conversa inicial se baseia em explicar ao paciente que a partir daquele momento ele é portador de uma doença que pode progredir, apesar do tratamento adequado. Deste modo, se consegue fornecer autonomia ao indivíduo, suficiente para que, em caso de aproximação da terminalidade, o próprio paciente possa decidir sobre as medidas a serem adotadas em relação a sua doença.
Leia mais:Já é possível definir que a atenção para a possibilidade da instituição de cuidados paliativos deve ser grande, já que a identificação deve ser precoce. Do mesmo modo, não se pode esquecer de que se trata de uma abordagem multidisciplinar, em que não só o médico, mas também enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, entre outras profissões devem estar envolvidas.
Historicamente a abordagem de cuidados paliativos foi associada a neoplasias (cânceres). Contudo, é importante observar que a indicação ocorre em qualquer doença potencialmente grave incurável. Como certos casos de insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crônica, demências diversas, doenças neuromusculares, entre outras.
A primeira conversa sobre o tema deve ocorrer o mais precocemente possível, uma vez identificada uma doença em que a paliação possa ser adotada. Em doenças como neoplasias malignas, a ocorrência inicial sobre cuidados paliativos deve ocorrer no momento do diagnóstico. No intuito de informar o paciente de ser portador de uma doença incurável, que possivelmente irá evoluir com terminalidade em algum momento.
Em outras doenças o tema deve ser introduzido precocemente, de forma progressiva, para que com o tempo o paciente entenda que com as alterações advindas da história natural da moléstia são irreversíveis, e que há uma opção além do tratamento clinico. A opinião do paciente é sempre soberana em relação as demais. Uma vez que o paciente decida sobre a adoção de medidas de conforto em detrimento do tratamento intensivo, esta decisão deve ser respeitada, a despeito da vontade da família, ou mesmo da equipe médica.
Não se pode esquecer que a opinião do paciente só é válida quando ele se encontra consciente, lucido e sem déficits cognitivos que impeçam o julgamento critico adequado. Quando não for possível obter a opinião do paciente, prevalece a opinião da família, que deve ser orientada adequadamente pela equipe multiprofissional sobre todas as possibilidades terapêuticas. Os cônjuges são os principais responsáveis pela decisão no lugar do indivíduo, posteriormente sendo levada a opinião dos demais familiares.
É importante ressaltar que, em muitos momentos, a família apresenta opiniões distintas em relação ao prognóstico e a cuidados de fim de vida. É comum que em grupos familiares grandes, alguns sejam a favor da adoção de cuidados paliativos exclusivos, e outros sejam a favor de diretrizes invasivas de suporta à vida. Nesse caso, explicita-se que é necessário que se chegue a um consenso, em qualquer das duas direções. O que somente pode ser obtido pela compreensão da família como um organismo global, que deve ser abordado por todos os membros capazes da equipe multidisciplinar.
* O autor é especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.