“Fui e voltei porque amanheci com a farsante carência de saber, se nesses quarenta anos de vida que me restam, continuarei me engalfinhando para saber se ainda quero ser útil, importante ou cambiar levezas. Tão ligeira a existência!”
O útil, o importante e o prazeroso viveram azucrinado minha vida. Ainda perturbam. O útil, porém, foi perdendo grande parte de sua mordedura. Aperreava-me e, parece, quanto menos se viveu o tempo, eu, abestado, sempre quis realizar na vida o que havia de utilidade.
Isso serve pra quê, menino? Ouvi muito. E pra mim, a impressão é que as invenções e descobertas de pirralhos e meninas não tinham valor de nada. Daí, por exemplo, ficar com dor na consciência quando não podíamos dormir muito, porque quem gostava de uma madorna após o almoço era um inútil.
Leia mais:Qualquer tempo que “sobrasse”, mesmo muda, uma voz nos alertava do dia perdido com besteiras. E não havia coisa mais chata do que ter no vizinho o modelo de pivete que, “aquele sim”, não desperdiçava as horas com bobagens. Era um “homenzinho”, “sério”, “educado”, “de futuro”.
Pois bem. Não achava importante, útil nem um prazer ganhar roupa como presente de Natal. Ou ir à Rua, ficar enfadado nos armazéns de tecidos, lotados, para comprar um corte de fazenda para dona Terezinha costurar a calça comprida e camisa alinhada.
Sim, compreendo minha mãe e sou agradecido. Coitada. Seis meninos e vê-los molambentos nas Boas Festas do final do ano! Pra ela, por causa da língua das vizinhas e do machismo de meu pai, soava o desleixo com a ninhada.
Mas preferia que mamãe transformasse o crediário em brinquedos no Armazém Paraíba ou na A Credilar. Aquela idade pedia brincadeira. Talvez, por isso, demorei tanto para gostar de paletó, de cuecas, de sapato bico fino, de cinturão e cabelo penteado pra trás. Ainda não me apetece muito.
E vejam, pode ser uma visão torta a minha, mas há homens (a maioria) que o paletó funciona pra eles quase como um viagra. Sem estarem ali dentro, perdem a autoridade, a seriedade de seres importantes, a potência de ser gente. É quase como a necessidade inútil dos advogados, juízes e médicos carecerem de ser chamados de “doutores”.
Depois da faculdade são rebatizados. Passam a se chamar Doutor Francisco dos Anzóis Pereira, não mais dona Maria Fulana de Tal. É a Doutora Isabel que está ao telefone…
Meu tio Milton Oliveira entrava e saía de um paletó com uma discrição invejável, como se bebesse água. Não era parte da pela dele. E era vaidoso, muito. Mas, vezes, o vi descer de um ônibus na Antônio Maia com um embrulho de pão, elegância e presença natural sem exalar soberba.
Outro que o paletó lhe caía bem era o ex-vereador Nilo Abbade. Mesmo no corpo meio frei Damião, flutuava feito poucos pelas ruas e fazia questão de caçar e pescar com seu tradicional paletó branco. Aliás, se nossa Academia Marabaense de Letras pudesse reverenciar um ilustre do passado, no clube de importantes, ele seria uma imortal de lá. Provavelmente, poucos sabem mais dele do que os acadêmicos.
Tenho seis blazers e paletós, mas já evito as gravatas do passado. Sufocam. Gosto de vestir cada dia o que o sol pedir. Há diz que meto o pano social, mas em outros visto uma roupa esportiva, calço um tênis sem meia e caio no mundo para trabalhar.
Pois então. Fui e voltei porque amanheci com a farsante carência de saber, se nesses quarenta anos de vida que me restam, continuarei me engalfinhando para saber se ainda quero ser útil, importante ou cambiar levezas. Tão ligeira a existência!
Juntar tampinhas de Wilson, Grapette e Crush me dava indizível gozo.
(Ulisses Pompeu)
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira