A menina mais arrebatante de minha rua, na Velha Marabá, foi furtada por um playboy que apareceu do nado e encantou mei-mundo de abestadas. E como eu tive inveja daquele barbudo que a levou para Belém a bordo de um Transbrasiliana caindo aos pedaços! Um rapaz, mais velho do que nós (meninos “réi” da esquina, sem cuecas e pinta solta no calção de elástico).
Sei que foi uma fofocada na Lauro Sodré, que se espalhou pela Barão do Rio Branco até chegar à Antônio Maia, por dias e meses, até a história virar lenda e ser recontada do jeito que cada um queria usar. Um escândalo para os adultos (maledicentes) e motivo de vexame para os pais da adolescente. Nós, meninos, só sabíamos mesmo era imaginar o que os dois faziam sozinhos.
Anita (não é o nome verdadeiro da gata), nem sei se era essa boniteza toda (a memória romantiza), virou mito na cabeça dos pirralhos e disparates das garotas. Do que recordo, alimentei meus comichões de pré-adolescente com a morenice dela, os cabelos longos e duas covinhas quando sorria. Quando mergulhava no rio, a gente achava que emergia uma princesa.
Leia mais:Sei também que, diferente de muitas meninas do calçamento, havia nela um desenho precoce de mocinha. Seios mais manifestados, curvas que os olhos não tiravam o olho e conversas que meninos não podiam ouvir. Baitolagem de menina metida a mais velha, apesar de ainda brincar de boneca de papelão.
E, talvez, porque as ninfas amadureçam bem antes do que os mijões de rede, havia nela um ar de quem ia ao Cine Marrocos se encontrar com Zé Bufão. Que já sabia dos romances, da língua dentro da orelha, dos arrepios e da falta de impedimento de arriscar (com tão pouca adolescência) e ir viver longe das asas dos pais e a língua dos outros.
Via naquilo uma revolução. Na época, todo cabeludão era maconheiro. Mesmo sem ter botado, nunca, um Arizona na boca. E a maconha, uma desgraça do cão que teria a ver com tatuagens azuladas, ladrões, gente que matava, estuprava, esfolava e outros palavrões de católicos e evangélicos.
Nem sei se o rapaz era rico, se fumava ou não maconha. Foi o que se espalhou correndo de casa em casa e vendido como a perdição da filha alheia. Futricas de Maria.
Pois eu quis também roubar uma moça (a Cinilma, a Rebeca, a Wilma, a Débora, a Bete, a Ana Cláudia, a Tereza Cristina…) e ir morar em Belém. Ter um Fusca ou uma Variante, viver dos beijos e, claro, dar um teco na erva dos índios.
Desejo encantado de quebrar a regra, reescrever o destino, de ter vontade de dançar sem ter vergonha do racional. De duvidar das coisas retas, impedidas ou das impossibilidades…
Algum tempo depois, os dois retornaram para Marabá. Mas ela não voltou mais a morar na casa dos pais. Ele construiu uma casa na Folha 30 com muro bizarro e tiveram filhos. Anos depois, Anita fugiu de novo, agora do próprio marido, que a espancava e ameaçava de morte ela e os filhos.
Arrependida, a encontrei nos corredores da Câmara tempos atrás, sorrindo do passado, arrependida da fuga e imaginando o que teria sido de sua vida se não tivesse fugido a primeira vez. Aliás, queria ter fugido das cantadas que recebia do barbudo, mas agora é tarde.
Tenta se reencontrar na vida, porque essa recomeça todos os dias enquanto se respira. Mas ainda tem muita gente por aí sonhando em fugir e não dá trela para o que mãe, pai e sei-lá-mais quem aconselha que tenha juízo.
Não sei se é só memória (e invenção) nas minhas vontades de sempre querer fugir com uma moça.
(Ulisses Pompeu)
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira