Impedida por uma decisão judicial de ouvir o depoimento do governador do Amazonas, Wilson Lima, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia se dedicou nesta quinta-feira a aprovar requerimentos de quebra de sigilo telefônico e telemático de supostos representantes do gabinete paralelo que aconselhava o presidente Jair Bolsonaro no combate ao coronavírus, de ex-membros do Ministério da Saúde, entre eles o ex-ministro Eduardo Pazuello, do ex-chanceler Ernesto Araújo, de empresas de publicidade que prestam serviço ao Governo e de uma ONG suspeita de patrocinar laboratórios favoráveis à produção de cloroquina.
O sigilo telemático é uma espécie de guia sobre tudo o que a pessoa fez usando a internet. Pede desde detalhes de e-mail, mensagens no WhatsApp e Telegram, publicações em redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, até a identificação dos locais onde ela esteve ao usar dados do Google ou de outros aplicativos que usem GPS. Ainda analisa dados salvo em nuvens. É praticamente a biografia digital do investigado. Como um instrumento de investigação, CPIs podem fazer esse tipo de quebra de sigilo.
Ao quebrar os sigilos, os senadores pretendem mostrar como Bolsonaro tomou suas decisões anticiência, que preferiu dedicar seu tempo e recursos públicos investindo na ineficaz cloroquina do que na compra antecipada de vacinas contra o coronavírus. Entre os atingidos pelas quebras de segredo está a Associação Dignidade Médica de Pernambuco. Ela é apontada como a financiadora de farmacêuticas pró-cloroquina e do grupo de profissionais autodenominado “Médicos pela Vida”, que orientou Bolsonaro a defender o ineficiente tratamento precoce com o uso de medicamentos que não auxiliam no tratamento da covid-19. No caso dela, foram autorizadas as quebras dos dados bancário e fiscal.
Leia mais:Também foi aprovada a convocação do ministro Wagner Rosário, da Controladoria Geral da União, para falar sobre as investigações a respeito de repasses feitos pelo Executivo a Estados e Municípios. Essa foi uma pequena vitória dos governistas, que pretendiam alterar a narrativa e tirar Bolsonaro do foco da CPI com a convocação de todos os nove governadores que são investigados pela Polícia Federal por supostos desvios de recursos no combate à pandemia. Em princípio, a decisão dada pela ministra Rosa Weber, Supremo Tribunal Federal, atingiu apenas o governador Wilson Lima (PSC). Mas há a expectativa que os outros possam se beneficiar da ação.
Desde março do ano passado, a Polícia Federal já realizou 87 operações para apurar as irregularidades envolvendo cerca de 2,3 bilhões de reais em repasses federais. Nessas ações, foram presas 157 pessoas e cumpridos 1.390 mandados de busca e apreensão.
No seu despacho, a ministra disse que nenhum investigado ou réu é obrigado a comparecer para ato de interrogatório, seja policial ou judicial. E “a CPI não tem mais poderes que os órgãos próprios inerentes à persecução penal”. A magistrada decidiu que, se Lima quisesse depor aos senadores, ele não precisaria se comprometer com o termo de dizer a verdade e poderia ficar calado. Nem assim ele compareceu. O governador já foi denunciado pelo Ministério Público Federal ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No seu pedido de habeas corpus alegava que a convocação de governadores pelo Congresso Nacional viola o princípio da separação de poderes. A CPI irá recorrer da decisão de Weber, segundo anunciou o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM). O senador também se queixou da ausência do governador de seu Estado. “A decisão do STF sobre o depoimento de hoje frustra as expectativas do povo do Amazonas e do Brasil de saber realmente o que aconteceu na crise de oxigênio que ceifou tantas vidas no meu Estado no início do ano. Era uma chance ímpar de esclarecer fatos e expor as responsabilidades”, afirmou Aziz em sua conta no Twitter.