Correio de Carajás

Ascensão e queda do polo guseiro

Funcionando como um registro histórico das dinâmicas territoriais e sociais em Marabá e região, o Jornal CORREIO anunciou a ascensão e a queda de um dos maiores dispositivos mobilizadores da economia regional, o polo guseiro instalado no Distrito Industrial de Marabá (DIM). Na última década, as páginas deste CORREIO registraram, para a posteridade, o declínio dessa atividade econômica, que já foi o maior orgulho da região, um processo dialético, onde o progresso – em certa medida – produziu sua própria ruína.

No auge dessa atividade, havia nada menos de 11 guseiras funcionando no polo industrial local, gerando algo em torno de nove mil empregos diretos, sem contar com as atividades econômicas que orbitavam na periferia do setor, como transporte, alimentação, construção civil etc.

A história que se conta hoje é que o polo guseiro utilizava minério de ferro de Carajás e transformava floresta nativa em carvão, manobra que lhes permitia economizar até 60% do custo que o plantio de floresta lhes imporia. Foi aí que a situação começou a degringolar. Mas não apenas isso.

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Com minério rico e carvão vegetal essas empresas puderam obter altos lucros com a exportação do produto. Mas os órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental começaram a apertar o cerco para impedir a utilização de carvão de origem ilegal. Além disso, a queda do preço do produto no mercado internacional fez com que o setor deixasse de ser a galinha dos ovos de ouro e a carruagem acabou virando abóbora antes da meia-noite.

Por outro lado, há quem discorde dessa versão de que o setor era o grande vilão do desmatamento. Quem contesta é Zeferino de Abreu Neto, o popular “Zé Fera”, que hoje carrega nos ombros, com orgulho, o peso de ser o presidente do Sindiferpa – Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Pará.

No auge da produção, guseiros empregaram cerca de 9 mil trabalhadores

Questionado sobre as denúncias de danos ao meio ambiente por parte do setor, Zé Fera observa que o entrave nunca foi o carvão. Para ele, os órgãos ambientais usaram o DIM como “bode expiatório”, colocando toda a responsabilidade no parque industrial. “Nós paramos em 2008, mas o desmatamento nunca parou e nem diminuiu”, argumenta.

Na visão do industrial, os agentes financeiros deveriam investir no reflorestamento. “Se isso tivesse acontecido lá atrás, já estava todo mundo autossustentável”, aposta, acrescentando que nunca houve uma linha de crédito para auxiliar os guseiros no reflorestamento.

Ele também criticou a burocracia para se obter licenças ambientais. Segundo o presidente do Sindiferpa, mesmo quando o empresário entrega toda a documentação exigida, existe uma estranha falta de celeridade no processo. “Não queremos que se faça nada de errado, mas queremos, sim, agilidade. O que fica parecendo é que ficam travando para receber outro benefício”, denuncia.

Apenas uma das guseiras continuou em atividade, a Ibérica. Há também no DIM um caso à parte, que é a Sinobras, que produz um bem mais elaborado, a partir de matéria prima de origem certificada, e o comercializa no mercado interno.

ANÁLISE

O cientista social Marcelo Melo, hoje mestre em Dinâmicas territoriais e Sociedade na Amazônia, pesquisou a crise no setor siderúrgico do Distrito Industrial de Marabá e as estratégias empresariais, entre os anos de 2013 e 2015. Em seu trabalho de Mestrado, ele observou que havia fatores limitantes para a continuidade da produção siderúrgica, tais como a política cambial, haja vista que o preço do gusa está sujeito a constantes oscilações que se dão em decorrência do valor do dólar. Outro fator considerado problemático diz respeito à logística. “A ausência de uma logística adequada dificulta o escoamento da produção siderúrgica, e torna mais caros os custos produtivos”, explica.

Por fim, a partir da análise das estratégias seja coletivas, seja individuais empreendidas pelas empresas para dar continuidade à produção siderúrgica, o trabalho aponta para o fato de que a crise no setor siderúrgico dentro do DIM, é fruto de uma sucessão de fatores históricos mencionados acima, cuja crise de 2008 se apresenta apenas como um estopim. A crise de 2008 culmina não apenas com a crise no DIM, mas também com a crise ambiental ao qual este tipo de atividade tem contribuído significativamente.

Existe luz no fim do alto-forno, diz presidente de sindicato

Hoje as páginas de jornal destinadas ao Distrito Industrial de Marabá são preenchidas não dos números vultosos do passado, mas a tinta inscreve caracteres de esperança, a esperança de ver o parque pulsando novamente, gerando emprego, poder de compra e alegria na casa dos trabalhadores. É este sentimento que move batalhadores como Zeferino de Abreu Neto, “Zé Fera”, presidente do Sindiferpa.

Zé Fera, presidente do Sindiferpa: “Queremos um minério a preço competitivo”

Hoje, ele se mostra otimista porque existe uma possibilidade de recomeço. Prova disso é que a Maragusa retomou as atividades há quatro meses, com um alto-forno, gerando cerca de 400 empregos diretos. “Na medida que os trabalhos vão avançando, vai aumentando a quantidade de funcionários”, observa, acrescentando que mais duas estão se preparando para iniciar as atividades.

Mas Zé Fera não vive só de esperanças. Como representante do setor, ele observa que alguns pontos precisam ser tratados para que o DIM renasça, o principal é o preço do minério de ferro, que sempre foi o calcanhar de Aquiles do setor em Marabá. O presidente do Sindiferpa lembra que quando o Distrito Industrial parou em 2008, devido à crise imobiliária nos EUA, não conseguiu mais retomar com a mesma força por causa do preço do minério e depois disso o parque foi definhando até praticamente morrer.

A questão é simples: o preço do minério vendido pela Vale para os guseiros de Marabá é o mesmo que a mineradora pratica nas exportações para a China, o que muitas vezes inviabiliza o andamento dos negócios. Houve épocas em que o preço do minério de ferro, somado ao do carvão, aumentava o valor de venda do gusa, o que inviabilizava a produção.

FORÇA POLÍTICA

Segundo Zé Fera, infelizmente a classe política nesse período não foi forte o bastante para lutar pelo setor, embora o DIM tenha ajudado a alavancar o Pará na balança comercial. “Eu não estou falando da gestão atual, estou falando de todas, tanto do município quanto do Estado, pois nunca ninguém se interessou para viabilizar um minério com o preço diferenciado para o setor”, denuncia.

Ainda de acordo o industrial, o que os empresários guseiros querem não é que a Vale forneça o minério a preço de custo – como foi exigido pela Cevital e aceito pela Vale. O que eles querem é um preço mais baixo do que é negociado com a China, com o agravante de que, segundo ele, o minério que fica no DIM é de qualidade inferior. Para Zé Fera, isso seria perfeitamente razoável, pois o DIM consumiria apenas 1º do minério exportado pela Vale.

Diante da situação, Zé Fera diz que os empreendedores do setor pretendem agendar uma reunião com o governador Helder Barbalho para ver o que pode ser feito por parte do governo do Estado neste sentido. (Chagas Filho)