O titular da 9ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do município de Marabá, promotor Samuel Furtado Sobral, afirmou nesta terça-feira (27) ter instaurado inquérito para investigar o aumento da prostituição infantil na região da Estrada do Rio Preto, principalmente nas Vilas União, Santa Fé e Três Poderes, desde a implantação do projeto de extração de manganês pela Buritirama, que nos últimos cinco anos obteve lucro de R$ 1.268.042.000,95.
O cenário foi exposto em reportagem do jornalista Ulisses Pompeu, veiculada no início deste mês no Jornal Correio e no Correio de Carajás. Em decorrência da publicação, o tópico foi foco de reunião realizada nesta manhã no Carajás Centro de Convenções “Leonildo Borges Rocha”, entre órgãos do estado e do município e representantes de diversas comunidades localizadas ao longo dos 200 quilômetros da estrada, no trecho pertencente a Marabá.
O promotor declarou ter tomado conhecimento da situação através da reportagem e que após a publicação procurou no sistema do Ministério Público denúncias neste sentido, não sendo encontradas por ele. “No entanto instaurei o procedimento para a gente apurar essa situação como decorrente do projeto de mineração na região. Está em fase inicial, vamos ouvir a população e vamos notificar pessoas citadas na reportagem para que possamos conversar e reduzir a termos a história”, explicou.
Leia mais:Ele afirmou ter solicitado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e à Secretaria Municipal de Educação (Semed) a relação de todos os estabelecimentos de saúde e educação da região para ouvir os diretores e coordenadores de escolas. “Pedi também para serem verificados líderes comunitários, pastores e padres para que possamos ouvir todo mundo. Esta é a fase de depoimento e, paralelo a isso, intimamos Conselho Tutelar, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas) para saber que políticas públicas estão sendo promovidas”, disse.
O promotor destacou que o Ministério Público também busca saber que plano a empresa está desenvolvendo para minimizar os impactos sociais do projeto. “Vai demandar tempo, mas vamos ouvir todo mundo, vamos fazer instrução e buscar as informações necessárias para verificar de que forma possamos atuar, se o município, estado e empresa estão fazendo as ações de competência a contento. Farei visitas para verificar nas vilas e conto com apoio da população”, encerrou.
O evento foi coordenado pelo Centro Regional de Governo do Sudeste do Pará e, conforme destacado pelo secretário regional, João Chamon Neto, é inaceitável continuar convivendo em pleno Século XXI com mazela desta natureza. “Que aqui possamos construir pautas positivas e propositivas em favor da situação. À comunidade pouco importa se o problema é de responsabilidade do estado, município ou União e somos todos responsáveis. Cada um vai dar sua parcela de colaboração para que a gente possa, através do norte de cada um, ajudar a resolver os problemas dessa região”, sustentou, durante a abertura.
Igreja Católica procurou a região após as denúncias
O bispo de Marabá, dom Vital Corbellini, relatou ter ido, há duas semanas, pessoalmente para a região apontada na reportagem. “Encontramos com a comunidade e com a empresa e ouvimos sobre esta questão importante, social, de exploração sexual, que está clamando. Não podemos ficar de braços cruzados. Precisamos agir e são importantes políticas públicas, ouvimos que a empresa está implementando ações também, mas precisamos trabalhar juntos essa questão que desestrutura as famílias”, afirmou, declarando ter ouvido da comunidade pedido para que haja mais efetivo da Polícia Militar naquela região.
Polícia Militar garante estar mapeando criminosos que aliciam crianças e adolescentes
Neste sentido, o major Edson Ribeiro, comandante do 34º Batalhão de Polícia Militar, responsável pela região da Estrada do Rio Preto, informou que foi orientado aos cerca de 40 homens que atuam nas localidades rurais que aumentem o controle sobre adolescentes em lugares e horários impróprio e solicitou que a comunidade denuncie, sugerindo o uso do 190, do 181 e dos diferentes canais oferecidos pelo Disque Denúncia do Sudeste do Pará, com sede em Marabá.
“Isso vai acabar porque não vamos permitir, já recebemos denúncia de um grupo de pessoas expondo menores e compramos essa briga, faremos operações pontuais em alguns locais. É complexo onde encontrar as adolescentes porque algumas não ficam nas vilas, soubemos que elas ficam em sedes distantes. Já temos essa informação e vamos chegar a esses locais”, garantiu.
O tenente-coronel Oliveira, representando o Comando de Policial Regional (CPR) II, argumentou que a problemática é mais social que política ou policial, mas deve-se atenção para que a região não se torne uma nova Altamira, município paraense que elevou assustadoramente os níveis de violência após a instalação de Belo Monte.
“Estamos preocupados que haja o mesmo, que as mazelas acompanhem o crescimento da região, mas estamos buscando planejamento estratégico da PM para que consigamos diminuir ou cessar os problemas de violência e a exploração sexual. Estamos comunicando ao estado a necessidade de aumento de pessoal e de logística e precisamos que as lideranças comunitárias continuem repassando dados e informações das necessidades para melhor implementação do policiamento ostensivo”.
Polícia Civil afirma já ter apurado denúncias e feito operação
O delegado Vinicius Cardoso das Neves, diretor da 21ª Seccional Urbana de Polícia Civil, declarou que o órgão está atento ao enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes e que várias denúncias encaminhadas aos sistemas de recebimento já foram apuradas.
“A Polícia Civil fez incursões nas vilas, fiscalizando os estabelecimentos comerciais e foi investigado. Os fatos nos chegam pelas pessoas incomodadas então a gente pede que denunciem, de forma anônima se for o caso, porque o papel investigativo é da Polícia Civil e não vamos fugir”, informou, colocando a Polícia Civil à disposição do Ministério Público para atuar nas investigações.
Buritirama defende estar mapeando pontos de prostituição e educando a comunidade
O Especialista em Relações Comunitárias da Mineração Buritirama, Wlademir Marques, declarou na reunião que em fevereiro deste ano a empresa contratou serviço de consultoria que realizou diagnóstico nas vilas Santa Fé a Capistrano de Abreu, detectando como um dos problemas justamente a prostituição infantil.
A partir disso, afirma, foi proposto um ciclo de palestras que será iniciado nesta semana com coordenação do Instituto Liberta, de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Conforme a diretora da entidade, Cristina Cordeiro, a primeira fase de ações compreende palestras nas escolas, com pais e professores, e também junto aos 800 funcionários da Buritirama que atuam na região.
“Vamos mapear todos os pontos e a empresa vai dar todos os encaminhamentos necessários, vamos continuar nas escolas onde o professor já sempre escuta ou percebe uma mudança de comportamento. E vamos falar para os homens que estão cometendo crimes. Vamos também falar com os 800 trabalhadores e explicar que é crime”, destacou. Em setembro, anunciou, estão programados seminários em vários pontos de Marabá.
A secretária municipal de Assistência Social, Nadjalucia Oliveira Lima, relatou que desde o ano passado uma equipe de referência atua na zona rural e vai mensalmente à região do Rio Preto, mas que o fenômeno, nesta intensidade, não havia ainda sido relatado na secretaria. A partir da publicação da reportagem, destaca, foi realizada reunião com todos me estabelecido que serão intensificadas as ações nestas localidades.
Asfaltamento da Estrada do Rio Preto também entra em debate
Apesar da preocupação com a grave questão da prostituição infantil na região, por parte das instituições presentes, a comunidade que acompanhou a reunião acredita ter um problema mais urgente: a situação da Estrada do Rio Preto. A via vendo sendo alvo de manifestações recorrentes em razão das más condições de tráfego e excesso de poeira levantada pelos caminhões que a utilizam para escoar o manganês extraído.
A maior parte dos moradores das vilas usou a palavra para reclamar desta questão e exigir dos representantes públicos solução imediata para o problema que atravessa décadas. O vereador Tiago Batista Koch, um dos representantes da região do Rio Preto na Câmara Municipal de Marabá, destacou que a mineração aumentou a contratação, o que atraiu a exploração irregular de minério e promoveu inchaço social.
O aumento do fluxo de pessoas, destaca, sobrecarrega também os sistemas de saúde e educação, além de aumentar o tráfico de drogas e a exploração sexual e piorar as condições da estrada. “Quero que a empresa gere emprego, mas ela faz pouco. A gente dialoga com ela e ela faz pouco. Gostaríamos que fizesse mais, tem ainda o problema de impacto ambiental violento e a poeira. Se o asfalto viesse estaria resolvendo grande problema. Quero pedir ajuda com o secretário regional para acionar o governador e os senadores e irem à Brasília, estou à disposição, mas minha força é pouca”.
Os edis que representam as vilas conseguiram agendar para o próximo dia 16, em setembro, uma audiência na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) para debate da situação. Há em trâmite no Senado projeto de lei que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, tendo sido apresentado por Belo Salame quando este ainda era deputado federal, para a federalização do trecho. Caso aprovado, seria possível aplicar recursos federais na pavimentação.
João Padre , presidente da Associação dos Moradores, destacou a preocupação da comunidade em relação aos problemas sociais decorrentes da expansão da extração mineral na Vila União, afirmando que há um mandato municipal a localidade possuía apenas 3 mil habitantes e hoje apenas a empresa mantém quase 1 mil funcionários.
“O fluxo nos preocupa, nossos filhos estão lá, nossos irmãos estão lá, nossos netos crescem lá. A vila veio desenvolvendo e a nossa preocupação vem crescendo. Tomamos a iniciativa para que nossa região melhore porque ninguém quer ver a parente criança numa situação assim (de prostituição). O problema é que nem o Conselho Tutelar chega lá porque não teme estrutura para encarara a estrada”, ressalta.
Por fim, o secretário regional, João Chamon, reiterou que o Estado do Pará, assim como o município, não possui condições de fazer a rodovia sozinho. “Precisa-se buscar parcerias com a empresa (Buritirama) e ela é fundamental pra isso. Precisamos construir e tô sabendo que ela topa e o estado trata disso com ela. Agora precisamos construir essa agenda com o governador para que possamos ter uma comissão e construir essa ida à Brasília, junto com os senadores Jader e Zequinha. Acreditamos que o projeto do ex-deputado Beto Salame está adiantado e me comprometo a agendar reunião com o governador, estarei em Brasília e vamos trabalhar essa parceria, é uma ação conjunta”, afirmou. (Luciana Marschall)