Correio de Carajás

Manganês leva um R$ 1,2 bilhão de Marabá e gera prostituição infantil nas vilas

A fila anda. E na Vila União, comunidade localizada a 140 quilômetros da sede Marabá, essa realidade é lenta. Os caminhões que aguardam embarque de manganês na mina da Buritirama, dois quilômetros dali, formam uma fila gigantesca que, em alguns dias, chega a seis quilômetros de extensão.

E praticamente todos os motoristas acabam dormindo na cabine. O incomum é ver mulheres entrando e saindo dos veículos no meio da noite. Entre elas, até mesmo menores de idade.

E não é só aí. Na vila, que tem cerca de mil funcionários da mineradora Buritirama e de suas contratadas, há cinco bordeis – três deles inaugurados recentemente. Oficialmente, eles atendem clientes com mulheres maiores de idade, mas moradores e alguns comerciantes reconhecem que há menores que são oferecidas para clientes diferenciados.

Leia mais:
Vila Três Poderes está a 23 km da União e também sofre com prostituição infantil

A Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS fez parada esta semana pelas vilas que fazem parte da rota do manganês – notadamente Santa Fé, Três Poderes e a própria União. Nos últimos cinco anos, a Mineração Buritirama obteve lucro de R$ 1.268.042.000,95.

Na viagem desta semana, a primeira comunidade que paramos é a Santa Fé, a maior, mais antiga, que surgiu na década de 1980 e está a 70 km de Marabá. Os bordeis estão lá e há registro de prostituição infantil, segundo contou um vendedor de açaí que mora na comunidade. “Os caminhoneiros passam por aqui, oferecem dinheiro e ficam com as meninas”.

Na Três Poderes, que fica a 23 km da Vila União, o comércio não é tão pujante quanto a vizinha, mas os comerciantes acabam lucrando por estarem na rota de passagem dos caminhoneiros. Na via principal, até mesmo um puxadinho de plástico que dona Maria colocou para vender comida caseira com a filha (maior de idade) está fazendo sucesso e ela já pensa em ampliar o ponto. Mas as duas só trabalham até o início da tarde.

Quando escurece, a clientela é a mesma, mas quem oferece serviços são mulheres e – pasmem – até mesmo adolescentes, que vendem o corpo. A vila, embora menor, também tem um bordel. O comerciante J.A.C. (ele pediu reserva de seu nome) diz que já viu mãe negociando valores com forasteiros para ficarem com a filha. “Não é brincadeira, seu moço, é a verdade que acontece aqui”, disse, lamentando o episódio.

Todavia, o caso mais preocupante está mais à frente, na Vila União, a Capital do Manganês. Ela é diferente de todas as outras. Tem vida própria e só depende da sede, Marabá, porque não tem agência bancária.

Motoristas colocam a vida em perigo nos 140 km de trajeto com muita poeira

 

A quantidade de veículos circulando pelas ruas da vila é impressionante. Camionetes, motocicletas e ônibus mostram o dinamismo da comunidade, que tem mais de 3 mil moradores, que se abarrotam em pouco mais de 400 imóveis.

O presidente da Associação de Moradores da Vila União, João Rodrigues dos Santos, o João Padre, reconhece que a prostituição infantil é alarmante na comunidade. Ele avalia que a grande quantidade de homens que vão trabalhar para a mineradora, e que estão sem mulheres, contribui para atrair os cinco bordeis existentes ali e alcançar adolescentes, que acabam ganhando dinheiro facilmente.

Ele diz esperar que as autoridades tomem providências para colocar um fim na mancha negra de uma comunidade que tem quase 30 anos de existência. “A prostituição infantil aqui é muito grande. Já pedimos para o Ministério Público Estadual intervir, mas até agora não tivemos resultados. Isso é ruim para a imagem da própria comunidade”, lamenta.

Outro que luta bravamente contra a prostituição infantil na Vila União é o pastor Francisco Borges de Oliveira, líder da Igreja Assembleia de Deus Missões na comunidade. Ele conta que há uma equipe que cuida de jovens e adolescentes que está empenhada na recuperação dos que se envolveram com drogas e prostituição. “Quando a gente identifica esse tipo de pessoas, procuramos visitar, tentamos aconselhar e resgatar. Há tentativas em que não temos sucesso”, confessa.

Residente há dez anos na Vila União, pastor Borges avalia que o crescimento da comunidade é significativo. Enquanto outras partes do Estado e do País falam em crise nos últimos três anos, ali os tempos são de prosperidade, com crescimento de emprego e a chegada de pessoas de várias cidades diferentes. “Não temos mais casas disponíveis para tanta gente que chega. Os aluguéis ficaram muito caros e as pessoas se aproveitam dessa oportunidade. Muitos vieram para trabalhar, mas acabaram indo morar nas vilas Três Poderes ou Zé do Ônibus, porque aqui não tem mais espaço”, conta.

E foi nesse boom da comunidade que a Igreja Assembleia cresceu. O templo anterior, com capacidade para 100 membros, foi derrubado e um novo está sendo erguido no mesmo terreno, mas com capacidade para 300 pessoas. Além da Assembleia de Deus, outras sete igrejas estão presentes na Vila União, entre as quais Católica, Adventista do 7º Dia e Quadrangular.

Dinheiro para financiar projetos para evitar que jovens não entrem na prostituição a Buritirama tem. Só em 2018 a empresa faturou nada menos que R$ 554.292.100,47. Por outro lado, o município de Marabá recebeu dessas operações royalties no valor de R$ 9.870.446,80 .

Praça da Vila União é nova e virou ponto de encontro da juventude

 

Motoristas confirmam que “pegam” menores

 

Na fila dos caminhões, dentro da Vila União, não é difícil encontrar um motorista disposto a jogar conversa fora. Um deles, de prenome, Carlos, de 43 anos, e que reside na Vila São José, área urbana de Marabá, argumentou que pegar mulher na estrada está no DNA da maioria dos motoristas de caminhão.

“A gente gasta até cinco dias fora de casa para uma viagem para cá. Às vezes dá vontade de futricar um pouco e uma mulher diferente não faz mal pra ninguém, se a gente usa camisinha”, conta.

Com o alongamento da conversa e encorajamento do repórter, Carlos foi além e acabou confessando que já pegou menores. A primeira vez, revela, foi no bordel de uma mulher. Pagou R$ 100,00 e ficou com a menina por uma hora. “Um amigo meu, também motorista, tinha me dito que a senha era chegar ao puteirodisfarçado de bar e dizer que queria um pitelzinho. A mulher me apontou o número do quarto e disse para eu esperar lá. Em menos de dez minutos a garota apareceu”.

Ali mesmo no quarto, depois da primeira experiência, ele pegou o telefone da garota e nas viagens seguintes, quando queria um “pitelzinho”, passou a ligar para ela e marcar esquema na cabine do caminhão. “Eu pago menos, 70 reais, e a garota recebe mais do que a cafetina dava pra ela. Todo mundo sai ganhando”, gaba-se Carlos em tom de quem está com em dias com sua virilidade.

Ao lado de Carlos, outro amigo de estrada encoraja-se com a história dele e diz que um novo bordel que chegou à Vila União (Pimentinha) é só o luxo e tem até ar-condicionado e um quarto decente. Não comentou se lá ofereciam menores.

Todavia, o segundo motorista também confessou que já “pegou” menores, tanto na Vila União quanto na Três Poderes. “São menores, mas não são crianças e sabem fazer de um tudo”, contou.

“A GENTE NEM CHEGA PERTO”

Na praça da Vila União, às 21 horas, um grupo de quatro meninas – três delas menores de idade – conversavam e foram abordadas pela Reportagem do CORREIO se conheciam outras moradoras da comunidade que se prostituíam por dinheiro.

No início, elas se olharam e não quiseram responder. Depois de um arrodeio por outro assunto, acabaram dizendo que até conheciam, mas que não andavam com elas para não serem confundidas. “Depois, é o nosso nome que fica mal falado na vila, que já é pequena. Eu só ando de casa para a igreja”, disse a maior de idade, observando que está cursando Pedagogia na modalidade à distância.

 

 Seasp garante que vai agir contra a prostituição

 

A Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS procurou autoridades para saber por que não há intervenção sobre o caso alarmante de prostituição infantil no corredor do manganês ao longo da Estrada do Rio Preto.

Procurado pela Reportagem do CORREIO, o vereador Tiago Koch, que reside na própria comunidade da Vila União, disse que foi um dos primeiros a alertar os órgãos de controle e pedir socorro para inibirem os casos de prostituição infantil. Foi ao Ministério Público e à Secretaria de Assistência Social da Prefeitura (Seasp), onde relatou o problema e pediu ajuda.

Também procurada, a secretária de Assistência Social, Nadjalúcia Oliveira, disse que ficou espantada com o relato da Reportagem do CORREIO e jurou que não tinha conhecimento de que esse fato estivesse ocorrendo nesta proporção relatada.

Informou que uma equipe volante do CRAS do Amapá vai uma vez por mês nessas comunidades, assim como o Conselho Tutelar. “em cima do que você está informando, vamos fazer planejamento para irmos a essas localidades. Vamos colocar isso como prioridade em nosso plano de ação ainda esta semana”.

Mais de 50 novas construções estão em andamento na vila que não para de crescer

 

  

Fundador da Vila União diz que aluguel varia entre R$ 400 a R$ 5 mil

 

Conseguir alugar uma casa ou kit net na Vila União é tarefa difícil. Com a grande procura por parte de funcionários da Mineração Buritirama e suas empreiteiras, a lógica da oferta e procura fez o valor do aluguel disparar.

Um kit net simples custa R$ 400,00 e o imóvel mais caro na comunidade, segundo revelou o presidente da Associação de Moradores, João Rodrigues dos Santos, o João Padre, foi locado por R$ 5.000,00. “Mas há casas de R$ 3.000,00, R$ 4.000,00 que na cidade não custaria a metade”, reconhece.

João Padre é uma autoridade para falar sobre o crescimento da vila. Foi ele quem construiu a primeira casa, em 1992, e a partir dali outras foram sendo erguidas, aos poucos. Quando a Buritirama chegou, em 1997, havia apenas 20 residências na localidade. A estrada era muito ruim para chegar a Marabá e foi melhorando aos poucos.

Ele reconhece a importância da mineradora para a Vila União e adjacências, o que impulsionou a economia de toda a região. “Nossa vila hoje está bem desenvolvida, com mais de 3.000 habitantes e a mineradora com mais de dois mil trabalhadores”.

Como exemplo do que fala, João Padre aponta dois loteamentos que foram abertos e disponibilizados para venda, com lotes a partir de R$ 20.000,00. Além disso, a Prefeitura está construindo um Núcleo de Educação Infantil para desafogar a Escola Faixa Linda, onde estudam mais de 600 crianças e adolescentes, do Maternal ao Ensino Médio.

A principal lamentação do presidente da Associação de Moradores é a dependência de Marabá, que está distante 140 km e parecem 1000 km por causa da estrada. “Lutamos há vários anos pela pavimentação desta estrada. O vereador Tiago Koch está empenhado nesta batalha, mas só a empresa Buritirama não faz essa obra, que custa milhões de reais. O poder público precisa fazer sua parte e essa é a pauta número um de todas as vilas ao longo da Estrada do Rio Preto”, ressalta, dizendo que vê no futuro próximo que a Vila União se transforme em cidade.

Para ele, os royalties da mineração da região do Rio Preto paga ao governo federal e que retorna a Marabá seriam suficientes para custear a estrutura de governo, juntamente com a pecuária, que é a segunda fonte de economia. “Estima-se que existam mais de 50 mil cabeças de gado sendo criadas no eixo da Estrada do Rio Preto. Basta olhar para o tanto de caminhões boiadeiros que circulam na região”.

Para o presidente da Associação de Moradores, o sonho da comunidade é a emancipação, para não depender de Marabá. Explica que a Vila União está a 140 km da sede de seu município e a 110 de Parauapebas. Todavia, a fluxo por este último ainda é ruim por causa da estrada perigosa. “Tem até carro de linha que roda daqui para Parauapebas. Ainda é um pau de arara, mas um dia melhora”.

Um dos dois loteamentos que mostram a pujança da Capital do Manganês

 

  

Buritirama alega que contratou consultoria para tentar resolver o dilema

A pedido da Reportagem, a Buritirama enviou a seguinte nota à Redação do CORREIO: “É do conhecimento de todos que o estado do Pará tem índices alarmantes em relação à exploração sexual e à prostituição infantil.

A Mineração Buritirama contratou uma consultoria especializada em Mediação Social e Sustentabilidade, no primeiro trimestre de 2019, com o objetivo de mapear os pontos críticos das regiões ao redor da Mina, visando contribuir ainda mais com ações sustentáveis para a região. Esses pontos foram diagnosticados por meio de entrevistas e ferramentas da consultoria, junto aos representantes e lideranças da região.

Um dos pilares desse novo projeto social da companhia, a partir do diagnóstico, e por meio da contratação do INSTITUTO LIBERTA, é a atuação em rodas de proteção e enfretamento à exploração sexual de crianças e adolescentes, capacitando pessoas para agirem em rede pela proteção de menores. É um projeto conceituado que atua no país inteiro em regiões onde ocorrem problemas similares ao que enfrenta a Vila União, de forma séria, responsável e comprometida com o propósito.

No início, o objetivo era atuar com o projeto na região das vilas onde foi realizado o diagnóstico, mas, devido à importância e tamanho da causa, houve ampliação para atender a todo o Estado do Pará. O INSTITUTO LIBERTA propõe à Secretaria Estadual de Educação do Pará uma parceria institucional para compartilhar conhecimentos e planejar ações de engajamento à causa da exploração sexual infantil, por meio de uma campanha e de ações decorrentes que colaborem para diminuir os índices deste crime que afeta crianças e jovens.

Buritirama molha ruas de várias vilas para minimizar a poeira, mas ainda não resolveu o drama da prostituição infantil

Além do projeto destacado acima, vale também ressaltar que a empresa vem atuando fortemente no desenvolvimento da região apoiada em pilares socioeconômicos sustentáveis. Na economia, com a geração de empregos, renda e pagamento de impostos; no pilar social, construindo uma nova escola na Vila Zé do Ônibus e realizando reformas, manutenções e aquisições de novos computadores para as escolas das vilas do entorno. Além disso, a Mineração Buritirama está consolidando uma grande parceria com o SEBRAE, visando promover a cultura empreendedora na região e, consequentemente, o desenvolvimento socioeconômico.

Com o compromisso de desenvolvimento da região, a Mineração Buritirama busca, a médio e longo prazo, que esses projetos resultem em maiores oportunidades para os jovens, criando outras perspectivas para as comunidades”. (Ulisses Pompeu)