Correio de Carajás

Amor de Tinder termina na velocidade do teclado

Eu fui testemunha do novo amor. Um match no Tinder resultou em um casamento de anos. E a vida de casal desfilou pelas redes sociais. Lindo amor feito de fotos de viagens, filtros e declarações. De repente, da noite para o dia, sem que nada anunciasse a tempestade, a relação acabou. Alguém desligou a tomada. Ele pediu assim – numa voz monocórdia -, bem na hora do jantar, que ela saísse de casa. Que devolvesse as chaves. Que limpasse a geladeira dos doces preferidos dela. Que esvaziasse as gavetas das roupas, que tirasse os livros das prateleiras. Mas que, por favor, terminasse as tarefas inacabadas e deixasse aquele papel de parede florido que ele tanto gostava e queria um dia colar no corredor.

A moça saiu de casa com malas e cuia, conforme pedido. Mas o papel de parede ele não vê nunca mais. Vingançazinha aceitável no meio da lista de mesquinharias que se revelam nas contas e caixas das separações: isto eu trouxe comigo de vidas passadas, isto é o que comprastes com o teu dinheiro, riscados os nossos discos, comprados para a nossa vitrola vintage – que estas músicas eu não quero nunca mais ouvir. E o cão? O Black há de me fazer mais falta que tu. De repente, as fotos no Face e Instagram mudaram de cenário e caras. Ela agora sozinha com amigos e família. Ele nas postagens de braços com o Black.

Embora brutal e um tanto cruel, este amor apagado na realidade e nas redes sociais teve pelo menos um derradeiro cara-a-cara. A mesa do último jantar ficou cheia de migalhas de acusações, caótica das perguntas sem respostas, manchada das decepções e lágrimas. Nunca mais quero teu beijo, cantou Betânia na vitrola, entre pratos quebrados e taças partidas. Mas, mal ou bem, o apartado de vidas teve seu desfecho. Um ponto final. Ela disse. Ele disse. Só Black ainda andava a se perguntar: mas, por quê? O que houve? É que terminar um casamento, um namoro, um caso velho ou recente, exige alguma coragem. E, principalmente, um tanto de consideração.

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Pois eu soube que os amores Millennium reinventaram – ou repaginaram – um terrível e velho método de acabar relações. Num clique, desaparecem da vida do outro. Sem nenhuma explicação, o fim ao idílio, sem mais nem quê. No passado, ele dizia que ia comprar cigarros e nunca mais voltava para casa. A mulher ficava numa eterna espera, com as contas para pagar e a penca de crianças para criar. Teu pai sumiu, meu filho. Hoje, é o ghosting. Novo nome para uma velha covardia. A palavra é estrangeira (vem de ghost, que em inglês significa fantasma), mas no frigir dos ovos resume a arte de deixar o outro face a um silêncio intolerável. Uma parede de onde ecoam só as perguntas.

A ex (ou o ex) são literalmente desligados das redes sociais, da lista de mails, da lista de contatos do telefone. Puf. O outro (a) evaporou-se. Ao que parece, os homens fazem mais isso que as mulheres.

Em 27 de agosto comemora-se o Dia do Psicólogo. Meu amigo Rafael Diniz me explicou um dia desses que o que acontece é que, geralmente, são as mulheres que “levam a carga afetiva do casal”. Em outras palavras, são elas que engajam discussões para saber onde está a relação, cuidam das lembranças, datas e detalhes importantes para os dois (ou duas). O que quer dizer, são socialmente mais estimuladas a falar e a discutir. Já os homens têm mais dificuldade nessa comunicação.

O silêncio de um impõe uma violência ao outro. O autor do ghosting, bem como o homem que não voltou mais para a casa, é quem tem a última palavra. Soltou a bomba e fugiu. Sem ruptura, sem cena final, sem bater de portas, sem aquela frase imperdoável, sem aquele gesto indesculpável, sem palavras. Nada. Se bem que já soube de relações que terminaram sumariamente por mensagem de WhatsApp.

Os amores são modernos, mas os jogos de poder, que habitam todas as relações amorosas (ou não), são os de sempre. A novidade é que agora os fantasmas dos ex assombram do lado de lá do ecrã. Às vezes até anunciando uma vitrola vintage que dia desses tocava Bethânia, novinha novinha.

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.