Maio de 2022. No futuro, pesquisadores vão olhar as páginas amareladas deste jornal e verão que este foi um mês de notícias amargas, marcadas por tragédias que ceifaram a vida de três crianças em Marabá.
O divertido Davi Luiz foi batizado com nome de jogador de futebol. Mas em sua curta trajetória de apenas três anos, destacou-se mesmo foi na dança. Aprendeu a falar, andar e correr vendo os pais como um casal de destaque da Quadrilha Fogo no Rabo.
E como a arte imita a vida, Davi Luiz imitou pai e mãe, ganhou um lugar na Fogo no Rabo Mirim e fez um espetáculo solo no último sábado, 14 de maio, em um entardecer vibrante na Orla do Rio Tocantins. Os diretores da quadrilha ficaram encantados e o diretor Ademar da Santa Rosa decidiu que patrocinaria as roupas para o garoto se apresentar no festejo junino municipal, no próximo mês. Não deu tempo. Ele morreu naquela noite, vítima da irresponsabilidade do pai, que o levou para o passeio da morte a bordo de uma moto náutica.
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Se pudesse, se eu tivesse poderes, tocaria no menino e pediria que corresse para se enxugar para não pegar um resfriado. Acordasse daquele sono molhado, na beira de uma praia lá para as bandas de Itupiranga.
A vontade que tive, quando soube da notícia, foi de estar acordado naquela noite e não deixar aquele pai pegar na mão do filho. Que fosse sozinho para sua viagem insana. Voltaria o filme da vida do menino e aquele jet ski seria um barco de folha de jornal, com Davi Luiz correndo na chuva e descalço nas ruas da Santa Rosa.
Nem queria escrever sobre o sono sem fim do garoto dançarino. Mas fiquei com lágrimas nos olhos. Mesmo aperreio que tive quando, na última semana, chegou a notícia de um homem que se jogara debaixo de um caminhão depois de matar a esposa, dias antes. E a enteada, de dez anos de idade, estava desaparecida.
Isabela Mendes, a garota que tem meio mundo de gente procurando, prefiro chamá-la aqui de Chapeuzinho Vermelho, silenciada em sua própria história por um lobo de mente doentia, que não teve coragem se quer de deixar pista de onde a colocou.
E o domingo encerrou a primeira quinzena de maio despedaçado com a morte do garoto Marcos Vinícius Carvalho, de 10 anos de idade, em sua casa, na Folha 31. Por hora, suspeita-se que o menino tenha se enroscado em uma rede durante uma brincadeira em casa e acabou enforcando-se sem querer. A perícia poderá dar mais detalhes nos próximos dias.
Nem Isabela nem Davi Luiz ou Marcos Vinícius tinha uma história pública que desse uma biografia de livraria. Agora têm. Viraram páginas de jornais e, pena, não estavam acordados para saber sobre o reportado.
Todo mundo tuitando ou comentando no Instagram e Facebook sobre a vida desconhecida deles. Discursos, protestos, desenhos, lamentos, hipocrisias, revelações e promessas de outro enredo por causa do vírus da tristeza.
Pra dizer a verdade, ninguém disse que a possível morte de Davi Luiz ou o desaparecimento de Isabela mudariam alguma coisa para outras infâncias em Marabá. Até agora, não serviu para transformar. As autoridades já sabem que Davi Luiz morreu afogado e que Chapeuzinho Vermelho não verá mais a mamãe ou a vovozinha.
Pois se eu fosse o Papa, tão humano que assusta (acho que não é uma farsa), um Francisco que (ainda bem) não quer ser divino, ‘angificaria’ Isabela, Davi Luiz e Marcos Vinícius.
Pelo menos para brincar de voar. Os anjos não se cortam no vidro quebrado, não perdem o pai, não se separam da mãe nem se apartam dos irmãos. E não precisam viver fugindo do medo de não existir.
Me afoguei junto com David Luiz.
Quis sumir junto com Isabela Mendes.
Me enrosquei com Marcos Vinícius.
Hoje, torço por um restante de semana de imagens com recomeços e finais felizes.
* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.