Correio de Carajás

A literatura deve ser moralizante? (Parte 2)

Para continuarmos a refletir sobre a (não) função moralizante da Literatura, trago hoje MADAME BOVARY, de Gustave Flaubert, este que é um clássico não apenas da Literatura Francesa, mas um clássico da Literatura Ocidental. O romance, publicado incialmente como folhetim (1856), abordou o adultério feminino e escandalizou a sociedade francesa do século XIX, em razão disso, autor e editor foram parar no banco dos réus, pois a narrativa atentava contra a moral e a religião. Em 1857, após absolvição, a história foi publicada em formato de romance e foi um sucesso sem precedentes, pois o julgamento estimulou a curiosidade do leitor.

Esta é uma sucinta apresentação de Madame Bovary, o romance que por sua originalidade serviu de inspiração e fonte para escritores como Liev Tolstói escrever o maravilhoso Anna Karenina (1875-1877); inspirou Eça de Queirós para o clássico português O Primo Basílio (1878) e nosso queridíssimo Machado de Assis com o inesgotável Dom Casmurro (1899), se é que Capitu traiu mesmo, maior enigma da Literatura Brasileira (um dia falaremos disso).

Vamos agora ao que de fato interessa neste ensaio: o que fez o escritor ser acusado de ofender a moral e a religião? O que fez Flaubert sentar no banco dos réus? Seria a necessidade social da Literatura ser moralizante? Seria a vontade que a sociedade da época tinha de que uma obra literária trouxesse um castigo exemplar para uma mulher que traiu o marido e violou o matrimônio, ofendendo também a religião?

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A mulher que trai é EMMA BOVARY, a leitora de folhetins românticos. A jovem sonhadora que casou com Carlos Bovary, mas ficou entediada com a vida de casada, ou seja, o casamento não atendeu às suas expectativas. Emma é a mulher que busca a felicidade que ela “conheceu” por meio dos romances românticos. Emma possui expectativas com relação à maternidade, mas não alcança a felicidade ao se tornar mãe, por isso abandona a filha aos cuidados de uma ama. Nada preenche o vazio existencial da madame Bovary. Emma quer sempre mais. É na busca desenfreada pela satisfação plena que ela começa ter casos extraconjugais. Emma busca no adultério a felicidade que ela não encontrou no casamento. Procurou nos amantes a alegria, o prazer, que o marido, Carlos, não foi capaz de lhe dar. Sem medir esforços, tampouco pensar nas consequências de suas atitudes, ela começa contrair dívidas para presentear seus amantes. Por fim, Emma se vê abandonada pelos amantes e cheia de dívidas. Emma se viu sem saída e sucumbiu.

Emma toma as rédeas de sua vida, vai em busca da satisfação pessoal plena. Emma decide. Emma tem o poder de decisão sobre sua vida. Aquele leitor, naquele contexto, não estava preparado para o desfecho da história da esposa de Carlos Bovary, pois até o fim foi decidido por Emma. Ela quis que fosse daquele modo. Como aceitar que a mulher adúltera não fosse punida? Como uma mulher que trai, contrai dívidas não tem um castigo exemplar? Emma decidiu seu destino. Ainda que trágico, mas foi escolhido por ela.

A partir dos acontecimentos da vida da protagonista ouso dizer: a obra Madame Bovary escandalizou a França do século XIX porque não foi moralista. O final trágico do romance não é uma punição pelo adultério cometido. A tragédia existencial experimentada por Emma é em razão de suas escolhas. O que aconteceu com a protagonista não é, nem de longe, uma lição moralizante, mas uma verdadeira tragédia do ponto de vista ético e moral. O leitor de Madame Bovary se viu diante de uma obra de temática original, onde quem trai é uma mulher.  A mulher que não está satisfeita com a vida de casada. A protagonista ensaia na ficção um papel que até então era reservado somente aos homens.

É diante da tragédia existencial anunciada, mas não dita, que convido você, dileto leitor, a conhecer EMMA. Te convido a ler MADAME BOVARY, a mulher que escandalizou a sociedade francesa da segunda metade do século XIX. A personagem que personificou uma crítica aos leitores e estilo romântico; o livro que representa um marco na Literatura Realista, pois, ao contrário dos romances românticos, a história começa a partir do casamento.  Espero que essas poucas linhas tenham sido suficientes para nascer em você, caro leitor, a curiosidade que o julgamento da obra imprimiu no leitor francês de 1857. É um convite irrecusável.

 

* A autora é graduada em Letras pela UFPA; bacharela em Direito pela Unifesspa e leitora voraz, por amor e vocação.

 

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.