Correio de Carajás

A Crise da abundância

Embora tenha volume de água infinitamente menor que o Rio Tocantins, o Itacaiunas não é menos importante para Marabá. Os mais de 30 rios que fazem parte de sua bacia abastecem mais de uma dezena de cidades, irrigam plantações, matam a sede de um rebanho bovino que ultrapassa 2 milhões de rezes e são um combustível extremamente necessário para a maioria das operações da Vale no Complexo Minerador de Carajás.

O Rio Itacaiunas vem sofrendo degradação acelerada desde a década de 1970, em duas frentes distintas. Na primeira, a descoberta de minério na Serra dos Carajás atraiu empresas de mineração que começaram a preparar o terreno para a implantação do Projeto Grande Carajás, para extração de minério de ferro e outros metais.

Paralelamente, o interesse pela madeira nobre nas florestas da região empurrou para as matas um exército de tratores devastadores que abasteciam uma indústria madeireira gulosa e sem escrúpulos.

Leia mais:

A descoberta de ouro em Serra Pelada, em 1980, foi a gota d’água que faltava para fazer de Marabá e região um formigueiro humano com ocupações irregulares.

Enquanto o ouro e a madeira faziam novos ricos, as terras devastadas pelos tratores foram sendo ocupadas por pecuaristas que começaram a transformar a floresta em um deserto de pasto para criação de gado. A agricultura se fortaleceu posteriormente e transformou-se no quarto elemento nefasto para a bacia do Rio Itacaiunas.

Mas estes não são os únicos vilões da bacia. A conta deve ser atribuída também à existência de muitas estradas vicinais na zona rural, as quais empurram para dentro dos rios e riachos muitos sedimentos que ao longo dos anos vem causando, entre outros problemas, o assoreamento.

A ocupação irregular do solo também deve ser considerada uma inimiga quando o assunto é proteção dos rios. Em mais de 20 km na área urbana de Marabá, por exemplo, o Rio Itacaiunas sofre com retirada da mata ciliar, esgotos industriais e residenciais, além da pesca predatória.

E o que dizer do surgimento de balneários na área urbana, com instalação de bares, consumo irregular de alimentos e bebidas? Resolver os problemas que ameaçam a integridade dos rios que fazem parte da bacia do Itacaiunas é um dilema para autoridades e a comunidade. E não se trata de um projeto a curto prazo.

O Rio Itacaiunas nasce na Serra da Seringa, em Águia Azul do Norte, passa por outros oito municípios até despejar suas águas no Tocantins, viajando 390 km de distância. Seu caudal médio é de 600 m³/s e a área de sua bacia é de 42.000 km, banhando ainda os municípios de Parauapebas, Eldorado do Carajás, Água Azul do Norte, Canaã dos Carajás, Curionópolis, Piçarra, São Geraldo do Araguaia, Sapucaia e Xinguara. Os principais afluentes do Itacaiunas são os rios Madeira, Parauapebas, Vermelho, Aquiri, Tapirapé, Sororó, Oneã e Preto.

Pecuária ameaça as nascentes

O sul e sudeste do Pará se orgulham de ter um dos maiores rebanhos bovinos do mundo. Embora gere riqueza para um pequeno grupo de pessoas, e até mesmo geração de emprego no campo, é preciso ter consciência que a pecuária é devastadora para os rios, como é o caso daqueles que fazem parte da Bacia do Itacaiunas, onde a pecuária provocou desmatamento e avanço da pastagem, transformando-se em um dos principais contribuintes para os problemas ambientais que enfrentamos.

Nisso inclui não somente o desmatamento, mas também a poluição e esgotamento da água. É verdade que a água é um recurso renovável, mas qualitativamente falando, a água potável é finita quando o despejo de hormônios, antibióticos, pesticidas, fertilizantes e dejetos de animais ficam sem tratamento adequado ou levam muito tempo para que o mesmo ocorra, devido ao alto nível de contaminação.

Estudo recente da ONU aponta que para cada quilo de carne bovina, há o gasto de cerca de 16 mil litros de água, quase o equivalente aos gastos da indústria para a produção de couro, que beiram aos 17 mil litros. Produzir um quilo de carne de porco exige quase 6 mil litros de água, já o frango, 4 mil. Além disso, as plantações de soja, em sua imensa maioria, são destinadas à alimentação dos animais, pela produção da ração. Já na produção de batatas, o gasto é de apenas 100 litros de água por quilo.

É preciso alertar que apenas Marabá possui um rebanho bovino superior a 1 milhão de rezes. Mas a região da Bacia do Rio Itacaiunas abriga também o município com a maior quantidade de gado bovino, São Félix do Xingu (com 2,5 milhões de animais). O que para os produtores isso é motivo de orgulho, para os ambientalistas é um grande problema, porque quanto mais gado, mais rápido a água superficial localizada na bacia desaparece.

Além dos grandes pecuaristas, muitos pequenos produtores rurais de assentamentos, por exemplo, investem no gado de corte e leiteiro. “É um problema que temos que resolver porque o gado é criado solto e ameaça as nascentes dos rios”, avalia José Costa Lima, médico veterinário e representante comercial que vende produtos veterinários em fazendas da região.

Renato Silva Júnior, pesquisador e coordenador técnico do projeto de Monitoramento do Rio Itacaiunas, que está sendo desenvolvido pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV), ressalta também que muito gado na área de abrangência da Bacia do Itacaiunas faz com que a água da chuva escorra mais rápido para o Rio Tocantins e não fique nos reservatórios subterrâneos.

E ele explica como isso acontece: “A grande quantidade de animais pisando o chão das fazendas cria uma espécie de impermeabilização e a água das chuvas – ao invés de escorrer para os reservatórios subterrâneos, acaba indo direto para os reservatórios superficiais, que são os rios da bacia do Itacaiunas, e de lá segue para o Rio Tocantins. Muitas pessoas comemoraram que a vazão do Rio Tocantins e seus afluentes esteja maior, mais isso não é nada bom”, avalia o pesquisador, explicando que a tipologia do solo da região não ajuda, pois é argilosa, gerando pouca infiltração e muito escoamento.

E a agricultura?

O avanço da agricultura é outro dilema também causa danos aos rios. Isso se deve principalmente às monoculturas, como soja e milho, que estão entrando na região pelo sul do Pará e já abocanharam milhares de hectares.

ITV monitora a Bacia do Itacaiunas

Por mais de seis meses, essa reportagem vem sendo elaborada tomando como base o importante estudo do ITV (Instituto Tecnológico Vale), com sede em Belém, mas que dedica um de seus projetos ao monitoramento do Rio Itacaiunas.

O projeto é denominado “Monitoramento dos Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Itacaiunas” e o ITV formulou um Acordo de Cooperação Técnica com o governo do Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema), e a Agência Nacional de Águas (ANA). O convênio tem por finalidade estabelecer a cooperação mútua entre os participantes na implantação de ações de integração e modernização da rede hidrometeorológica na área da bacia hidrográfica do Rio Itacaiunas, na região sudeste do Pará.

Renato Silva Júnior, pesquisador e coordenador técnico do projeto Itacaiunas, concedeu entrevistas exclusivas ao Portal Correio de Carajás e explicou, detalhadamente, os objetivos do estudo de monitoramento, que iniciou em 2014, mas cujos resultados nunca foram divulgados para a Imprensa. “Nossa pretensão inicial é acompanhar e conhecer o funcionamento do conjunto de rios dessa bacia hidrográfica. Com base nos dados coletados, é possível aprimorar o uso das águas fluviais nas operações da Vale e ajudar a cuidar da qualidade da água que se deixa de captar”.

Para isso, o ITV adquiriu nos Estados Unidos oito modernas estações hidrometereológicas, que farão o monitoramento à distância. Elas foram colocadas em pontos estratégicos da bacia e estão transmitindo dados instantâneos, via satélite.

O projeto

As três primeiras estações foram instaladas nas seguintes localidades: uma na unidade de mineração de Onça Puma, outra no Sossego e a terceira no Projeto Salobo. “Iniciamos pelas unidades da Vale porque já tínhamos autorização para instalação”, explica.

Renato Silva Júnior já atuou na Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, em Brasília, foi professor da UNB, UFPA e fez doutorado no Instituto de Pesquisa Hidráulica da URGS, em Porto Alegre. Quando chegou ao ITV, em 2012, para coordenar o projeto de monitoramento, quis saber qual a realidade da bacia do Itacaiunas em termos de instrumentalização de estações pluviométricas, que medem chuvas, e ainda as fluviométricas, que medem a subida e vazão dos rios.

Silva Júnior encontrou duas estações fluviométricas, uma na fazenda Alegria, à margem do Rio Itacaiunas, e outra na fazenda Rio Branco, instalada no Rio Parauapebas. Esta última só tinha dez anos de dados levantados e já foi desativada. “A da fazenda Alegria, embora tenha 40 anos de idade, está atualmente inoperante por problemas na região”, explicando, observando que é de responsabilidade da ANA.

Sobre as estações pluviométricas, a equipe de Renato Silva Júnior percebeu que havia 36 delas espalhadas na região. Destas, apenas 20 ainda estavam ativas. Todavia, só conseguiu coletar dados de apenas sete estações. Elas estão localizadas mais estrategicamente na porção leste da Bacia do Itacaiunas, ao longo da PA-150, agora BR 155. “O máximo que conseguiu na série histórica foram 20 anos de dados”, ressalta.

Apesar de duas décadas de números, o pesquisador do ITV explica que isso não gera o que os cientistas chamam de “normais climatológicas”, que precisam de pelo menos 30 anos de dados contínuos. “Para fazer um plano de monitoramento a gente precisava instalar estações hidrometerológicas, que juntam as duas coisas: dados pluviométricos e fluviométricos”, argumenta, observando que a Bacia do Itacaiunas virou um imenso laboratório do ITV para trabalhar os recursos hídricos e disciplinas nos cursos de mestrado do instituto.

Custo de manutenção

Os equipamentos de cada uma das estações custam cerca de 30 mil dólares, segundo Renato Silva Júnior. Além disso, a instalação absorveu cerca de R$ 70 mil e a implantação, em média, consumiu recursos da ordem R$ 200 mil. “Cada estação tem custo mensal de cerca de R$ 12 mil, mas os resultados das pesquisas a longo prazo compensam para toda a sociedade”, calcula.

A geografia das oito estações

Renato Silva Júnior, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV), explica que as oito estações de monitoramento adquiridas nos EUA, no início de 2013, são autônomas do ponto de vista da coleta e transmissão de dados para a base do instituto, em Belém. Elas coletam dados continuamente e de hora em hora fazem transmissão via satélite GOES. O cadastro, para isso, é feito em um órgão nos Estados Unidos.

As estações estão distribuídas da seguinte forma:

1)    Rio Parauapebas;

2)    Rio Itacaiunas, na mina do Projeto Salobo;

3)    Rio Cateté, na mina do Projeto Onça Puma;

4)    Rio Água Azul, na fazenda Sergipana;

5)    Rio Sororó, no Campus Rural do IFPA Rural;

6)    Rio Itacaiunas – na Fazenda Abadia;

7)    Rio Gelado, no Projeto Ferrosos Norte, em Carajás;

8)    Serra Leste (não está instalado em rio, mede apenas a parte pluviométrica).

A Estação de Eldorado foi depredada por um grupo de sem terra que invadiu o Matadouro Equatorial e tomou posse das terras que ali estavam, detonando a estação. “Tivemos prejuízo de R$ 47 mil. O que sobrou dessa estação foi desmobilizada de lá e levada para Serra Leste, dentro de uma unidade Vale”, ressalta Silva Júnior.

As estações localizadas em propriedades privadas tiveram anuência de seus responsáveis e ocupam uma área de 150 m², estrutura cercada e alicerces de concreto, cerca de arame. Do lado de dentro do cercado, os técnicos constroem bases de concretos para implantar uma torre de 10 metros de altura.

Todo o material é conectado em duas caixas, sendo uma metálica com bateria e outra caixa vedada onde ficam guardados o coletor e o transmissor de dados. Fixadas na torre ficam as antenas para transmissão via satélite. Ao lado, há também um pluviômetro, para mensurar o volume de água das chuvas. 

Renato Silva Júnior permitiu que a Reportagem do blog o acompanhasse em uma visita de monitoramento à estação localizada na área do IFPA Rural, em Marabá.

Com paciência, ele mostrou que os sensores são conectados por cabos específicos, que recebem fios bastante delicados, que por sua vez fazem a transmissão dos dados.

A equipe do ITV fez ainda a instalação de 10 medidores de nível. Eles são fixados no interior do rio, protegidos por tubos galvanizados. Ao todo, segundo o pesquisador, foram utilizados mais de 1.000 metros de tubos galvanizados, levando os cabos pelos tubos até a estação.

As oito estações estão cadastradas na Agência Nacional de Águas e recebem informações de chuva, temperatura (máxima, mínima e média), direção do vento, velocidade do vento e pressão barométrica.

Por enquanto, todas as informações repassadas pelas oito estações ficam armazenadas no site www.noaa.com e para chegar lá é preciso ter um conhecimento técnico aprofundado, passando por um labirinto digital complexo. Além disso, é preciso saber fazer a leitura dos dados. “Pretendemos tornar essas informações disponíveis na Semas para que todas as pessoas tenham acesso a elas. Hoje, podemos disponibilizar relatórios a partir de coletas de dados das informações”, explica o dedicado Renato.

Aliás, ele alerta que o monitoramento ainda é recente e que serão necessários dados de vários anos para que as comparações sejam mais efetivas.

Além das oito estações, que medem dados quantitativos, o ITV colhe informações qualitativas por intermédio de 18 sensores de nível que estão distribuídos ao longo da bacia. Há um sensor desses instalado, por exemplo, embaixo da ponte sobre o Rio Itacaiunas, em Marabá.

A equipe do ITV realiza, também, quatro campanhas durante o ano. Nelas, avalia o nível de vazão dos rios, utilizando dois equipamentos diferentes: um para quando o nível está acima de um metro (Acoustic Double). Abaixo disso, utiliza outro equipamento, o Full tracker.

Segundo dados do ITV, em 2015 o Rio Itacaiunas apresentou uma vazão de 1.525m³/s em março e de 35 m³/s em setembro, havendo, portanto, uma redução de 97%. Comportamento similar foi verificado em seus tributários, sendo que se observou a intermitência do Rio Parauapebas que, na seção da mina do Sossego, apresentou vazão zero em setembro.

A acentuada redução sazonal na descarga hídrica constitui um problema e demanda continuidade no monitoramento, pois pode comprometer o abastecimento de áreas urbanas e rurais e afetar as demandas dos projetos industriais, como também pode reduzir o poder de autodepuração desses corpos hídricos e, consequentemente, a qualidade da água. 

“A continuidade do monitoramento, associado com a análise e interpretação do comportamento dos rios da bacia, em conjunto com dados de geoquímica e de uso e ocupação do solo, possibilitará antever situações críticas em termos da disponibilidade das águas superficiais em determinados períodos do ano na área da Bacia do Rio Itacaiunas e poderá, assim, contribuir para reduzir potenciais impactos ambientais”, diz relatório do ITV.

Alerta: Temperatura do Itacaiunas sobre 2 graus

Baseado em dados das mais antigas das estações de monitoramento do Itacaiunas, Renato Silva Júnior revela que a temperatura do rio subiu quase dois graus nos últimos 40 anos. E isso pode ter graves consequências.

O biólogo Fábio Reis, da Universidade Federal Pública do Sul e Sudeste do Pará, mostrou-se preocupado quando soube que a temperatura do Itacaiunas subiu quase dois graus nesse período. “É um índice muito preocupante, porque afeta muitas formas de vida”, disse ele, ao ser procurado pelo Portal Correio de Carajás para comentar o assunto.

Fábio Reis explica que este é um caso do que a ciência chama de poluição térmica, que é pouco conhecida por não ser facilmente observável, mas seu impacto é considerável. Ela ocorre quando a temperatura de algum ecossistema aquático (como um rio, por exemplo) é aumentada ou diminuída, causando um impacto direto na população desse ecossistema.

A poluição térmica do ar, embora menos comum, também pode provocar danos ambientais. A liberação de vapor de água por uma indústria em uma área com pouca dispersão do ar pode ocasionar a morte de pássaros, insetos e plantas. “Indústrias e usinas de energia são as maiores fontes de poluição térmica. Elas retiram água de uma fonte natural para resfriamento do maquinário ou a utilizam no processo produtivo, devolvendo-a posteriormente em maior temperatura”, adverte, lembrando que na bacia do Itacaiunas há várias indústrias com esse potencial.

O aumento de temperatura afeta a reprodução de animais aquáticos, causando uma liberação de ovos imaturos ou prevenindo o desenvolvimento normal de certos ovos. “A poluição térmica causa mudanças no metabolismo, fazendo com que os organismos consumam mais alimento. Isso desequilibra a estabilidade da cadeia alimentar e o balanço das espécies do local”, diz Fábio Reis.

Mesmo com todos esses efeitos negativos para o ecossistema, as necessidades humanas ainda acabam sendo colocadas em primeiro lugar. A fim de controlar a poluição térmica, normas e medidas governamentais são criadas para garantir que as industrias utilizem de forma correta a água, retornando-a apropriadamente ao rio.

Cada qual tem seu regime

Embora muita gente na região sudeste do Pará faça alarde sobre a seca dos rios no período de estiagem (verão), exibindo fotos em que aparecem apenas pedras, com minúsculos filetes de água, o pesquisador Renato Silva Júnior, do Instituto Tecnológico Vale, pondera que os rios da bacia do Itacaiunas têm regimes diferentes.

Alguns que são perenes, têm agua o ano todo, mas há outros intermitentes, como o Parauapebas, que secam em determinado período do ano. “Eles não têm contribuição das chuvas e isso é histórico. A geologia e topografia da região contribuem muito para isso, como no caso do Rio Parauapebas”, diz.

Silva Júnior salienta que os rios Preto, Água Azul e Piranhas é que dão o caudal para o Itacaiunas, porque a contribuição do Parauapebas é pequena, principalmente no verão.

Por outro lado, ele lamenta que a cobertura vegetal da região do município de Parauapebas tenha sido modificada drasticamente, transformando floresta em áreas pastagem. “As secretarias municipais de meio ambiente precisavam criar programas de orientação para as grandes áreas de onde os proprietários retiram a cobertura vegetal das margens dos igarapés e dos rios”, mostrando os impactos que isso causa.

O pesquisador do ITV revelou que quando começou a medir a vazão dos rios da bacia em junho de 2016, já estava registrando valores que eram normais para setembro, quando de fato ocorre a grande seca. “Claro, houve influência forte do El Nino nesse período e as chuvas diminuíram consideravelmente. Após três anos de dedicado trabalho na Bacia do Rio Itacaiunas, já temos um bom universo de informações coletadas. E elas nos dão condições para começar a fazer previsões sobre aquilo que pode vir a acontecer num futuro próximo ou daqui a dez, quinze anos”, sustenta.

Em tom de desabafo pessoal, Renato explica que percorre toda a Bacia do Itacaiunas e fica indignando com a forma como muitas pessoas tratam os córregos, igarapés e rios. Em tudo que diz respeito aos elementos hídricos de drenagem, não entende por cortam toda a vegetação. “Depois, eles não entendem por que não tem água no rio deles. Se não tem água que vem de cima, que é nossa fonte mestra, a chuva, precisamos conservar a que temos aqui embaixo, mas as pessoas não estão fazendo isso”, adverte.

Até tu, Tocantins?

Em 2015, a equipe técnica do ITV fez medições no Rio Tocantins, que tem mega quantidade de água. Em março, constataram que o rio apresentava vazão de 22.000 m² por segundo. Quando voltaram para fazer medição em setembro, o índice havia despencado para 2.000 m² por segundo. “Foi uma perda de volume muito representativa”, avalia Renato Silva Júnior, pesquisador do ITV. 

Vozes do Itacaiunas

Muitas pessoas não querem mais ser omissas em relação ao drama por que passam o Rio Itacaiunas e dezenas de seus afluentes. Agora, elas buscas solução para mudar a realidade, mesmo que a longo prazo.

Com o Rio Itacaiunas em situação degradante, aos poucos vão aparecendo voluntários com boas ideias de preservação e restauração. Foi o que aconteceu, por exemplo, há dois anos, quando o Ministério Público Estadual, através da Promotoria de Justiça de Meio Ambiente de Marabá, resolveu reunir um grupo de ativistas ambientais para discutir formas de preservar e restaurar as margens do Rio Itacaiunas nos mais de 20 km – da foz até a área de ocupação conhecida como Tibiriçá.

Para surpresa da promotora de Meio Ambiente, Josélia Leontina de Barros, dezenas de pessoas compareceram se oferecendo para contribuir com ideias e ações. Além de representantes de órgãos públicos, surgiram moradores das margens dos rios, barqueiros e outras personalidades da cidade.

A ideia foi ampliada e o que era para ser uma ação local, acabou transformando-se em uma rede regional, mobilizando representantes de outros municípios do sudeste com o objetivo de criar um Comitê da Bacia do Rio Itacaiunas, que ainda está em processo de diálogo. “Estamos motivados, mas conscientes de que só teremos resultados positivos a longo prazo. Estamos entrando em contato com membros do Conselho Estadual de Meio Ambiente para receber informações que contribuam para criação do Comitê da Bacia do Rio Itacaiunas”, diz a promotora Josélia Leontina.

No dia 18 de maio deste ano foi realizada uma reunião entre ocupantes de Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e integrantes da força-tarefa composta pelo Ministério Público do Meio Ambiente, ICMbio, ONGs, universidades, Fundação Casa da Cultura, entre outros que fazem parte do grupo denominado “Preservação do Itacaiunas”. Eles palestra de conscientização no chamado Balneário Vavazão, para conscientizar barqueiros, rabeteiros e comerciantes do local a utilizarem o rio com responsabilidade.

Os discursos apontavam para o estabelecimento de uma parceria com os ribeirinhos que hoje residem às margens do rio, para que colaborem com a preservação da mata ciliar, além de se envolverem em outras ações que serão desenvolvidas posteriormente em conjunto com os órgãos oficiais e ONG’s.

O pescador e barqueiro José Carlos Pinto, 53, reconhece o alto grau de degradação do Rio Itacaiunas na atualidade. Ele conta que aprendeu a navegar pelas corredeiras do rio com seu pai, Erasmo Pinto, na década de 1970 e atesta que as condições do Itacaiunas estão bastante alteradas. “Desmataram tudo, os peixes desapareceram e muitas famílias que dependiam do rio para sobreviver estão passando dificuldades”, afirmou.

O que é um comitê de bacia?

Os Comitês de Bacia Hidrográfica são organismos colegiados que fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e existem no Brasil desde 1988. A composição diversificada e democrática dos Comitês contribui para que todos os setores da sociedade com interesse sobre a água na bacia tenham representação e poder de decisão sobre sua gestão.

Os membros que compõem o colegiado são escolhidos entre seus pares, sejam eles dos diversos setores usuários de água, das organizações da sociedade civil ou dos poderes públicos. Suas principais competências são: aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia; arbitrar conflitos pelo uso da água, em primeira instância administrativa; estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água; entre outros.

No Pará, o único Comitê do gênero é o da Bacia Hidrográfica do Rio Marapanim, que está servindo de referência para o de Marabá. Todavia, é preciso observar que no caso da Bacia do Itacaiunas, ela é diferenciada porque ela é estadual e não federal, porque os rios não nascem em outros estados.

E EU COM ISSO?

Quem vive em Marabá se acostumou com água em abundância. Esse colosso de águas – Tocantins e Itacaiunas – fez com que as pessoas desprezassem os rios, inventassem o conceito do “tenho direito ao banho de 30 minutos” e se dessem ao luxo de transformar as estradas hídricas da região em fossas fedorentas cercadas por asfalto de todos os lados. Mais do que nunca, chegou a hora da população mudar sua relação com a água. A era do banho-ostentação precisa acabar.

Senão, pode chover um dilúvio em Marabá e nas cabeceiras dos rios. Se a população não fechar a torneira enquanto estiver lavando louça, se não substituir a mangueira pela vassoura, se as indústrias, a agricultura e a pecuária não ajudarem, se o governo não fizer as campanhas de informação que precisam ser feitas, vai faltar água. É só marcar no relógio. Ou Marabá aceita que água é um recurso finito ou vai só adiar o dia em que, finalmente, o mundão de rios vai virar sertão – nem que seja um sertão cheio de prédios espelhados.

Ok, agricultura e pecuária produzem alimento – mas também pode fazê-lo sem tanto desperdício. Há alguns progressos em irrigação inteligente e controle de produção, mas ainda tem muito espaço para melhorar. A mesma coisa vale para a indústria, que consome e suja uma enormidade de água.

No Brasil, a indústria consome 18% da água. Alguns estudos mostram que esgoto industrial polui quase sete vezes mais do que aquele xixi maroto que escorre pela sua privada. Ah, sempre é bom reforçar: reciclagem também ajuda. A indústria de alumínio é uma das maiores consumidoras de água do planeta. A reciclagem ajuda a diminuir o consumo de energia e de água no processo. Mais um ponto na gincana da economia.

Embora tenha volume de água infinitamente menor que o Rio Tocantins, o Itacaiunas não é menos importante para Marabá. Os mais de 30 rios que fazem parte de sua bacia abastecem mais de uma dezena de cidades, irrigam plantações, matam a sede de um rebanho bovino que ultrapassa 2 milhões de rezes e são um combustível extremamente necessário para a maioria das operações da Vale no Complexo Minerador de Carajás.

O Rio Itacaiunas vem sofrendo degradação acelerada desde a década de 1970, em duas frentes distintas. Na primeira, a descoberta de minério na Serra dos Carajás atraiu empresas de mineração que começaram a preparar o terreno para a implantação do Projeto Grande Carajás, para extração de minério de ferro e outros metais.

Paralelamente, o interesse pela madeira nobre nas florestas da região empurrou para as matas um exército de tratores devastadores que abasteciam uma indústria madeireira gulosa e sem escrúpulos.

A descoberta de ouro em Serra Pelada, em 1980, foi a gota d’água que faltava para fazer de Marabá e região um formigueiro humano com ocupações irregulares.

Enquanto o ouro e a madeira faziam novos ricos, as terras devastadas pelos tratores foram sendo ocupadas por pecuaristas que começaram a transformar a floresta em um deserto de pasto para criação de gado. A agricultura se fortaleceu posteriormente e transformou-se no quarto elemento nefasto para a bacia do Rio Itacaiunas.

Mas estes não são os únicos vilões da bacia. A conta deve ser atribuída também à existência de muitas estradas vicinais na zona rural, as quais empurram para dentro dos rios e riachos muitos sedimentos que ao longo dos anos vem causando, entre outros problemas, o assoreamento.

A ocupação irregular do solo também deve ser considerada uma inimiga quando o assunto é proteção dos rios. Em mais de 20 km na área urbana de Marabá, por exemplo, o Rio Itacaiunas sofre com retirada da mata ciliar, esgotos industriais e residenciais, além da pesca predatória.

E o que dizer do surgimento de balneários na área urbana, com instalação de bares, consumo irregular de alimentos e bebidas? Resolver os problemas que ameaçam a integridade dos rios que fazem parte da bacia do Itacaiunas é um dilema para autoridades e a comunidade. E não se trata de um projeto a curto prazo.

O Rio Itacaiunas nasce na Serra da Seringa, em Águia Azul do Norte, passa por outros oito municípios até despejar suas águas no Tocantins, viajando 390 km de distância. Seu caudal médio é de 600 m³/s e a área de sua bacia é de 42.000 km, banhando ainda os municípios de Parauapebas, Eldorado do Carajás, Água Azul do Norte, Canaã dos Carajás, Curionópolis, Piçarra, São Geraldo do Araguaia, Sapucaia e Xinguara. Os principais afluentes do Itacaiunas são os rios Madeira, Parauapebas, Vermelho, Aquiri, Tapirapé, Sororó, Oneã e Preto.

Pecuária ameaça as nascentes

O sul e sudeste do Pará se orgulham de ter um dos maiores rebanhos bovinos do mundo. Embora gere riqueza para um pequeno grupo de pessoas, e até mesmo geração de emprego no campo, é preciso ter consciência que a pecuária é devastadora para os rios, como é o caso daqueles que fazem parte da Bacia do Itacaiunas, onde a pecuária provocou desmatamento e avanço da pastagem, transformando-se em um dos principais contribuintes para os problemas ambientais que enfrentamos.

Nisso inclui não somente o desmatamento, mas também a poluição e esgotamento da água. É verdade que a água é um recurso renovável, mas qualitativamente falando, a água potável é finita quando o despejo de hormônios, antibióticos, pesticidas, fertilizantes e dejetos de animais ficam sem tratamento adequado ou levam muito tempo para que o mesmo ocorra, devido ao alto nível de contaminação.

Estudo recente da ONU aponta que para cada quilo de carne bovina, há o gasto de cerca de 16 mil litros de água, quase o equivalente aos gastos da indústria para a produção de couro, que beiram aos 17 mil litros. Produzir um quilo de carne de porco exige quase 6 mil litros de água, já o frango, 4 mil. Além disso, as plantações de soja, em sua imensa maioria, são destinadas à alimentação dos animais, pela produção da ração. Já na produção de batatas, o gasto é de apenas 100 litros de água por quilo.

É preciso alertar que apenas Marabá possui um rebanho bovino superior a 1 milhão de rezes. Mas a região da Bacia do Rio Itacaiunas abriga também o município com a maior quantidade de gado bovino, São Félix do Xingu (com 2,5 milhões de animais). O que para os produtores isso é motivo de orgulho, para os ambientalistas é um grande problema, porque quanto mais gado, mais rápido a água superficial localizada na bacia desaparece.

Além dos grandes pecuaristas, muitos pequenos produtores rurais de assentamentos, por exemplo, investem no gado de corte e leiteiro. “É um problema que temos que resolver porque o gado é criado solto e ameaça as nascentes dos rios”, avalia José Costa Lima, médico veterinário e representante comercial que vende produtos veterinários em fazendas da região.

Renato Silva Júnior, pesquisador e coordenador técnico do projeto de Monitoramento do Rio Itacaiunas, que está sendo desenvolvido pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV), ressalta também que muito gado na área de abrangência da Bacia do Itacaiunas faz com que a água da chuva escorra mais rápido para o Rio Tocantins e não fique nos reservatórios subterrâneos.

E ele explica como isso acontece: “A grande quantidade de animais pisando o chão das fazendas cria uma espécie de impermeabilização e a água das chuvas – ao invés de escorrer para os reservatórios subterrâneos, acaba indo direto para os reservatórios superficiais, que são os rios da bacia do Itacaiunas, e de lá segue para o Rio Tocantins. Muitas pessoas comemoraram que a vazão do Rio Tocantins e seus afluentes esteja maior, mais isso não é nada bom”, avalia o pesquisador, explicando que a tipologia do solo da região não ajuda, pois é argilosa, gerando pouca infiltração e muito escoamento.

E a agricultura?

O avanço da agricultura é outro dilema também causa danos aos rios. Isso se deve principalmente às monoculturas, como soja e milho, que estão entrando na região pelo sul do Pará e já abocanharam milhares de hectares.

ITV monitora a Bacia do Itacaiunas

Por mais de seis meses, essa reportagem vem sendo elaborada tomando como base o importante estudo do ITV (Instituto Tecnológico Vale), com sede em Belém, mas que dedica um de seus projetos ao monitoramento do Rio Itacaiunas.

O projeto é denominado “Monitoramento dos Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Itacaiunas” e o ITV formulou um Acordo de Cooperação Técnica com o governo do Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema), e a Agência Nacional de Águas (ANA). O convênio tem por finalidade estabelecer a cooperação mútua entre os participantes na implantação de ações de integração e modernização da rede hidrometeorológica na área da bacia hidrográfica do Rio Itacaiunas, na região sudeste do Pará.

Renato Silva Júnior, pesquisador e coordenador técnico do projeto Itacaiunas, concedeu entrevistas exclusivas ao Portal Correio de Carajás e explicou, detalhadamente, os objetivos do estudo de monitoramento, que iniciou em 2014, mas cujos resultados nunca foram divulgados para a Imprensa. “Nossa pretensão inicial é acompanhar e conhecer o funcionamento do conjunto de rios dessa bacia hidrográfica. Com base nos dados coletados, é possível aprimorar o uso das águas fluviais nas operações da Vale e ajudar a cuidar da qualidade da água que se deixa de captar”.

Para isso, o ITV adquiriu nos Estados Unidos oito modernas estações hidrometereológicas, que farão o monitoramento à distância. Elas foram colocadas em pontos estratégicos da bacia e estão transmitindo dados instantâneos, via satélite.

O projeto

As três primeiras estações foram instaladas nas seguintes localidades: uma na unidade de mineração de Onça Puma, outra no Sossego e a terceira no Projeto Salobo. “Iniciamos pelas unidades da Vale porque já tínhamos autorização para instalação”, explica.

Renato Silva Júnior já atuou na Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, em Brasília, foi professor da UNB, UFPA e fez doutorado no Instituto de Pesquisa Hidráulica da URGS, em Porto Alegre. Quando chegou ao ITV, em 2012, para coordenar o projeto de monitoramento, quis saber qual a realidade da bacia do Itacaiunas em termos de instrumentalização de estações pluviométricas, que medem chuvas, e ainda as fluviométricas, que medem a subida e vazão dos rios.

Silva Júnior encontrou duas estações fluviométricas, uma na fazenda Alegria, à margem do Rio Itacaiunas, e outra na fazenda Rio Branco, instalada no Rio Parauapebas. Esta última só tinha dez anos de dados levantados e já foi desativada. “A da fazenda Alegria, embora tenha 40 anos de idade, está atualmente inoperante por problemas na região”, explicando, observando que é de responsabilidade da ANA.

Sobre as estações pluviométricas, a equipe de Renato Silva Júnior percebeu que havia 36 delas espalhadas na região. Destas, apenas 20 ainda estavam ativas. Todavia, só conseguiu coletar dados de apenas sete estações. Elas estão localizadas mais estrategicamente na porção leste da Bacia do Itacaiunas, ao longo da PA-150, agora BR 155. “O máximo que conseguiu na série histórica foram 20 anos de dados”, ressalta.

Apesar de duas décadas de números, o pesquisador do ITV explica que isso não gera o que os cientistas chamam de “normais climatológicas”, que precisam de pelo menos 30 anos de dados contínuos. “Para fazer um plano de monitoramento a gente precisava instalar estações hidrometerológicas, que juntam as duas coisas: dados pluviométricos e fluviométricos”, argumenta, observando que a Bacia do Itacaiunas virou um imenso laboratório do ITV para trabalhar os recursos hídricos e disciplinas nos cursos de mestrado do instituto.

Custo de manutenção

Os equipamentos de cada uma das estações custam cerca de 30 mil dólares, segundo Renato Silva Júnior. Além disso, a instalação absorveu cerca de R$ 70 mil e a implantação, em média, consumiu recursos da ordem R$ 200 mil. “Cada estação tem custo mensal de cerca de R$ 12 mil, mas os resultados das pesquisas a longo prazo compensam para toda a sociedade”, calcula.

A geografia das oito estações

Renato Silva Júnior, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV), explica que as oito estações de monitoramento adquiridas nos EUA, no início de 2013, são autônomas do ponto de vista da coleta e transmissão de dados para a base do instituto, em Belém. Elas coletam dados continuamente e de hora em hora fazem transmissão via satélite GOES. O cadastro, para isso, é feito em um órgão nos Estados Unidos.

As estações estão distribuídas da seguinte forma:

1)    Rio Parauapebas;

2)    Rio Itacaiunas, na mina do Projeto Salobo;

3)    Rio Cateté, na mina do Projeto Onça Puma;

4)    Rio Água Azul, na fazenda Sergipana;

5)    Rio Sororó, no Campus Rural do IFPA Rural;

6)    Rio Itacaiunas – na Fazenda Abadia;

7)    Rio Gelado, no Projeto Ferrosos Norte, em Carajás;

8)    Serra Leste (não está instalado em rio, mede apenas a parte pluviométrica).

A Estação de Eldorado foi depredada por um grupo de sem terra que invadiu o Matadouro Equatorial e tomou posse das terras que ali estavam, detonando a estação. “Tivemos prejuízo de R$ 47 mil. O que sobrou dessa estação foi desmobilizada de lá e levada para Serra Leste, dentro de uma unidade Vale”, ressalta Silva Júnior.

As estações localizadas em propriedades privadas tiveram anuência de seus responsáveis e ocupam uma área de 150 m², estrutura cercada e alicerces de concreto, cerca de arame. Do lado de dentro do cercado, os técnicos constroem bases de concretos para implantar uma torre de 10 metros de altura.

Todo o material é conectado em duas caixas, sendo uma metálica com bateria e outra caixa vedada onde ficam guardados o coletor e o transmissor de dados. Fixadas na torre ficam as antenas para transmissão via satélite. Ao lado, há também um pluviômetro, para mensurar o volume de água das chuvas. 

Renato Silva Júnior permitiu que a Reportagem do blog o acompanhasse em uma visita de monitoramento à estação localizada na área do IFPA Rural, em Marabá.

Com paciência, ele mostrou que os sensores são conectados por cabos específicos, que recebem fios bastante delicados, que por sua vez fazem a transmissão dos dados.

A equipe do ITV fez ainda a instalação de 10 medidores de nível. Eles são fixados no interior do rio, protegidos por tubos galvanizados. Ao todo, segundo o pesquisador, foram utilizados mais de 1.000 metros de tubos galvanizados, levando os cabos pelos tubos até a estação.

As oito estações estão cadastradas na Agência Nacional de Águas e recebem informações de chuva, temperatura (máxima, mínima e média), direção do vento, velocidade do vento e pressão barométrica.

Por enquanto, todas as informações repassadas pelas oito estações ficam armazenadas no site www.noaa.com e para chegar lá é preciso ter um conhecimento técnico aprofundado, passando por um labirinto digital complexo. Além disso, é preciso saber fazer a leitura dos dados. “Pretendemos tornar essas informações disponíveis na Semas para que todas as pessoas tenham acesso a elas. Hoje, podemos disponibilizar relatórios a partir de coletas de dados das informações”, explica o dedicado Renato.

Aliás, ele alerta que o monitoramento ainda é recente e que serão necessários dados de vários anos para que as comparações sejam mais efetivas.

Além das oito estações, que medem dados quantitativos, o ITV colhe informações qualitativas por intermédio de 18 sensores de nível que estão distribuídos ao longo da bacia. Há um sensor desses instalado, por exemplo, embaixo da ponte sobre o Rio Itacaiunas, em Marabá.

A equipe do ITV realiza, também, quatro campanhas durante o ano. Nelas, avalia o nível de vazão dos rios, utilizando dois equipamentos diferentes: um para quando o nível está acima de um metro (Acoustic Double). Abaixo disso, utiliza outro equipamento, o Full tracker.

Segundo dados do ITV, em 2015 o Rio Itacaiunas apresentou uma vazão de 1.525m³/s em março e de 35 m³/s em setembro, havendo, portanto, uma redução de 97%. Comportamento similar foi verificado em seus tributários, sendo que se observou a intermitência do Rio Parauapebas que, na seção da mina do Sossego, apresentou vazão zero em setembro.

A acentuada redução sazonal na descarga hídrica constitui um problema e demanda continuidade no monitoramento, pois pode comprometer o abastecimento de áreas urbanas e rurais e afetar as demandas dos projetos industriais, como também pode reduzir o poder de autodepuração desses corpos hídricos e, consequentemente, a qualidade da água. 

“A continuidade do monitoramento, associado com a análise e interpretação do comportamento dos rios da bacia, em conjunto com dados de geoquímica e de uso e ocupação do solo, possibilitará antever situações críticas em termos da disponibilidade das águas superficiais em determinados períodos do ano na área da Bacia do Rio Itacaiunas e poderá, assim, contribuir para reduzir potenciais impactos ambientais”, diz relatório do ITV.

Alerta: Temperatura do Itacaiunas sobre 2 graus

Baseado em dados das mais antigas das estações de monitoramento do Itacaiunas, Renato Silva Júnior revela que a temperatura do rio subiu quase dois graus nos últimos 40 anos. E isso pode ter graves consequências.

O biólogo Fábio Reis, da Universidade Federal Pública do Sul e Sudeste do Pará, mostrou-se preocupado quando soube que a temperatura do Itacaiunas subiu quase dois graus nesse período. “É um índice muito preocupante, porque afeta muitas formas de vida”, disse ele, ao ser procurado pelo Portal Correio de Carajás para comentar o assunto.

Fábio Reis explica que este é um caso do que a ciência chama de poluição térmica, que é pouco conhecida por não ser facilmente observável, mas seu impacto é considerável. Ela ocorre quando a temperatura de algum ecossistema aquático (como um rio, por exemplo) é aumentada ou diminuída, causando um impacto direto na população desse ecossistema.

A poluição térmica do ar, embora menos comum, também pode provocar danos ambientais. A liberação de vapor de água por uma indústria em uma área com pouca dispersão do ar pode ocasionar a morte de pássaros, insetos e plantas. “Indústrias e usinas de energia são as maiores fontes de poluição térmica. Elas retiram água de uma fonte natural para resfriamento do maquinário ou a utilizam no processo produtivo, devolvendo-a posteriormente em maior temperatura”, adverte, lembrando que na bacia do Itacaiunas há várias indústrias com esse potencial.

O aumento de temperatura afeta a reprodução de animais aquáticos, causando uma liberação de ovos imaturos ou prevenindo o desenvolvimento normal de certos ovos. “A poluição térmica causa mudanças no metabolismo, fazendo com que os organismos consumam mais alimento. Isso desequilibra a estabilidade da cadeia alimentar e o balanço das espécies do local”, diz Fábio Reis.

Mesmo com todos esses efeitos negativos para o ecossistema, as necessidades humanas ainda acabam sendo colocadas em primeiro lugar. A fim de controlar a poluição térmica, normas e medidas governamentais são criadas para garantir que as industrias utilizem de forma correta a água, retornando-a apropriadamente ao rio.

Cada qual tem seu regime

Embora muita gente na região sudeste do Pará faça alarde sobre a seca dos rios no período de estiagem (verão), exibindo fotos em que aparecem apenas pedras, com minúsculos filetes de água, o pesquisador Renato Silva Júnior, do Instituto Tecnológico Vale, pondera que os rios da bacia do Itacaiunas têm regimes diferentes.

Alguns que são perenes, têm agua o ano todo, mas há outros intermitentes, como o Parauapebas, que secam em determinado período do ano. “Eles não têm contribuição das chuvas e isso é histórico. A geologia e topografia da região contribuem muito para isso, como no caso do Rio Parauapebas”, diz.

Silva Júnior salienta que os rios Preto, Água Azul e Piranhas é que dão o caudal para o Itacaiunas, porque a contribuição do Parauapebas é pequena, principalmente no verão.

Por outro lado, ele lamenta que a cobertura vegetal da região do município de Parauapebas tenha sido modificada drasticamente, transformando floresta em áreas pastagem. “As secretarias municipais de meio ambiente precisavam criar programas de orientação para as grandes áreas de onde os proprietários retiram a cobertura vegetal das margens dos igarapés e dos rios”, mostrando os impactos que isso causa.

O pesquisador do ITV revelou que quando começou a medir a vazão dos rios da bacia em junho de 2016, já estava registrando valores que eram normais para setembro, quando de fato ocorre a grande seca. “Claro, houve influência forte do El Nino nesse período e as chuvas diminuíram consideravelmente. Após três anos de dedicado trabalho na Bacia do Rio Itacaiunas, já temos um bom universo de informações coletadas. E elas nos dão condições para começar a fazer previsões sobre aquilo que pode vir a acontecer num futuro próximo ou daqui a dez, quinze anos”, sustenta.

Em tom de desabafo pessoal, Renato explica que percorre toda a Bacia do Itacaiunas e fica indignando com a forma como muitas pessoas tratam os córregos, igarapés e rios. Em tudo que diz respeito aos elementos hídricos de drenagem, não entende por cortam toda a vegetação. “Depois, eles não entendem por que não tem água no rio deles. Se não tem água que vem de cima, que é nossa fonte mestra, a chuva, precisamos conservar a que temos aqui embaixo, mas as pessoas não estão fazendo isso”, adverte.

Até tu, Tocantins?

Em 2015, a equipe técnica do ITV fez medições no Rio Tocantins, que tem mega quantidade de água. Em março, constataram que o rio apresentava vazão de 22.000 m² por segundo. Quando voltaram para fazer medição em setembro, o índice havia despencado para 2.000 m² por segundo. “Foi uma perda de volume muito representativa”, avalia Renato Silva Júnior, pesquisador do ITV. 

Vozes do Itacaiunas

Muitas pessoas não querem mais ser omissas em relação ao drama por que passam o Rio Itacaiunas e dezenas de seus afluentes. Agora, elas buscas solução para mudar a realidade, mesmo que a longo prazo.

Com o Rio Itacaiunas em situação degradante, aos poucos vão aparecendo voluntários com boas ideias de preservação e restauração. Foi o que aconteceu, por exemplo, há dois anos, quando o Ministério Público Estadual, através da Promotoria de Justiça de Meio Ambiente de Marabá, resolveu reunir um grupo de ativistas ambientais para discutir formas de preservar e restaurar as margens do Rio Itacaiunas nos mais de 20 km – da foz até a área de ocupação conhecida como Tibiriçá.

Para surpresa da promotora de Meio Ambiente, Josélia Leontina de Barros, dezenas de pessoas compareceram se oferecendo para contribuir com ideias e ações. Além de representantes de órgãos públicos, surgiram moradores das margens dos rios, barqueiros e outras personalidades da cidade.

A ideia foi ampliada e o que era para ser uma ação local, acabou transformando-se em uma rede regional, mobilizando representantes de outros municípios do sudeste com o objetivo de criar um Comitê da Bacia do Rio Itacaiunas, que ainda está em processo de diálogo. “Estamos motivados, mas conscientes de que só teremos resultados positivos a longo prazo. Estamos entrando em contato com membros do Conselho Estadual de Meio Ambiente para receber informações que contribuam para criação do Comitê da Bacia do Rio Itacaiunas”, diz a promotora Josélia Leontina.

No dia 18 de maio deste ano foi realizada uma reunião entre ocupantes de Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e integrantes da força-tarefa composta pelo Ministério Público do Meio Ambiente, ICMbio, ONGs, universidades, Fundação Casa da Cultura, entre outros que fazem parte do grupo denominado “Preservação do Itacaiunas”. Eles palestra de conscientização no chamado Balneário Vavazão, para conscientizar barqueiros, rabeteiros e comerciantes do local a utilizarem o rio com responsabilidade.

Os discursos apontavam para o estabelecimento de uma parceria com os ribeirinhos que hoje residem às margens do rio, para que colaborem com a preservação da mata ciliar, além de se envolverem em outras ações que serão desenvolvidas posteriormente em conjunto com os órgãos oficiais e ONG’s.

O pescador e barqueiro José Carlos Pinto, 53, reconhece o alto grau de degradação do Rio Itacaiunas na atualidade. Ele conta que aprendeu a navegar pelas corredeiras do rio com seu pai, Erasmo Pinto, na década de 1970 e atesta que as condições do Itacaiunas estão bastante alteradas. “Desmataram tudo, os peixes desapareceram e muitas famílias que dependiam do rio para sobreviver estão passando dificuldades”, afirmou.

O que é um comitê de bacia?

Os Comitês de Bacia Hidrográfica são organismos colegiados que fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e existem no Brasil desde 1988. A composição diversificada e democrática dos Comitês contribui para que todos os setores da sociedade com interesse sobre a água na bacia tenham representação e poder de decisão sobre sua gestão.

Os membros que compõem o colegiado são escolhidos entre seus pares, sejam eles dos diversos setores usuários de água, das organizações da sociedade civil ou dos poderes públicos. Suas principais competências são: aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia; arbitrar conflitos pelo uso da água, em primeira instância administrativa; estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água; entre outros.

No Pará, o único Comitê do gênero é o da Bacia Hidrográfica do Rio Marapanim, que está servindo de referência para o de Marabá. Todavia, é preciso observar que no caso da Bacia do Itacaiunas, ela é diferenciada porque ela é estadual e não federal, porque os rios não nascem em outros estados.

E EU COM ISSO?

Quem vive em Marabá se acostumou com água em abundância. Esse colosso de águas – Tocantins e Itacaiunas – fez com que as pessoas desprezassem os rios, inventassem o conceito do “tenho direito ao banho de 30 minutos” e se dessem ao luxo de transformar as estradas hídricas da região em fossas fedorentas cercadas por asfalto de todos os lados. Mais do que nunca, chegou a hora da população mudar sua relação com a água. A era do banho-ostentação precisa acabar.

Senão, pode chover um dilúvio em Marabá e nas cabeceiras dos rios. Se a população não fechar a torneira enquanto estiver lavando louça, se não substituir a mangueira pela vassoura, se as indústrias, a agricultura e a pecuária não ajudarem, se o governo não fizer as campanhas de informação que precisam ser feitas, vai faltar água. É só marcar no relógio. Ou Marabá aceita que água é um recurso finito ou vai só adiar o dia em que, finalmente, o mundão de rios vai virar sertão – nem que seja um sertão cheio de prédios espelhados.

Ok, agricultura e pecuária produzem alimento – mas também pode fazê-lo sem tanto desperdício. Há alguns progressos em irrigação inteligente e controle de produção, mas ainda tem muito espaço para melhorar. A mesma coisa vale para a indústria, que consome e suja uma enormidade de água.

No Brasil, a indústria consome 18% da água. Alguns estudos mostram que esgoto industrial polui quase sete vezes mais do que aquele xixi maroto que escorre pela sua privada. Ah, sempre é bom reforçar: reciclagem também ajuda. A indústria de alumínio é uma das maiores consumidoras de água do planeta. A reciclagem ajuda a diminuir o consumo de energia e de água no processo. Mais um ponto na gincana da economia.