Correio de Carajás

“Pra sair daqui só se mandarem a máquina passar em cima”, diz ocupante do Magalhães

Magalhães: HF define decisão da Caixa como “no mínimo estranha” e afirma que irá reagir

Após anos vivendo de aluguel, Vanda Maria dos Santos ocupa atualmente uma das unidades do Residencial Magalhães, empreendimento situado no Núcleo São Félix e vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, nunca entregue oficialmente ao Município de Marabá. Nem sempre foi assim. Ela já teve casa própria registrada em nome da família, mas precisou vender o imóvel, segundo relata, para pagar as despesas do velório do marido, vitimado pela cirrose.

Nos últimos cinco meses viveu em relativa tranquilidade, mas desde ontem, terça-feira (27), junto de centenas de pessoas que vivem no local desde abril, está apreensiva com a divulgação de que a 2ª Vara Federal de Marabá emitiu mandado liminar de reintegração de posse, em favor da HF Engenharia e Empreendimentos LTDA e da Caixa Econômica Federal, para a remoção das famílias. Ao todo, o empreendimento possui 3 mil construções, sendo parte delas, 1.500 unidades habitacionais, de supervisão da CEF.

“Estamos lutando por uma moradia digna. Fui pioneira do São Félix, vendi uma casa pra fazer o velório do meu marido e de lá pra cá nunca tive condição de arrumar uma casa, sempre vivendo de aluguel, aí invadiram aqui, tive essa oportunidade e invadi também. Queria que a HF e a Caixa aparecessem para negociar com a gente. Ninguém quer tomar nada, queremos apenas moradia digna, queremos pagar uma taxa, não estamos nos negando a pagar”, declarou.

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Todos os moradores ouvidos pelo Correio de Carajás na manhã de hoje, quarta (28), afirmam nunca terem sido procurados por nenhum dos responsáveis pelo empreendimento. Questionada sobre o que fará em caso de cumprimento da liminar, Vanda é direta: “Só saio no último suspiro, pra eu sair daqui só se cortarem a luz e mandarem a máquina passar em cima da minha casa, se não, vou resistir!”, garante.

DECISÃO

A decisão foi concedida em ação de reintegração de posse ajuizada em abril deste ano pela CEF, alegando risco de furto e depredação do empreendimento. O juiz Heitor Moura Gomes determinou, ainda, que deveriam ser identificados e citados os ocupantes para que pudessem contestar a ação no prazo de 15 dias.  Na manhã de hoje o Correio de Carajás esteve no local, após realização na noite anterior de reunião entre Associação dos Moradores do Residencial Magalhães e o advogado que os defende, Thiago Barros.

A presidente da entidade, Rubia Bandeira Miranda, informou que a conversa acalmou parte dos moradores. “Como veio essa liminar nós acabamos ficando, em parte, grande parte, achando que seria imediatamente desabrigado. O advogado acalmou nossos ânimos, disse que tinha 15 dias para ser contestada (a ação) e ele veio informar que medidas serão tomadas, que já vai entrar com a contestação para derrubar a liminar. Agora começa a briga”, declarou.

Ela afirma que a HF argumenta que havia 200 funcionários trabalhando nas obras no momento da invasão, mas desmente esse dado. “Quando chegamos a HF tinha dois funcionários, eles falam que têm 200, só se forem imaginários. Nunca veio ninguém nos ouvir, a maioria que está aqui é inscrita no programa (Minha Casa Minha Vida), mas acabou, não existe mais nem programa e o interesse é que nos procurem para negociar porque ninguém quer tomar nada. Agora veio essa lapada, acredito que para nos desestruturar, mas não vão conseguir”, afirma.

Procurado pelo Correio de Carajás, o advogado Thiago Barros destacou que diferente do que diz a decisão, afirmando que são 600 pessoas, já cerca de 2 mil famílias – em torno de 5 mil pessoas – morando no local. “A comunidade está organizada e vai contestar essa ação no prazo legal de 15 dias, porém ainda não fomos notificados da decisão proferida essa semana e vamos agravar também essa decisão para reverter essa ordem em Brasília”, acrescentou.

Por fim, reiterou o dito pela comunidade, de que esta tentou diálogo com os responsáveis por moverem a ação, mas sem êxito. “A comunidade, que tem perfil de baixa renda, quer comprar os imóveis parcelados se assim a HF e a Caixa quiserem vender”, ressaltou.

DESCASO

Haroldo Eduardo de Souza, na ocupação desde o início, confirma essa informação, consenso entre todas as pessoas ouvidas pela Reportagem. “A expectativa que estamos é que dê certo e que a gente consiga adquirir a casinha, estamos todos correndo atrás desse objetivo. Sou casado e com três filhos e trabalho fazendo bico. O melhor é que a Caixa, o órgão que seja, o mandante desse residencial, entrar em acordo com a gente porque queremos pagar a parcela, não temos pra onde ir e pagar aluguel é complexo pra quem está desempregado”, defende.

Outro morador, Francisco Carvalho, sustenta que se não fossem os ocupantes, inclusive, a obra estaria entregue ao matagal e a marginais que a depredariam e depenariam. “Acredito que se o pessoal não tivesse ocupado estaria com mato tomando tudo, pessoal roubando o que tinham colocado. Não tinha vaso dentro de casa, não tinha forro, a HF deixou roubar tudo. Se não tivessem ocupado estaria acabado. Agora que o pessoal limpou e arrumou tudinho vão tomar as casas? Por que não cuidaram antes? Tava quase a ponto de entregar e por que não entregaram?”, questiona.

SILÊNCIO

A Reportagem entrou em contato por e-mail com a Superintendência Regional Sul do Pará e com a assessoria de comunicação da Caixa Econômica, assim como encaminhou mensagem à assessoria de comunicação da construtora, questionando informações sobre o andar das obras e sobre a ação de reintegração de posse. Nenhuma retornou até o horário informado para fechamento.

O projeto do Governo Federal é executado a partir de contratos firmados com Caixa Econômica Federal e com Banco do Brasil, responsáveis pelo financiamento de 1.500 unidades habitacionais cada e também pelas fiscalizações. As obras deveriam ser executadas pela HF Engenharia, com orçamento de R$ 76,7 milhões, e sido entregues em 2014, o que nunca ocorreu. (Luciana Marschall – com informações de Josseli Carvalho)