Correio de Carajás

‘Na COP, o agro tem de ser parte da solução’, diz ex-secretário de Agricultura

Para o empresário, é fundamental que a produção agrícola caminhe ao lado da proteção aos recursos naturais, o que ele já considera uma realidade no País

Gustavo Junqueira vê a COP como uma oportunidade para o Brasil reafirmar protagonismo ambiental

Gustavo Junqueira, produtor rural nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Pará, sócio da Bela Vista Agropecuária e ex-secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, tem uma história de engajamento em iniciativas de conciliação entre o agronegócio e o ambiente.

Para o empresário, é fundamental que a produção agrícola caminhe ao lado da proteção aos recursos naturais, o que ele já considera uma realidade no País. “Para a gente ter uma ideia, 25% de todas as reservas florestais do Brasil ficam dentro de propriedades privadas.”

Junqueira afirma que, durante a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP-30), marcada para novembro, em Belém, no Pará, o Brasil tem a oportunidade de se colocar à frente no debate sobre o clima. “É uma oportunidade para o Brasil reafirmar um protagonismo ambiental”, afirma. A seguir, trechos da entrevista ao Estadão.

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Repórter – Os recursos naturais do Brasil garantem sucesso na agropecuária?

Junqueira – Os recursos naturais sem dúvida alguma dão um pontapé inicial, mas a virada de chave do Brasil foi uma combinação de uma reestruturação do agro, que começou em 1990, com o presidente (Fernando) Collor, que fez uma espécie de privatização do setor. Antes, tudo era controlado pelo governo. Nos primeiros anos do seu governo, Collor transferiu toda essa responsabilidade para o setor privado. A partir daí, entrou toda uma parte de empreendedorismo, combinado com tecnologia e inovação.

Repórter – Hoje em dia o agro não é dependente do governo?

Junqueira – Ainda há o Plano Safra que, na minha opinião, precisa ser reformulado e passar a ser muito mais um garantidor, como nos moldes do Fundo Garantidor de Crédito que temos nos bancos. Mas o sucesso do agro vem desse conjunto de tecnologia, empreendedorismo, um setor fundamentalmente privado. Você não tem participação estatal na operação, diferentemente de outros países. Não podemos também esquecer que tem a questão dos mercados. Acho que China teve um papel fundamental ao longo das últimas décadas em ser um parceiro do Brasil.

Repórter – O que falta hoje para o setor evoluir ainda mais?

Junqueira – A gente tem um compromisso de inovação contínuo. Dentro dos setores da economia brasileira, o agro hoje é talvez o único em escala que realmente vive a inovação. Só para você ter uma ideia: na maior parte do mundo, o uso da terra é de mais ou menos 45% do tempo, ou seja, em um ano o produtor americano, um produtor europeu, um produtor chinês, usa a terra menos da metade do tempo, porque você tem características climáticas específicas. Aqui no Brasil a gente está chegando a níveis de utilização próximos de 92%. Ou seja, você está o tempo todo utilizando o solo. Isso traz uma economia de escala brutal.

Repórter – A Europa e os EUA indicam que devem adotar maior protecionismo daqui para frente. O Brasil está preparado?

Junqueira – No caso do agronegócio, o protecionismo é muito difícil de ser feito. A Europa é dependente de produtos alimentares de outras origens, então vai depender do Brasil. O que eu entendo é que eles deveriam ser cada vez mais parceiros do Brasil. Só para a gente ter uma ideia, 25% de todas as reservas florestais do Brasil ficam dentro das propriedades privadas. Ou seja, é um investimento, um custo muito grande feito pelo setor, pelos proprietários das terras, para manter esse ecossistema vivo. As críticas muitas vezes ocorrem sem o conhecimento.

Repórter – Existe ainda muito desmatamento ilegal na Amazônia. Como controlar isso?

Junqueira – Cada vez mais a rastreabilidade vem sendo imposta em cadeias como nos frigoríficos, como nas empresas de papel e celulose, como nas empresas exportadoras de soja. Aí fica mais fácil separar o joio do trigo. Mas o fato é que a gente precisa de um maior controle e esse controle tem de vir por parte de uma combinação do setor privado, das empresas que são consumidoras dessas matérias-primas, dos consumidores, que precisam olhar de onde vem a madeira que eles compram e, fundamentalmente, do governo para estar presente e não deixar com que as coisas aconteçam de maneira banalizada.

Repórter – Como o agro deve ser apresentado na COP-30?

Junqueira – Participei da COP em Paris há dez anos e, desde lá, o agro brasileiro se desenvolveu de maneira incrível, ocupou mercados no mundo todo, e a COP-30 coloca o Brasil no centro das discussões globais de sustentabilidade. Vai ser um momento onde o mundo que já fala de sustentabilidade vai falar do Brasil dentro desse contexto. E é uma oportunidade para o Brasil reafirmar um protagonismo ambiental. Acho que o agro tem de se mostrar na COP como parte da solução e não parte do problema. Temos uma agricultura de baixo carbono, temos uma série de projetos de recuperação de áreas degradadas, temos leis ambientais super-rigorosas e somos fundamentais como parte da solução de segurança alimentar global. Sem o Brasil, teríamos um problema de fome muito mais profundo e complexo.

Repórter – Como é que você vê o agronegócio no Brasil daqui a dez anos?

Junqueira – O agro brasileiro tem o potencial para consolidar sua posição como líder global em fornecimento, em segurança alimentar no mundo, inovação, sustentabilidade, sem dúvida alguma nós vamos evoluir muito. Já temos tecnologia de práticas sustentáveis, sabemos proteger as florestas, sabemos recuperar florestas, a gente sabe realmente gerenciar tudo isso.

Repórter – E o que é que pode dar errado?

Junqueira – Considero que a gente pode ter, sem dúvida alguma, problemas climáticos. Se a gente não conseguir inovar na mesma velocidade, teremos um problema. Também é muito importante dar conta da questão do desperdício, que se tratado de maneira adequada você é capaz de ter 30% a mais de alimentos disponíveis para a população mundial.

(Reproduzido de: Estadão)